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NO PLANALTO
Refis joga no lixo crédito de R$ 1,030 bilhão
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Recomenda-se ao leitor
que tape o nariz ao enveredar pelo texto abaixo. Fala da
Vega Sopave, empresa que floresceu em meio à sujidade. Fez-se na coleta do lixo de grandes
cidades, entre elas São Paulo.
A Vega Sopave exibe uma
contabilidade malcheirosa como a carga de seus caminhões.
Deve à Receita e à Previdência
R$ 1,030 bilhão. É dinheiro
graúdo. O dobro, por exemplo,
dos R$ 514 milhões reservados
para os investimentos da pasta
de Ciro Gomes (Integração Nacional) em 2004.
Em 14 de março de 2000, a Vega Sopave aderiu ao Refis, programa de parcelamento de débitos tributários criado sob
FHC. Passou a recolher aos cofres públicos R$ 8.900 mensais,
em média. Mantido o ritmo, liquidaria a dívida em 96.441
anos. Ou 964 séculos.
Embora a coisa cheirasse mal
desde o início, a tríade que compõe o comitê gestor do Refis
-Receita, Previdência e Procuradoria da Fazenda- aprovou
tudo. O acerto só começou a desandar quando um juiz federal,
Celso Bedin, decidiu revolver o
monturo escondido debaixo das
cifras.
Aconteceu assim:
1) em fevereiro de 1999 a Procuradoria da Fazenda Nacional
protocolou na 5ª Vara de Execuções Fiscais de São Paulo uma
ação para tentar receber um naco da dívida da Vega Sopave.
Uma mixaria: R$ 92 mil;
2) enviou-se à empresa, pelo
correio, uma citação. No endereço operava não mais a Vega
Sopave, mas uma firma homônima: Vega Engenharia Ambiental. Em resposta, disse que
nada tinha a ver com a Vega
pendurada no fisco;
3) a velha Vega Sopave mudou de endereço e de nome.
Chama-se agora Oxfort Construções. Citada, respondeu que
aderira ao Refis. Os R$ 92 mil
que lhe cobravam estariam incluídos no parcelamento. O processo judicial deveria, portanto,
ser suspenso;
4) a Procuradoria da Fazenda
assentiu. Encaminhou ao juiz
Celso Bedin petição requerendo
a suspensão do processo. Inconformado com a falta de olfato
da máquina coletora de tributos, Bedin decidiu empreender
investigação própria;
5) o juiz deparou-se, segundo
declarou nos autos, "com um
caso estarrecedor". Em visita ao
sítio da Receita na internet
constatou que a dívida da Vega
Sopave, rebatizada de Oxfort
Construções, ultrapassava a casa do bilhão;
6) descobriu que a nova Vega
Engenharia Ambiental nascera
de uma cisão da velha Vega Sopave. O desmembramento ocorreu em 1997. A empresa temporã herdou da anciã a logomarca
e o lucrativo negócio da coleta
de lixo. O legado excluiu as dívidas;
7) soube que, ao aderir ao Refis, a Vega Sopave oferecera garantias que não cobriam o débito de R$ 1,030 bilhão: sete tratores, dois equipamentos de usinagem de asfalto, três aparelhos
de ar condicionado, uma central telefônica, um computador,
móveis e utensílios. Uma parafernália avaliada em R$ 582
mil;
8) em outubro do ano passado, o juiz Celso Bedin negou a
pretensão da Fazenda de sobrestar o processo. Anotou na
sentença: "É intuitivo que a mudança de endereço, seguida de
alteração da denominação social, teve o propósito de fraudar" o fisco;
9) disse mais: "Criou-se uma
nova empresa, que assumiu os
negócios da executada, ficando
com a parte boa [...], enquanto
que a antiga [...] ficou com a
parte ruim, ou seja, o passivo";
10) o juiz foi ao ponto: "Fraudar o sistema é muito simples.
Basta que o contribuinte crie
uma nova empresa, que assuma
os negócios da que aderiu ao Refis, esvaziando o faturamento
desta". O crediário do Refis é
calculado com base em percentual do faturamento do devedor;
11) dando seqüência ao processo, Bedin alertou o Ministério Público e a Corregedoria da
Receita. E encomendou à Fazenda o cancelamento do parcelamento da empresa e o ajuizamento da dívida;
12) a Oxfort Construções (Vega Sopave) recorreu da decisão.
Alegou que a cisão que deu origem à nova Vega Engenharia
Ambiental, ocorrida antes da
adesão ao Refis, não visou fraudar o fisco. Disse que paga pouco porque seu faturamento foi
envenenado pela política de juros altos de Brasília. Bedin deu
de ombros. Manteve a sentença;
13) a empresa recorreu novamente, desta vez ao Tribunal
Federal de Recursos. Amargou
nova derrota. Alegou-se que recorrera fora do prazo regulamentar. Impetrou-se um terceiro recurso. Antes que pudesse
ser julgado, a Procuradoria da
Fazenda e a Receita recobraram
o faro;
14) em portaria de 10 de dezembro de 2003, a Oxfort foi excluída do Refis. No relatório que
fundamentou a decisão está escrito: "De fato, as constatações
da autoridade judicial [Celso
Bedin] vieram a ser corroboradas pelas alterações no objeto
social da empresa [...];
15) o repórter discou para a
Vega Engenharia Ambiental, a
firma que detém o legado limpo
da Vega Sopave. A empresa declarou: "Não somos parte nessa
causa. Nunca fomos citados no
processo". Ledo engano;
16) em ofício de 12 de fevereiro
de 2004, anexado aos autos, a
Procuradoria da Fazenda, agora com o olfato aguçadíssimo,
encomendou à Receita "diligência fiscal a fim de apurar o faturamento declarado da Oxfort
Construções no período de 1997
a 2004, bem como da empresa
criada a partir de cisão: Vega
Engenharia Ambiental". Procurada, a Oxfort (Vega Sopave)
não se pronunciou;
Se quiser evitar novos vexames além dos que vêm sendo
noticiados pela Folha desde 1º
de fevereiro, Lula precisa requisitar ao ministro Palocci uma
ampla auditoria na carteira de
parcelamentos tributários.
Oculta surpresas insondáveis.
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