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ELIO GASPARI
O fantasma jurídico da pessoa física
Se uma empresa não recorre ao expediente da pessoa jurídica, sua mão-de-obra custa até 30% mais caro
NOSSO GUIA fez bem ao vetar
a emenda que impedia os
auditores da Receita Federal
de fechar falsas empresas prestadoras de serviços.
Quando um auditor da Receita
agride uma funcionária de pedágio
porque tentou passar (a serviço)
sem pagar o que a moça estava obrigada a cobrar, teme-se que a concessão de tamanhos poderes a esses
servidores sacramente a truculência. Apesar disso, não se pode supor
que condutas desse tipo sejam a
norma. O poder da Receita de fechar
uma falsa pessoa jurídica atende ao
interesse da sociedade porque há
falsas pessoas jurídicas que lesam
seu interesse.
Tomem-se dois exemplos. Num,
um médico. Noutro, um jornalista,
publicitário ou arquiteto.
O médico criou uma empresa
prestadora de serviços. Tem contratos com dois hospitais e deles recebe
R$ 10 mil por mês. Mantém um consultório, onde emprega uma atendente e dele retira outros R$ 10 mil.
Como pessoa jurídica, esse cidadão
paga R$ 2.900 de tributos mensais.
Se recebesse R$ 20 mil como pessoa
física, pagaria R$ 5.800. A renda do
consultório é típica do prestador de
serviços. Ademais, gera o emprego
da atendente e dos funcionários do
prédio. Nos hospitais, ele dá dois
dias de serviço por semana, e essa é
uma bola dividida que mais vale discutir do que esconder.
O jornalista, publicitário ou arquiteto, também criou sua empresa.
Não emprega ninguém e serve a um
só cliente, em cuja sede tem o seu local de trabalho, usando a infra-estrutura do lugar, da secretária ao
restaurante. Faz parte de uma cadeia de comando cotidiana e rotineira. Às vezes, é chefe. Em alguns
casos, cumpre cláusulas de exclusividade ou de restrição comercial. É
um empregado.
O que há aí é uma relação trabalhista dissimulada. Admitindo-se
que ele recebe R$ 20 mil mensais, o
fisco perde cerca de R$ 3 mil. Pior:
uma empresa rival que não recorre
ao expediente tem o custo de sua mão-de-obra nessa faixa salarial
elevado em até 30%, por conta de
outros benefícios revogados.
Entre os dois exemplos há nuances. Contribuintes que trabalham
em casa e atendem sobretudo a um
cliente, gente que presta serviços regulares a diversos interessados ou
mesmo profissionais cuja empresa
contrata equipes próprias.
Se a impugnação da empresa-biombo tiver que ser ratificada numa instância administrativa superior à do auditor que empurrou a
moça do pedágio para dentro do seu
carro, assegura-se a defesa do contribuinte e melhora-se a qualidade
da fiscalização. Um projeto de lei
mandado pelo governo ao Congresso permitirá o debate de todas as
sintonias finas dessa questão.
As pessoas jurídicas ectoplásmicas abençoam o andar de cima. Se
essa relação é imposta a um profissional que fatura R$ 2.500 mensais,
a Viúva deixa de arrecadar só R$ 53.
Já no caso da PJ que recebe R$ 50
mil, o dreno chega a R$ 8 mil mensais. Em todos os casos, esses contratos esterilizam o 13º, o FGTS e, às
vezes, as férias. O mecanismo é uma
criação do capital, não do trabalho.
Na discussão dessas anomalias
abundam relevantes argumentos
jurídicos. Contudo, tratando-se de
relações trabalhistas, a história ensina que jamais houve um fazendeiro
que defendesse a inexorabilidade de
o negro ser obrigado a trabalhar de
graça. Discutiam direito de propriedade. Em 1905, a Corte Suprema dos
Estados Unidos derrubou uma lei de
Nova York que proibia jornadas de
trabalho superiores a 60 horas semanais nas padarias. Fez isso em
nome da liberdade de contrato.
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