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Para novo arcebispo, asco à política leva ao despotismo
Católico deve participar da vida pública porque anjos não virão governar país, diz d. Odilo
Sucessor de dom Cláudio afirma que maior desafio da igreja é dialogar com uma sociedade que "se organiza como se Deus não existisse"
DA REPORTAGEM LOCAL
Dom Odilo Scherer, novo arcebispo de São Paulo, concedeu
a inédita entrevista abaixo à Folha em dezembro de 2006.
Ele fala tanto sobre temas nacionais como sobre o futuro
da igreja. Afirma que os católicos devem participar da política porque "anjos do céu" não
virão governar o país e que o
"asco à política leva ao despotismo". Sobre o desafio da igreja no país, diz que o problema
não é apenas a expansão evangélica, mas dialogar com uma
sociedade que se "organiza como se Deus não existisse". Para
ele, é preciso dar "respostas aos
problemas novos" na política,
na ética e na economia.
(LEANDRO BEGUOCI)
FOLHA - Qual é a expectativa do sr.
em relação à visita do papa ao país?
D. ODILO SCHERER - A visita do papa é motivo de grande alegria e
destaca a importância reconhecida à igreja no Brasil. O papa
virá, antes de tudo, para abrir a
5ª Conferência do Episcopado
da América Latina e do Caribe,
em Aparecida, em maio. Sua visita é importante pois ele tem a
missão de confirmar os irmãos
na fé. A palavra do papa é orientadora e dá segurança aos rumos da igreja e da sociedade.
FOLHA - Há preocupação em relação ao avanço evangélico?
D. ODILO - Há, mas a preocupação maior é que a própria Igreja
Católica possa cumprir bem
sua missão. Será tarefa da conferência de Aparecida, da reflexão da teologia e da antropologia entender o significado do fenômeno do pentecostalismo
e discernir qual deve ser a atitude da igreja diante desse fato.
FOLHA - O sr. acredita que a igreja
reverá algumas orientações no futuro, como o celibato dos padres?
D.ODILO - A igreja entende que
a solução para seus desafios
não está na mudança da disciplina do celibato sacerdotal. É
preciso encontrar a maneira de
realizar sua missão nas atuais
condições do mundo e da cultura, que não sentem grande entusiasmo pela religião. Quer as
propostas sejam anunciadas por padres celibatários, quer
ainda sejam elas feitas por ministros ou pastores casados. O
problema não é o celibato.
FOLHA - Quais são, hoje, os maiores desafios da igreja do Brasil?
D. ODILO - O grande desafio é
propor sua mensagem nos espaços do mundo secularizado,
onde a vida se organiza como se
Deus não existisse, ou não contasse. É ajudar os cristãos a
manter viva sua fé e a coerência
de vida com as propostas do
Evangelho. É ainda ter cristãos
leigos bem preparados e corajosos para atuar nos espaços do
mundo das profissões, da condução dos destinos da sociedade, na cultura. É dar respostas
aos problemas novos no campo da ciência, da economia, da política, da ética, da antropologia
e da convivência social.
Desafio permanente é continuar a defender a dignidade
humana e o respeito à vida num
mundo que vive no meio da violência e de mercantilização da
vida. Desafios são a educação
religiosa e moral num clima
cultural marcado pelo individualismo exacerbado, onde todos os valores são propostos e
medidos pela satisfação subjetiva, e não pela busca de um
bem objetivo.
FOLHA - Ainda faz sentido falar
que existe, dentro da igreja, uma ala
conservadora e outra progressista? Â
D.ODILO - Essas duas alas existiram sempre na igreja e continuam a existir, mas a contraposição entre ambas perdeu peso.
Há momentos em que devemos ser conservadores e outros
em que devemos ser progressistas. Uma coisa não exclui a
outra. Talvez hoje exista mais
tolerância diante de quem pensa de modo diverso, talvez compreendeu-se melhor que não
faz sentido combatermos-nos
uns contra os outros, quando a
missão comum é tão grande. É
melhor empenhar as energias
na missão que a igreja tem do
que na luta interna pela afirmação de ideologias.
FOLHA - Nos últimos anos, vários
escândalos de corrupção foram tornados públicos. A igreja do Brasil
sempre incentivou a participação de
seus fiéis na política. Foi uma posição equivocada?
D. ODILO - Não. Um ponto que temos muito a trabalhar no Brasil é o preconceito contra a
política. Embora haja muita sujeira, nós não podemos simplesmente condenar a política.
Se não se faz política, como é que a sociedade pode viver?
Às vezes há a idéia de que é preciso esperar a política ficar limpa para só depois entrar nela. Acho que é uma idéia errada. É preciso entrar na política para limpar a política, se achamos que está suja. Também acho que não podemos esperar que caiam anjos do céu para governar o Brasil. O caos nasce do asco à política, favorece a prepotência. O asco à política leva ao despotismo.
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