São Paulo, quarta-feira, 21 de março de 2007

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Para novo arcebispo, asco à política leva ao despotismo

Católico deve participar da vida pública porque anjos não virão governar país, diz d. Odilo

Sucessor de dom Cláudio afirma que maior desafio da igreja é dialogar com uma sociedade que "se organiza como se Deus não existisse"


DA REPORTAGEM LOCAL

Dom Odilo Scherer, novo arcebispo de São Paulo, concedeu a inédita entrevista abaixo à Folha em dezembro de 2006.
Ele fala tanto sobre temas nacionais como sobre o futuro da igreja. Afirma que os católicos devem participar da política porque "anjos do céu" não virão governar o país e que o "asco à política leva ao despotismo". Sobre o desafio da igreja no país, diz que o problema não é apenas a expansão evangélica, mas dialogar com uma sociedade que se "organiza como se Deus não existisse". Para ele, é preciso dar "respostas aos problemas novos" na política, na ética e na economia.
(LEANDRO BEGUOCI)

 

FOLHA - Qual é a expectativa do sr. em relação à visita do papa ao país?
D. ODILO SCHERER -
A visita do papa é motivo de grande alegria e destaca a importância reconhecida à igreja no Brasil. O papa virá, antes de tudo, para abrir a 5ª Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe, em Aparecida, em maio. Sua visita é importante pois ele tem a missão de confirmar os irmãos na fé. A palavra do papa é orientadora e dá segurança aos rumos da igreja e da sociedade.

FOLHA - Há preocupação em relação ao avanço evangélico?
D. ODILO -
Há, mas a preocupação maior é que a própria Igreja Católica possa cumprir bem sua missão. Será tarefa da conferência de Aparecida, da reflexão da teologia e da antropologia entender o significado do fenômeno do pentecostalismo e discernir qual deve ser a atitude da igreja diante desse fato.

FOLHA - O sr. acredita que a igreja reverá algumas orientações no futuro, como o celibato dos padres?
D.ODILO -
A igreja entende que a solução para seus desafios não está na mudança da disciplina do celibato sacerdotal. É preciso encontrar a maneira de realizar sua missão nas atuais condições do mundo e da cultura, que não sentem grande entusiasmo pela religião. Quer as propostas sejam anunciadas por padres celibatários, quer ainda sejam elas feitas por ministros ou pastores casados. O problema não é o celibato.

FOLHA - Quais são, hoje, os maiores desafios da igreja do Brasil?
D. ODILO -
O grande desafio é propor sua mensagem nos espaços do mundo secularizado, onde a vida se organiza como se Deus não existisse, ou não contasse. É ajudar os cristãos a manter viva sua fé e a coerência de vida com as propostas do Evangelho. É ainda ter cristãos leigos bem preparados e corajosos para atuar nos espaços do mundo das profissões, da condução dos destinos da sociedade, na cultura. É dar respostas aos problemas novos no campo da ciência, da economia, da política, da ética, da antropologia e da convivência social.
Desafio permanente é continuar a defender a dignidade humana e o respeito à vida num mundo que vive no meio da violência e de mercantilização da vida. Desafios são a educação religiosa e moral num clima cultural marcado pelo individualismo exacerbado, onde todos os valores são propostos e medidos pela satisfação subjetiva, e não pela busca de um bem objetivo.

FOLHA - Ainda faz sentido falar que existe, dentro da igreja, uma ala conservadora e outra progressista? Â
D.ODILO -
Essas duas alas existiram sempre na igreja e continuam a existir, mas a contraposição entre ambas perdeu peso.
Há momentos em que devemos ser conservadores e outros em que devemos ser progressistas. Uma coisa não exclui a outra. Talvez hoje exista mais tolerância diante de quem pensa de modo diverso, talvez compreendeu-se melhor que não faz sentido combatermos-nos uns contra os outros, quando a missão comum é tão grande. É melhor empenhar as energias na missão que a igreja tem do que na luta interna pela afirmação de ideologias.

FOLHA - Nos últimos anos, vários escândalos de corrupção foram tornados públicos. A igreja do Brasil sempre incentivou a participação de seus fiéis na política. Foi uma posição equivocada?
D. ODILO -
Não. Um ponto que temos muito a trabalhar no Brasil é o preconceito contra a política. Embora haja muita sujeira, nós não podemos simplesmente condenar a política.
Se não se faz política, como é que a sociedade pode viver?
Às vezes há a idéia de que é preciso esperar a política ficar limpa para só depois entrar nela. Acho que é uma idéia errada. É preciso entrar na política para limpar a política, se achamos que está suja. Também acho que não podemos esperar que caiam anjos do céu para governar o Brasil. O caos nasce do asco à política, favorece a prepotência. O asco à política leva ao despotismo.


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