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As cabeças postas ao vento
JANIO DE FREITAS
Os ventos que sopram em Brasília não são os ventos que sopram em São Paulo. Além de
gripe e de águas que dão a São
Paulo um charme a mais, um
encanto veneziano, os ventos
paulistas reanimam a chamada
elite local, outra vez convicta de
que o Brasil daqui a pouco, já
no segundo semestre daqui a
três meses, estará de novo no
caminho da grandeza radiosa,
como diz o governo.
Em Brasília também há otimismo, mas por fora das cabeças. Uma profusão de technicolor, em tonalidades de acaju,
pau-brasil, um jacarandá mais
denso, peroba do campo para os
que se querem alourados, e, depois de longa pesquisa, conseguiu-se identificar a coloração
que ornamenta o senador Edison Lobão: é cor de maçaranduba enxertada com jaqueira.
Agora é assim no Congresso e
no governo: são mundos que se
colorem mais a cada dia, na
tintura das velhices recauchutadas pelo Viagra. Em tempo:
alguns quiseram pautar-se por
Fernando Henrique, mas a sua
ambiguidade também nessa
matéria, um dia adotando o
azulado, já no outro o cinza
com castanho, em seguida o
violeta, reduziu muito as imitações.
A variedade tonal do ridículo
não reflete as idéias que se difundem no Congresso, como se
espalhadas pelo vento terral
sempre carregado de partículas
infinitas que invadem olhos,
ouvidos, boca, a roupa, o corpo
todo. Esses ventos em Brasília
estão fazendo coisas tão estranhas como o deputado Michel
Temer lembrar-se do Michel
Temer do velho emedebismo. E
do alto da presidência da Câmara desafiar Fernando Henrique, lançando na mesa a reforma tributária como prioridade
imediata, e logo aderindo à recomposição dos salários que a
inflação devaste.
O valor principal das atitudes
de Temer está no que não mostra: em vez de individual, como
parece, reflete uma ebulição
que está alterando as divisões
do PMDB e o levam para uma
configuração ainda muito indefinida, a não ser pela evidente redução do fernandismo.
Na mesma direção dos ventos,
as atitudes do senador Antonio
Carlos Magalhães não são apenas o que aparentam. Críticas
ao FMI e fim da proteção a Pedro Malan, por exemplo, não
tratam propriamente da crise.
Supor que o conflito buscado
pelo senador com o Judiciário
limita-se a esse objetivo é, mais
uma vez, curvar-se às aparências.
Isso tudo implica o governo e
os governistas em definições indesejadas e alcança o próprio
Fernando Henrique, sujeitando-o a questões muito inconvenientes. Tanto mais por estar
em fase de fraqueza notável. (A
propósito: nem mesmo um convite para jantar no Alvorada,
amanhã, disfarçaria a longa
ausência de encontros e diálogos conhecidos de Antonio Carlos e Fernando Henrique -o
que tem muitos significados.)
Sem pretender refletir o que
pensam Antonio Carlos e Michel Temer, mas dar uma idéia
do que perpassa em muitas das
principais cabeças do Congresso, se não em todas, pode-se dizer alguma coisa com segurança. Assim: a probabilidade de
que ocorra um curto-circuito
político, por influência de problemas decorrentes da crise econômica, é muito mais forte, nas
análises, do que a confiança em
êxito do governo. E isso conduz
a considerações várias, entre as
lideranças, sobre o que seria o
curto-circuito e que saídas poderia ter.
Conduz ainda, e explica, as
atitudes que sugerem, para a
opinião pública, algum distanciamento em relação ao governo. Mas, sobretudo, podem ser
vistas como indicações de que o
curto-circuito, na verdade, já
existe. Tênue, sutil, sob controles fortes, mas já está aí, nas críticas, desafios e distâncias pessoais adotadas por figuras dominantes da aliança que sustentou Fernando Henrique até
há pouco. A falta de ação neutralizadora, a inércia perplexa
de Fernando Henrique diante
desses fatos, inscreve-se já no
teste de habilidade política a
que está chamado, quando se
põem à distância os que até
agora lhe sugeriam as manobras principais e vitoriosas.
Ao otimismo que sopra na
chamada elite paulista, as cabeças mais pensantes do Congresso respondem com a convicção de que a soma dos fatores
de perigo é imensa. Um governo
que se propõe a gastar R$ 130
bilhões em juros; a reformar os
palácios frequentados pelo presidente; que aumenta a dívida
em quase 450% em quatro anos
e a conduz a algum tipo de estouro -tudo isso e muito mais
enquanto provoca desemprego
altíssimo, empobrece os salários, faz cortes drásticos nos
gastos sociais e deteriora os serviços públicos, um governo assim procura um curto-circuito,
digamos, um apagão político.
Ou já entrou nele. A despeito do
otimismo que prolifera, embora
ainda pouco exposto, ou um
tanto submerso, na nova Veneza.
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