São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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As cabeças postas ao vento

JANIO DE FREITAS

Os ventos que sopram em Brasília não são os ventos que sopram em São Paulo. Além de gripe e de águas que dão a São Paulo um charme a mais, um encanto veneziano, os ventos paulistas reanimam a chamada elite local, outra vez convicta de que o Brasil daqui a pouco, já no segundo semestre daqui a três meses, estará de novo no caminho da grandeza radiosa, como diz o governo.
Em Brasília também há otimismo, mas por fora das cabeças. Uma profusão de technicolor, em tonalidades de acaju, pau-brasil, um jacarandá mais denso, peroba do campo para os que se querem alourados, e, depois de longa pesquisa, conseguiu-se identificar a coloração que ornamenta o senador Edison Lobão: é cor de maçaranduba enxertada com jaqueira.
Agora é assim no Congresso e no governo: são mundos que se colorem mais a cada dia, na tintura das velhices recauchutadas pelo Viagra. Em tempo: alguns quiseram pautar-se por Fernando Henrique, mas a sua ambiguidade também nessa matéria, um dia adotando o azulado, já no outro o cinza com castanho, em seguida o violeta, reduziu muito as imitações.
A variedade tonal do ridículo não reflete as idéias que se difundem no Congresso, como se espalhadas pelo vento terral sempre carregado de partículas infinitas que invadem olhos, ouvidos, boca, a roupa, o corpo todo. Esses ventos em Brasília estão fazendo coisas tão estranhas como o deputado Michel Temer lembrar-se do Michel Temer do velho emedebismo. E do alto da presidência da Câmara desafiar Fernando Henrique, lançando na mesa a reforma tributária como prioridade imediata, e logo aderindo à recomposição dos salários que a inflação devaste.
O valor principal das atitudes de Temer está no que não mostra: em vez de individual, como parece, reflete uma ebulição que está alterando as divisões do PMDB e o levam para uma configuração ainda muito indefinida, a não ser pela evidente redução do fernandismo.
Na mesma direção dos ventos, as atitudes do senador Antonio Carlos Magalhães não são apenas o que aparentam. Críticas ao FMI e fim da proteção a Pedro Malan, por exemplo, não tratam propriamente da crise. Supor que o conflito buscado pelo senador com o Judiciário limita-se a esse objetivo é, mais uma vez, curvar-se às aparências.
Isso tudo implica o governo e os governistas em definições indesejadas e alcança o próprio Fernando Henrique, sujeitando-o a questões muito inconvenientes. Tanto mais por estar em fase de fraqueza notável. (A propósito: nem mesmo um convite para jantar no Alvorada, amanhã, disfarçaria a longa ausência de encontros e diálogos conhecidos de Antonio Carlos e Fernando Henrique -o que tem muitos significados.)
Sem pretender refletir o que pensam Antonio Carlos e Michel Temer, mas dar uma idéia do que perpassa em muitas das principais cabeças do Congresso, se não em todas, pode-se dizer alguma coisa com segurança. Assim: a probabilidade de que ocorra um curto-circuito político, por influência de problemas decorrentes da crise econômica, é muito mais forte, nas análises, do que a confiança em êxito do governo. E isso conduz a considerações várias, entre as lideranças, sobre o que seria o curto-circuito e que saídas poderia ter.
Conduz ainda, e explica, as atitudes que sugerem, para a opinião pública, algum distanciamento em relação ao governo. Mas, sobretudo, podem ser vistas como indicações de que o curto-circuito, na verdade, já existe. Tênue, sutil, sob controles fortes, mas já está aí, nas críticas, desafios e distâncias pessoais adotadas por figuras dominantes da aliança que sustentou Fernando Henrique até há pouco. A falta de ação neutralizadora, a inércia perplexa de Fernando Henrique diante desses fatos, inscreve-se já no teste de habilidade política a que está chamado, quando se põem à distância os que até agora lhe sugeriam as manobras principais e vitoriosas.
Ao otimismo que sopra na chamada elite paulista, as cabeças mais pensantes do Congresso respondem com a convicção de que a soma dos fatores de perigo é imensa. Um governo que se propõe a gastar R$ 130 bilhões em juros; a reformar os palácios frequentados pelo presidente; que aumenta a dívida em quase 450% em quatro anos e a conduz a algum tipo de estouro -tudo isso e muito mais enquanto provoca desemprego altíssimo, empobrece os salários, faz cortes drásticos nos gastos sociais e deteriora os serviços públicos, um governo assim procura um curto-circuito, digamos, um apagão político. Ou já entrou nele. A despeito do otimismo que prolifera, embora ainda pouco exposto, ou um tanto submerso, na nova Veneza.


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