São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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GOIÁS
Senador fala pela 1ª vez sobre acusação de desvio de R$ 5 mi a seu irmão, coordenador da campanha do peemedebista
Iris diz ser vítima de perseguição política



O interesse do governo nisso é político. Houve uma ação conjugada do governo e do procurador

Queriam a qualquer preço fazer com que fosse incluído no inquérito que o dinheiro teria ido para o comitê

FLÁVIA DE LEON
da Sucursal de Brasília

Iris Rezende, 65, senador pelo PMDB de Goiás e irmão de Otoniel Carneiro, acusado de participar do sumiço de R$ 5 milhões da Caixego (Caixa Econômica de Goiás) e do suposto desvio do dinheiro para seu comitê eleitoral no ano passado, diz que o escândalo é fruto de "perseguição" do procurador Hélio Telho, do Ministério Público Federal no Estado, "a serviço" do governador Marconi Perillo.
A Folha procurou o governador de Goiás, Marconi Perillo, e foi informada de que ele está em Paris, participando de uma reunião com organismos internacionais. Também o procurador Hélio Telho não quis responder às acusações de Iris. A seguir, a entrevista.

Folha - O sr. esteve calado até agora. Como vê o caso?
Iris Rezende -
Essa questão foi apresentada como um escândalo, sob a orientação do governo estadual, que procura estraçalhar a oposição a qualquer custo. Deu a entender que houve uma trapaça na qual meu irmão (Otoniel), como coordenador da campanha, teve participação. Não é assim.
Folha - Como foi, então?
Iris -
Quando se fez o acordo entre funcionários, advogados e o liquidante da Caixego, a Caixa Econômica de Goiás, quatro funcionários tomaram conhecimento do montante (R$ 10 milhões), sentiram-se prejudicados e recorreram ao Ministério Público.
O Banco Central há nove anos decidiu liquidar a Caixego. Nessa época, os funcionários autárquicos recebiam tratamento especial. Decretada a liquidação, contrataram um advogado (Élcio Berquó) para defender seus possíveis direitos.
Segundo consta, foi feito um contrato de risco. Se alcançasse sucesso, o advogado (Berquó) teria direito a 70%. Caso contrário, não receberia honorários nem ressarcimento das despesas. Depois de sete anos, chegou o momento do pagamento. O governo passado (Maguito Vilela) nomeou o diretor financeiro do banco (Edivaldo Andrade) seu liquidante, que passou então a negociar, sempre buscando reduzir os pagamentos.
Num determinado momento, sentaram-se à mesma mesa o advogado autor da ação (Berquó), o segundo advogado (Valdemar Zaidem), o procurador e o subprocurador do Estado (Gil Alberto Resende e Isaías Carlos da Silva, respectivamente) e o liquidante (Edivaldo Andrade).
Foi feito o acordo de R$ 10 milhões, mais o Imposto de Renda, e aí se acrescentou mais R$ 1 milhão e tanto. Feito o acordo, pediu-se ao BEG que mandasse três cheques: um no valor de R$ 3,6 milhões, outro no valor de R$ 1,4 milhão e outro no valor de R$ 5 milhões.
Folha - Por que foram pedidos três cheques?
Iris -
Não sei. Um se explica: foi destinado ao pagamento dos 30% dos funcionários. O outro, de R$ 1,4 milhão, foi distribuído em inúmeras contas. Aí é que houve, na verdade, o escândalo. Parte foi para a conta do filho de um deles.
O cheque de R$ 5 milhões e o de R$ 1,4 milhão foram nominais ao Valdemar Zaidem. Ele pediu ao Edivaldo que os R$ 5 milhões fossem entregues em espécie. Então o diretor do banco -isso é o que consta do inquérito- disse que não poderia pagar naquele dia. No dia seguinte, o carro encostou, o dinheiro estava providenciado ... Isso na hora do expediente, no principal ponto da cidade ...
Folha - E qual foi o destino dele?
Iris -
No inquérito, chegou-se a um impasse: dois cheques foram, por meio de DOCs, para as contas de funcionários e de outros. O de R$ 5 milhões, em espécie, tinha de ser explicado pelo Zaidem. Perguntou-se a ele onde estava o dinheiro. Ele disse: "Eu endossei o cheque e dei ao liquidante (Edivaldo Andrade), e ele não me deu o dinheiro". Isso dois meses depois. Quando Edivaldo foi depor, disse: "Zaidem foi ao banco, me entregou o cheque, a carteira de identidade, fui ao caixa e voltei com o dinheiro para pagar".
E o carro que estava estacionado em frente ao banco esperando Zaidem tinha mais ou menos a mesma cor do carro do Edivaldo. Esse Zaidem, segundo eu vi nos jornais, nunca fez declaração de renda ...
Folha - Como o impasse foi resolvido então?
Iris -
Foram chamados os funcionários do BEG para reconhecer o carro. Os funcionários disseram: "O carro é da mesma cor, mas o outro (o usado por Zaidem) é mais novo e mais escuro". Então não é o carro do Edivaldo! Mas no dia do reconhecimento o procurador (Hélio Telho) já estava com o mandado de prisão de Edivaldo.
A justificativa principal foi de que Edivaldo era uma caixa de conhecimentos e de segredos cuja vida corria risco. Mas não foi isso. No momento da prisão, Hélio Telho disse a Edivaldo: "Nós sabemos que o sr. é um homem de bem, que tem uma casa financiada, dois carros, sendo um financiado, uma propriedade rural de pequeno valor, mas o sr. incorreu numa falta grave. O sr. mentiu quando declarou que entregou o dinheiro ao Zaidem. Estou aqui com o decreto de sua prisão preventiva, e o sr. tem a oportunidade de mudar o seu depoimento, porque nós sabemos que o dinheiro foi para o comitê do PMDB. Ou o sr. muda o depoimento ou o sr. vai preso".
Folha - Como o sr. sabe do diálogo?
Iris -
Dois advogados presentes, um enviado pela direção do banco com os funcionários que foram fazer o reconhecimento e o outro, dr. Jair, que acompanhava Edivaldo, me contaram. Isso é coação!
Folha - E então?
Iris -
Ele foi preso e levado para reconhecer o carro. "O carro é dessa cor, mas o outro é mais novo, mais escuro e não tem esses detalhes aqui", disse Edivaldo. Agora, por que levaram um carro de cor idêntica para pegar o dinheiro?
Foi dada a ordem de que Edivaldo só poderia receber o advogado, visitas deveriam ser comunicadas ao procurador, e a família só poderia visitá-lo uma vez por semana.
Na primeira visita da família -e isso só pode ser recomendação do procurador porque a polícia de Goiás não faria isso-, a mulher e as duas filhas, uma recém-formada em medicina, foram colocadas numa sala próxima de onde estava o Edivaldo, mandaram que elas tirassem as roupas, inclusive as íntimas, e a policial foi com o dedo lá nas partes genitais das três. Como se fossem esposa e filhas de traficante, de usuário de drogas ou coisa do tipo! Para que fossem ao encontro do marido e do pai, pela primeira vez, emocionadas. E assim pudessem desestabilizá-lo.
Dois dias depois, chega o procurador (Hélio Telho) e pergunta se ele já decidiu mudar o depoimento. Mais dois dias, vem o escrivão com a mesma pergunta. Queriam tirar dele uma declaração de que o dinheiro tinha ido para o comitê.
Folha - Com qual intenção? São ligados ao atual governador?
Iris -
São ligados. Esse procurador (Hélio Telho) foi um verdadeiro satanás durante a nossa campanha. Ele era o procurador-substituto do Tribunal Regional Eleitoral, mas atuou a campanha inteira. No dia da diplomação, tinha acabado a eleição, eu perdi, reconheci a derrota, ele fez questão de fazer uso da palavra e saiu com um discurso contra o PMDB.
Folha - Como se chegou à acusação a Edivaldo?
Iris -
Não se deu um passo para verificar se o dinheiro estava com o Zaidem, o que ele fez com o dinheiro. E eles têm revirado o mundo em torno do Edivaldo. O procurador está contra nós. Tanto é que as palavras do advogado (Zaidem) tiveram valor absoluto para ele, e as do liquidante (Edivaldo), não. Não se providenciou nada para verificar se a afirmação do Edivaldo tinha razão.
O interesse do governo nisso também é político. Houve uma ação conjugada do governo e do procurador. Deputado do governo anunciava que Otoniel seria preso, isso uns 15 ou 20 dias antes da prisão. A secretária da Educação chamou a filha do Edivaldo, recém-formada, e disse que precisava conversar sobre o pai dela.
Ela recebeu da secretária de Educação a seguinte proposta: "Olha, eu viajei com o governador, ele está muito preocupado com a situação de seu pai, com a situação de vocês, quer ajudá-los, mas o seu pai tem de mudar o depoimento".
Folha - Por que essa atitude do procurador?
Iris -
Em 1968, eu era prefeito de Goiânia e fui abrir parte da avenida Anhanguera no bairro de Campinas, onde eu morava. O pai do procurador e seu irmão (Hélio e Francisco Telho) eram donos de duas ou três propriedades na avenida. Acertamos tudo e os prédios tinham de ser demolidos. De repente, já com a escritura feita, recebi telefonema do pai dele dizendo que o que foi dito estava por não dito e que eu teria de acertar novamente com os advogados.
Em um dos terrenos restaria uma área dele, mesmo com a retirada da faixa considerada de utilidade pública. Decidi então que, se ele queria brigar, eu desapropriaria a área toda. Aí ele me procurou e disse que não queria ficar sem área nenhuma. Assinou a escritura, mas não gostou. Deve ser por isso que o procurador é contra nós.
Folha - Voltando ao caso Caixego.Iris - Eles estavam fazendo escândalo. Dei entrevista, a Polícia Federal concluiu o inquérito e encaminhou à Justiça, indiciando, me parece, nove pessoas. Nem sequer constava o nome do meu irmão Otoniel. Três dias depois, o procurador fez uma representação ao juiz pedindo a prisão do Otoniel porque ele era o coordenador da minha campanha. É interessante salientar que ele foi coordenador no primeiro turno. No segundo não foi mais.
Folha - Por quê?
Iris -
Quando chegou o segundo turno, foi como se o mundo tivesse desabado. Até dez dias antes do primeiro turno eu estava com 64% nas pesquisas. Eu perdi a eleição em dez dias. Então mudamos tudo.
Folha - E as fitas que contêm conversas que envolvem seu irmão e Edivaldo?
Iris -
Na hora da prisão, Edivaldo telefonou do gabinete do delegado para Otoniel e disse: "Eu tô sendo preso". Otoniel respondeu: "Você tá brincando". Edivaldo respondeu que não estava brincando, pediu que a família fosse avisada e afirmou: "Mas não mudei meu depoimento". Edivaldo diz isso porque pediram a ele para mudar. E o procurador pegou esse fiapo. Edivaldo é nosso amigo, foi meu auxiliar nos dois governos.
Folha - O que ele fazia?
Iris -
Ele é funcionário de carreira do banco do Estado. Foi diretor no meu governo e no governo Maguito ... Aí vem o telefonema do Otoniel para o advogado do Zaidem. Otoniel no telefone diz assim: "Olha, você precisa mandar esse rapaz (Zaidem) assumir essa responsabilidade". Porque todo mundo sabia que o Zaidem tinha recebido o dinheiro e havia um inocente lá preso, sendo coagido. Em outra gravação, um político do interior liga para Otoniel e diz que ele tem de ajudar Edivaldo. Otoniel responde: "Ele já tá com advogado". Aí vem o promotor e diz que o Otoniel arranjou o advogado! Eles queriam a qualquer preço fazer com que fosse incluído no inquérito que o dinheiro teria ido para o comitê.
O mais grave é que a PF encaminhou como indiciados o filho do Zaidem, para cuja conta foi o dinheiro, um primo e sócio e uma sócia do Berquó. Esses três. Filho de um e os sócios e parentes do Berquó. O procurador simplesmente excluiu os três, não os denunciou e denunciou o Otoniel. Houve negociação entre o procurador e os advogados.
Folha - Seria uma perseguição do Ministério Público?
Iris -
A serviço do governo estadual.


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