São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Senador diz ser popular ao rebater críticas de populismo

ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília

Para o senador Iris Rezende, "existe um Goiás antes do PMDB e um Goiás depois do PMDB". Leia-se: antes e depois do próprio Iris Rezende. O PMDB em Goiás é e está Iris Rezende desde sua fundação. E a influência do partido e do seu líder não se limita a Goiás. Extrapola fronteiras e atinge a todo o Centro-Oeste. Ou atingia.
Iris Rezende é o símbolo do poder e da política populista da região, especialmente depois da redemocratização de 1984/85. Mas vem sendo empurrado para o ostracismo por denúncias de corrupção e pelo vento renovador que sopra em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
"Sou um homem machucado", disse Iris Rezende em entrevista à Folha, depois de descoberto o escândalo da Caixego (Caixa Econômica de Goiás), envolvendo verbas de sua campanha eleitoral e levando à prisão um dos quatro irmãos, Otoniel Machado.
Machucado pelas denúncias e também pela surpreendente derrota nas eleições do ano passado. As duas coisas se entrelaçam. Ex-governador duas vezes, ele disputou um terceiro mandato e perdeu. Começou a campanha como favorito. Foi vencido no segundo turno pelo muito mais jovem Marconi Perillo, 36, do PSDB.
Dizia-se, durante o regime militar, que Goiás, escondido no centro do Brasil, mas vizinho à capital da República, abrigava três tipos de políticos: os que cassaram, os que foram cassados e os que tanto cassaram quanto foram cassados.
Iris Rezende ficou no lado heróico: o dos cassados. Nasceu num vilarejo chamado Cristianópolis e cresceu "na roça", filho de agricultor e mãe dona-de-casa. Ambos eram evangélicos, como ele é até hoje. Só aos 16 anos mudou para a capital, Goiânia.
Apesar disso, conseguiu ser líder estudantil no ginásio e científico (atuais primeiro e segundo graus). Na primeira eleição foi o vereador mais votado da capital. Era do PTB original, tinha 25 anos e estudava direito na Universidade Federal de Goiás, onde ser formou.
Quatro anos depois, foi o deputado estadual mais votado, já pelo PSD. Mais quatro, em 1966, era eleito prefeito de Goiânia, inaugurando um estilo próprio e consolidando sua marca registrada: os mutirões populares, onde se misturava a pessoas comuns, com pás, foices, cimento e suor para as fotos, muitas fotos.
"Ninguém sabia o que era mutirão nem a palavra mutirão. Mas eu apenas introduzi na cidade o que aprendi na roça. Então, era mutirão para construir casa, para limpar a rua, para tudo", conta hoje.
Deu certo. A fama do populista Iris Rezende varou fronteiras e chegou à capital da República, governada por generais. E ele foi cassado em 1969, perdendo seus direitos políticos por dez anos. Nesse tempo, exerceu a advocacia e acumulou três fazendas de gado.
Nem por isso desistiu da política. Nas primeiras eleições diretas para governador, em 1982, foi eleito com folga em Goiás, mais uma vez derrotando algumas das oligarquias mais sólidas da República, como a dos Ludovico e a dos Caiado. Era um fenômeno.
Seu mal disfarçado sonho naquela época já era o de entrar na política nacional e disputar, um dia, a Presidência da República. O pulo nacional foi com a campanha das "diretas já", em 1984, e a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985.
A história registra que tanto o primeiro comício das diretas quanto o primeiro comício de Tancredo foram no reduto de Iris: Goiânia. Ambos um sucesso.
Ele era 1 dos dez governadores de oposição eleitos em 82 (nove do PMDB, inclusive Iris, e um do PDT, Leonel Brizola, do Rio). Era um dos mais carismáticos, e o que dava mais segurança para o êxito dos comícios de oposição.
Foi assim que Iris saiu de Goiânia para Brasília como ministro da Agricultura (área decisiva para Goiás) no governo que seria de Tancredo e acabou sendo de José Sarney. Acumulou, depois, a Reforma Agrária.
"Além de ser um dos poucos governadores do PMDB, ele era atuante, modernizante, tinha fama de excelente administrador", diz Sarney, que foi da Arena e do PDS, só passou para o PMDB para ser vice de Tancredo e consumiu os cinco anos de seu governo em turras com os peemedebistas.
Iris voltou ao governo de Goiás, disputou em seguida o Senado e integrou o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso a partir de maio de 1997. Como ministro da Justiça, cometeu a gafe de dizer que "o crime às vezes é inevitável".
Mas teve pelo menos uma vantagem: chefiou a Polícia Federal, mesma instituição responsável, agora, por um relatório sobre a Caixego em que não há uma única referência ao seu irmão Otoniel.
Suas duas tentativas de fincar pé no Planalto não deram certo. Em 1989, disputou a indicação do PMDB para concorrer à Presidência. Perdeu para Ulysses Guimarães. Em 1994, colocou a mulher, também chamada Iris, como vice na chapa presidencial de Orestes Quércia. Ficaram em 5º lugar.
Sarney - como os políticos em geral - não gosta do termo "populista". Para ele, Iris Rezende é "popular". Mas o próprio Iris diz de seu estilo não é populista nem popular: "Não é nada disso. Eu faço administrações participativas".
Segundo o Aurélio, populismo é "política fundada no aliciamento das classes sociais de menor poder aquisitivo". Popular é "homem do povo" ou "simpático ao povo".
Durante décadas deu certo, mas começa a dar errado. Em Mato Grosso, o ainda jovem Dante de Oliveira derrotou oligarquias consolidadas nas eleição de 1994 e acaba de ser reeleito. Em Mato Grosso do Sul, o novo governador é Zeca do PT. Em Goiás, Marconi Perillo ameaça desbancar o longo reinado de Iris Rezende.
Discretamente, e a contragosto, Iris reconhece que poderia ter salvo seu grupo da derrota se mantivesse o processo natural e deixasse o aliado Maguito Vilela tentar a reeleição.
Bem mais jovem (50 anos), Maguito estava entre os governadores mais bem avaliados do país na última leva. Talvez por isso, ameaçasse a hegemonia de Iris Rezende. Maguito disputou o Senado e ganhou. Iris insistiu no governo e perdeu.
"O Maguito é que não quis disputar", diz Iris Rezende. Não há um só goiano capaz de acreditar.
Para Iris Rezende, "política é um dom". Um dom que ele soube exercitar muito bem, e que ainda pretende exercitar durante um bom tempo, apesar dos percalços e das suspeitas lançadas sobre sua família e sobre sua campanha.
A volta por cima, entretanto, está diretamente vinculada ao sucesso ou não do atual governador Marconi Perillo.
"Já vi gente novinha assumir a Presidência da República e sair enxotada do Planalto com o povo gritando na rua", diz Iris. A referência é ao ex-presidente Fernando Collor. O aviso, a Perillo.
O sumiço de R$ 5 milhões e a troca de acusações em torno da Caixego são apenas o início de uma guerra que vai longe. E Iris Rezende está bem no meio dela.
"O prestígio e o conceito que se adquirem em 40 anos não se acabam em 40 dias ou por causa de uma derrota", avisa ele.


Texto Anterior: Iris diz ser vítima de perseguição política
Próximo Texto: Importar mão-de-obra está mais difícil
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.