UOL

São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMUNICAÇÃO

26% dos deputados que integram órgão responsável por leis do setor possuem emissoras de rádio e televisão

Donos de TV atuam em comissão da Câmara

Lula Marques/Folha Imagem
José Carlos Martinez (PTB-PR), que é dono de rede de TV e faz parte da comissão de comunicação


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao menos 26% dos deputados designados para a comissão de comunicação da Câmara são proprietários de emissoras de rádio ou TV. O órgão é responsável pela análise de leis que atingem o setor e emite parecer sobre a liberação e renovação de concessões.
Entre os parlamentares, estão José Carlos Martinez (PTB-PR), dono da rede de TV CNT, e o Bispo Wanderval (PL-SP), proprietário de AMs e agente da Igreja Universal, controladora da Record, na área da comunicação.
O levantamento foi feito pela Folha, com base em relatório do Ministério das Comunicações. A reportagem cruzou o nome dos deputados da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática com a lista de sócios das cerca de 3.200 rádios e 420 TVs autorizadas a operar no país.
A pesquisa considerou apenas concessões registradas pelos deputados ou seus familiares diretos. Não entraram na conta, por exemplo, casos como o de José Priante (PMDB-PA). Ele é membro da comissão e primo do também deputado Jader Barbalho, que possui rádios e a retransmissora da Bandeirantes no Pará.
Também não foi contabilizado Silas Câmara (PTB-AM), cujo irmão, Samuel Câmara, preside um grupo de comunicação com várias TV no norte do país.
Para Murilo Ramos, professor da Universidade de Brasília especializado em política de comunicação, 26% é um número preocupante. "É significativo que mais de um quarto da comissão tenha interesse direto num de seus assuntos mais candentes, que é a radiodifusão. Certamente não há uma representação direta tão forte assim em outro setor", afirma.
Ramos acompanha de perto as votações da comissão e lembra que é preciso considerar ainda os deputados que não são donos de concessões, mas representam os interesses dos empresários de rádio e TV. "Nesses 26%, temos o interesse direto. Mas ainda há a ligação indireta, dos parlamentares que estão a serviço do setor."

CNT e Record
Dentre os 13 deputados da comissão que a Folha encontrou na lista de proprietários de concessões, há alguns com atuação política diretamente ligada ao tema.
Martinez, por exemplo, propôs uma lei que, se aprovada, poderia beneficiar sua própria rede de TV. Pelo projeto 3.398/00, operadoras a cabo (como Net e Sky) são obrigadas a levar a seus assinantes retransmissoras locais de TV aberta, exatamente como as de propriedade do deputado. Hoje, para tê-las em seus pacotes, a TV paga pode cobrar do canal aberto.
Martinez é vice-presidente de honra da Abratel (Associação Brasileira de Radiodifusão e Telecomunicações), que representa interesses da Record e da CNT.
Outro membro da entidade e forte representante do empresariado da mídia na comissão é o Bispo Wanderval. Dono de pelo menos duas AMs e uma FM na Bahia, ele trabalha na Câmara como interlocutor da Igreja Universal e da Rede Record.
Em 2002, por exemplo, atuou na oposição ao projeto de Jandira Feghali (PC do B-RJ), que obriga as redes de TV a exibir cotas mínimas de programação regional. Wanderval conseguiu incluir no texto da lei, ainda em tramitação, que programas religiosos possam ser considerados como de caráter regional, o que facilitaria a adaptação da Record à regra.
O deputado também levou ao Congresso uma antiga disputa entre a emissora e o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), responsável pela cobrança de direitos autorais.
Em 1999, propôs uma lei para extinguir o órgão. No dia 11 de março deste ano, o projeto, arquivado anteriormente, foi retomado e está tramitando novamente.
Em 2000, outra ação que poderia favorecer a Record: Wanderval propôs a suspensão da concessão da Rede TV!, uma das principais concorrentes da emissora.
Na recém-formada comissão de comunicação, ele deverá atuar em parceira com o deputado Silas Câmara, também da bancada evangélica e seu colega na vice-presidência de honra da Abratel.

Capital estrangeiro
Integra ainda a comissão de comunicação o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Dono de rádios e da TV Cabuji, afiliada da Globo no Rio Grande do Norte, ele foi o relator da lei que liberou a entrada de capital estrangeiro nas empresas de mídia do Brasil, aprovada em 2002.
O projeto, de 1997, ganhou o apoio mais forte das TVs no ano passado. Alves, que havia se licenciado para assumir um cargo no no governo do RN, retornou ao Congresso para reassumir o posto de relator. Depois da aprovação, licenciou-se novamente.
A comissão de comunicação, formada por 50 membros, tem como presidente o deputado Corauci Sobrinho (PFL-SP), dono de uma AM em seu reduto eleitoral, Ribeirão Preto (interior de SP).
O quórum mínimo da comissão é de 26 deputados. Ou seja, com o voto de 14 deles já é possível, em situações como essa, aprovar ou barrar um projeto. Juntos, os deputados proprietários de meios de comunicação somam 13 votos.


Texto Anterior: Tributária: Empresário vê falhas em reforma
Próximo Texto: Frase
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.