São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2006

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CRISE NO GOVERNO/ VIOLAÇÃO DE SIGILO

Em depoimento na CCJ, ministro diz que ele e Lula só ficaram sabendo detalhes da violação no dia 27, quando Palocci pediu demissão

Bastos nega ter "maculado" cargo de ministro

MARTA SALOMON
FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em longa sessão na Câmara, o ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) disse não ter a função de "disseminar fofocas" ao revelar que informara o presidente Luiz Inácio Lula da Silva da existência de indícios de envolvimento de Antonio Palocci na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa seis dias antes da demissão do ministro da Fazenda.
Na Comissão de Constituição e Justiça, Bastos negou ontem participação no caso, disse que a Polícia Federal agiu com independência, descartou sair do governo e confirmou que indicou um advogado a Palocci: "Havia, claro, suspeitas, mas não é função minha disseminar suspeitas, fofocas, rumores. Tinha o dever de manter o presidente informado sem avançar em juízo que podia ter conseqüências desastrosas para o país."
Lula teria recebido o primeiro informe sobre as "suspeitas" de Bastos no dia 21 de março. Na terça seguinte à violação, Bastos participou de reunião de coordenação política do governo. Ao final do encontro, Palocci lhe pediu que indicasse um advogado.
Ao longo de quase oito horas de sessão, Bastos negou que tivesse cobrado uma explicação de Palocci sobre o pedido. "A mim, não cabia perguntar se o ministro Palocci era culpado ou inocente. Não sou a instância a que o ministro Palocci devesse confessa. Ninguém me faz confidências".
Bastos confirmou que indicou o advogado Arnaldo Malheiros a Palocci. "Indiquei um advogado e considero que é um dever meu." Negou porém os rumores de que tenha ajudado a arquitetar a defesa de Palocci e do então presidente da Caixa, Jorge Mattoso.
Na presença de Bastos, Malheiros se reuniu com Palocci e Mattoso no dia 23. Nessa mesma quinta, segundo relato de Bastos, o presidente Lula discutiu, pela primeira vez, a possibilidade de afastamento de Palocci do cargo.
"O presidente da República foi sendo informado à medida que eu tinha informações", reiterou. Mas nem Lula nem ele sabiam até aquela altura, disse Bastos, que Palocci recebera os extratos do caseiro na noite da quebra do sigilo.
Essa informação, disse, só teria sido revelada por Mattoso à Polícia Federal na segunda-feira seguinte, dia 27. Durante o depoimento, Palocci pede demissão e tem o pedido aceito por Lula. Na seqüência, Mattoso é demitido. "Não havia nenhum indício de cadeia causal apurada. Havia suspeitas, impressões. E não posso avançar sobre suspeitas", repetiu.
Bastos foi enfático ao negar que tivesse participado de suposta tentativa de ocultar a responsabilidade de Palocci e Mattoso na quebra do sigilo. "Não tem nenhuma procedência, consistência, não existiu", afirmou Bastos sobre a suposta oferta de R$ 1 milhão a um funcionário da Caixa que assumisse a autoria do crime.
O principal atestado de independência do governo no episódio, afirmou Bastos, seria a pressa com que a PF fez as investigações, com a indicação de Palocci como autor do crime. Disse, porém, que as conclusões da PF não são definitivas e que os acusados terão direito à defesa. "Existe uma coisa chamada presunção de inocência. O que queriam que se fizesse? Condenasse [o ministro] à morte, que o esquartejasse? Fui e sou amigo do ministro Palocci."
O ministro contestou a fama de arquiteto de defesa de pessoas ligadas ao governo Lula e negou que esteja demissionário: "Não se construirá, à base de ilações, que eu sou o grande Rasputin, o grande arquiteto das teses desse governo; sou ministro e vou continuar ministro enquanto contar com a confiança do presidente da República. Não vou pedir demissão".
Sem convencer a oposição, Bastos repetiu que não agiu fora da lei ou da ética: "Tenho certeza de que não maculei meu cargo de ministro da Justiça, não tresmalhei das veredas estreitas da legalidade, não fui além nem aquém do que me permitia a Constituição, do que me permitia a lei" disse.
Ele disse que só tomou conhecimento da vontade de Palocci de ver a PF investigando o caseiro no dia seguinte à quebra do sigilo. Teve os primeiros relatos "fragmentados" dos encontros dos assessores Daniel Goldberg e Cláudio Alencar com Palocci ao voltar de uma viagem a Rondônia, no dia seguinte à violação. Três dias depois do crime, soube por Goldberg que Mattoso estivera na casa de Palocci na véspera do vazamento dos extratos: "Quando soube disso, pedi a investigação". Era domingo, dia 19, quando o ministro recomendou ao diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, a abertura de inquérito.
A portaria nš 120, assinada pelo delegado Rodrigo Carneiro Gomes em 21 de março, desmente um dos argumentos de Bastos. Diferentemente do que disse, o inquérito teve como um dos objetivos investigar o caseiro por suspeita de lavagem de dinheiro, e não apenas a violação da conta.
Confrontado mais tarde com o texto da portaria, disse que "o foco da investigação sempre foi a indignação com a quebra do sigilo". A portaria da PF, porém, só cita a violação como a terceira razão para a abertura do inquérito. Sobre o ofício do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) usado para investigar o caseiro, Bastos tampouco foi fiel aos fatos: o inquérito foi aberto após o recebimento do ofício, não antes.


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