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JANIO DE FREITAS
A bolsa ou a vida
Enquanto a rica São Paulo paralisava-se de terror, a Bolsa não se abalou com a vida e a morte à sua volta
NADA COMO uma cidade outra
vez serena, pacífica, em ordem. Onde a classe média e
os afortunados podem usufruir dos
seus bens e princípios, certos de
que a polícia os protege pelo método simples e prático de eliminar todos os suspeitos, ou nem isso, de terem praticado, tentado, ainda imaginarem, ou nem isso, atos criminosos contra a tranqüilidade dos donos da metrópole.
Mas não é da metrópole que se
trata. As evidências da matança indiscriminada e vingativa da polícia
apenas aparentam ocorrer em São
Paulo. É circunstancial que as mortes se acumulem aí. São Paulo é
Brasil, e o que ocorre em São Paulo
só ocorre porque é Brasil. Um país
em desordem vertical e horizontal:
política e parlamentar, trabalhista e
empresarial, tarifária e econômica,
ambiental e viária, educacional e
sanitária, habitacional, legal, moral,
e nenhuma ausência de rima contra
a realidade.
Um país cujo coração não pulsa
no centro do governo nem no Congresso, como não é cadenciado pelo
controle do Judiciário supremo.
Enquanto a gigantesca e rica São
Paulo paralisava-se de terror, a Bolsa de Valores não se abalou nem um
segundo com a vida e a morte à sua
volta. O noticiário ininterrupto era
monocórdico: "As negociações da
Bolsa e a cotação da moeda não foram afetadas pelos acontecimentos
em São Paulo, a queda [quando
houve, que a subida logo voltaria] só
reflete a queda da Bolsa de Nova
York". O dólar, as alterações especulativas do petróleo, a malandragem golpista do "risco Brasil" - esses continuaram sendo os assuntos
do coração que regula o comportamento de todo o poder no país, o
único órgão para o qual o governo
está sempre voltado, e pronto a
adotar como orientação.
Não é de hoje e não foi em São
Paulo que a criminalidade violenta
galgou estágios e passou ao ataque
contra a polícia. Não é de hoje que a
mortandade, muito além do pleno
direito de defesa do policial atacado, está liberada de uma parte e de
outra. Mas não é para essa bolsa de
crimes e mortes que os poderes voltam suas atenções e providências.
Explicar é preciso
Uma das três características fixadas, entre o jornal e o autor,
quando em 1983 criou-se esta coluna, foi a de que sua dimensão não
seria fixa. Vem de longe minha
convicção de que notícias e artigos
jornalísticos não devem ter tamanho predeterminado. Por conceituação ética: ou informações e fundamentações são cortadas, negando a função jornalística e sonegando elementos devidos ao conhecimento e opinião do leitor; ou, para
espichar o texto ao tamanho pré-ditado, o recurso é cozinhar o leitor
com embromação. Os tamanhos
variáveis não trazem inconvenientes de edição porque os meios técnicos de preveni-los são fáceis, numerosos e, a experiência o demonstra, mais eficientes para produção editorial ágil e mais atualizante.
A nova fisionomia da Folha impõe dimensão fixa também ao texto nesta coluna, com uma hipótese
maior, outra menor. Se o parágrafo
anterior não é desprovido de senso, a forma vem ganhar domínio
sobre o conteúdo, que é a própria
razão de ser deste e dos demais
jornais respeitáveis. É uma tendência atual em grande parte da
imprensa: a prioridade ao grafismo publicitário. Bom tema para
debate, sobre suas origens e conseqüências, se há tanto tempo o jornalismo, em geral, não estivesse
desinteressado de se discutir.
Tudo isso é para dizer que esta
coluna está sujeita a reconsiderações de sentido ainda impreciso,
prevista a dificuldade de preservar
seu modo de ser, quem sabe já caduco mesmo. Mas aí está uma nova Folha, convicta de que para melhor. Bom destino, são os votos.
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