São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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JANIO DE FREITAS

A bolsa ou a vida

Enquanto a rica São Paulo paralisava-se de terror, a Bolsa não se abalou com a vida e a morte à sua volta

NADA COMO uma cidade outra vez serena, pacífica, em ordem. Onde a classe média e os afortunados podem usufruir dos seus bens e princípios, certos de que a polícia os protege pelo método simples e prático de eliminar todos os suspeitos, ou nem isso, de terem praticado, tentado, ainda imaginarem, ou nem isso, atos criminosos contra a tranqüilidade dos donos da metrópole.
Mas não é da metrópole que se trata. As evidências da matança indiscriminada e vingativa da polícia apenas aparentam ocorrer em São Paulo. É circunstancial que as mortes se acumulem aí. São Paulo é Brasil, e o que ocorre em São Paulo só ocorre porque é Brasil. Um país em desordem vertical e horizontal: política e parlamentar, trabalhista e empresarial, tarifária e econômica, ambiental e viária, educacional e sanitária, habitacional, legal, moral, e nenhuma ausência de rima contra a realidade.
Um país cujo coração não pulsa no centro do governo nem no Congresso, como não é cadenciado pelo controle do Judiciário supremo. Enquanto a gigantesca e rica São Paulo paralisava-se de terror, a Bolsa de Valores não se abalou nem um segundo com a vida e a morte à sua volta. O noticiário ininterrupto era monocórdico: "As negociações da Bolsa e a cotação da moeda não foram afetadas pelos acontecimentos em São Paulo, a queda [quando houve, que a subida logo voltaria] só reflete a queda da Bolsa de Nova York". O dólar, as alterações especulativas do petróleo, a malandragem golpista do "risco Brasil" - esses continuaram sendo os assuntos do coração que regula o comportamento de todo o poder no país, o único órgão para o qual o governo está sempre voltado, e pronto a adotar como orientação.
Não é de hoje e não foi em São Paulo que a criminalidade violenta galgou estágios e passou ao ataque contra a polícia. Não é de hoje que a mortandade, muito além do pleno direito de defesa do policial atacado, está liberada de uma parte e de outra. Mas não é para essa bolsa de crimes e mortes que os poderes voltam suas atenções e providências.

Explicar é preciso
Uma das três características fixadas, entre o jornal e o autor, quando em 1983 criou-se esta coluna, foi a de que sua dimensão não seria fixa. Vem de longe minha convicção de que notícias e artigos jornalísticos não devem ter tamanho predeterminado. Por conceituação ética: ou informações e fundamentações são cortadas, negando a função jornalística e sonegando elementos devidos ao conhecimento e opinião do leitor; ou, para espichar o texto ao tamanho pré-ditado, o recurso é cozinhar o leitor com embromação. Os tamanhos variáveis não trazem inconvenientes de edição porque os meios técnicos de preveni-los são fáceis, numerosos e, a experiência o demonstra, mais eficientes para produção editorial ágil e mais atualizante.
A nova fisionomia da Folha impõe dimensão fixa também ao texto nesta coluna, com uma hipótese maior, outra menor. Se o parágrafo anterior não é desprovido de senso, a forma vem ganhar domínio sobre o conteúdo, que é a própria razão de ser deste e dos demais jornais respeitáveis. É uma tendência atual em grande parte da imprensa: a prioridade ao grafismo publicitário. Bom tema para debate, sobre suas origens e conseqüências, se há tanto tempo o jornalismo, em geral, não estivesse desinteressado de se discutir.
Tudo isso é para dizer que esta coluna está sujeita a reconsiderações de sentido ainda impreciso, prevista a dificuldade de preservar seu modo de ser, quem sabe já caduco mesmo. Mas aí está uma nova Folha, convicta de que para melhor. Bom destino, são os votos.


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