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Enxurrada de escândalos dificulta punição
Neste ano, mais de 50 casos de desvios na Câmara e no Senado foram revelados, mas nenhum congressista foi punido
Banalização de ilegalidades
tem motivos estruturais e
conjunturais; oposição não
absorveu know-how do PT
de fazer críticas estridentes
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A atual onda de escândalos
no Congresso levantou uma
discussão antiga a respeito da
impunidade ao final desses episódios. Neste ano, já são mais
de 50 casos de desvios administrativos na Câmara e no Senado. Até agora, nenhum deputado ou senador foi punido.
O presidente do Senado, José
Sarney (PMDB-AP), teve parentes contratados pela Casa.
Reagiu como se fosse natural:
"Não cometi erro nenhum". O
presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva, saiu em socorro do aliado: "Sarney tem
história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se
fosse uma pessoa comum".
Mesmo os críticos mais acerbos de Sarney não o atacaram
em público. Deputados e senadores conhecem a regra: quando há uma onda generalizada
de escândalos, fica mais difícil
haver punição.
É o caso das passagens aéreas. Mais da metade dos 513
deputados foram para o exterior usando o benefício para
passear com amigos e parentes.
Ninguém foi admoestado nem
precisou devolver o dinheiro.
O uso das verbas indenizatórias de forma incorreta é outro
exemplo. Reservadamente, o
corregedor da Câmara, ACM
Neto (DEM-BA), disse várias
vezes não haver como cassar o
deputado Edmar Moreira (sem
partido-MG) sem abrir "uma
porteira pela qual muitos outros também teriam de passar".
Moreira usou mais de R$ 200
mil para pagar serviços de segurança a uma empresa de sua
propriedade. Ou seja, contratou a si próprio. Segundo a Folha ouviu no Congresso, esse tipo de prática é disseminado entre deputados e senadores, que
apresentam notas fiscais dos
próprios negócios.
Daí a razão para o caso de
Moreira estar sendo postergado. O desfecho ficará para o fim
do segundo semestre -quando
a temperatura política esfriar e
uma absolvição seja mais palatável para a opinião pública.
Motivos
Há razões estruturais e conjunturais por trás desse cenário
de banalização dos maus feitos:
1) Escândalos generalizados:
o caso mais recente foi o do
mensalão, em 2005. Dezenas
de deputados estavam citados.
Na ação aberta pela Procuradoria Geral da República, havia 40
réus e muitos indícios de crime.
Um congressista chegou a deixar cópia da carteira de identidade de deputado para entrar
no local onde eram pagas propinas. Apesar das evidências, só
três deputados foram cassados;
2) Governo protege aliados:
mesmo em viagem ao exterior,
Lula deu declarações a favor de
Sarney e do Senado. Em certa
medida, falou até de maneira
premonitória sobre o desfecho
da atual crise: "Eu sempre fico
preocupado quando começa no
Brasil esse processo de denúncias, porque ele não tem fim, e
depois não acontece nada".
Interessa ao Planalto manter
a coesão da base aliada de 14
partidos a menos de um ano do
início do processo sucessório
de 2010 -pensar em punição a
congressistas é algo a evitar;
3) Vácuo deixado pelo PT na
oposição: nos anos 80 e 90, o PT
foi o partido mais estridente e
contrário ao governo federal.
Com a eleição de Lula, em
2002, abriu-se um espaço nunca preenchido na oposição.
Em 2005, Duda Mendonça
depôs ao Congresso. O publicitário de Lula na campanha de
2002 disse ter recebido R$ 11,9
milhões num esquema ilegal de
caixa dois. Perplexa, a oposição
não aproveitou o momento.
Quando o PT estava na oposição, em 1992, Fernando Collor perdeu o mandato acusado
de desvios cujo valor era muito
menor em relação ao relatado
por Duda. Depois, em 1993, na
CPI do Orçamento, oito congressistas foram cassados e
quatro renunciaram para fugir
da punição -um recorde.
O know-how do PT nunca foi
absorvido pela oposição atual;
4) Sociedade desinteressada:
1 dos 3 deputados que contrataram sua empregada doméstica
como assessora parlamentar ficou surpreendido uma semana
após a revelação: tinha recebido só cinco e-mails de protesto.
No dia em que Sarney fez seu
discurso para explicar os atos
secretos, não havia protestos
nas galerias. O público era composto de pessoas interessadas
na aprovação do programa habitacional-assistencialista Minha Casa Minha Vida;
5) Moralidade dá poucos votos: é raro um político se eleger
com base em uma plataforma
pregando honestidade. O PT
aprendeu isso aos poucos.
Quando edulcorou o discurso
para o establishment, Lula foi
eleito em 2002. Depois do
mensalão, o petista foi reeleito.
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