São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

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Enxurrada de escândalos dificulta punição

Neste ano, mais de 50 casos de desvios na Câmara e no Senado foram revelados, mas nenhum congressista foi punido

Banalização de ilegalidades tem motivos estruturais e conjunturais; oposição não absorveu know-how do PT de fazer críticas estridentes


FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A atual onda de escândalos no Congresso levantou uma discussão antiga a respeito da impunidade ao final desses episódios. Neste ano, já são mais de 50 casos de desvios administrativos na Câmara e no Senado. Até agora, nenhum deputado ou senador foi punido.
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), teve parentes contratados pela Casa. Reagiu como se fosse natural: "Não cometi erro nenhum". O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, saiu em socorro do aliado: "Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum".
Mesmo os críticos mais acerbos de Sarney não o atacaram em público. Deputados e senadores conhecem a regra: quando há uma onda generalizada de escândalos, fica mais difícil haver punição.
É o caso das passagens aéreas. Mais da metade dos 513 deputados foram para o exterior usando o benefício para passear com amigos e parentes. Ninguém foi admoestado nem precisou devolver o dinheiro.
O uso das verbas indenizatórias de forma incorreta é outro exemplo. Reservadamente, o corregedor da Câmara, ACM Neto (DEM-BA), disse várias vezes não haver como cassar o deputado Edmar Moreira (sem partido-MG) sem abrir "uma porteira pela qual muitos outros também teriam de passar".
Moreira usou mais de R$ 200 mil para pagar serviços de segurança a uma empresa de sua propriedade. Ou seja, contratou a si próprio. Segundo a Folha ouviu no Congresso, esse tipo de prática é disseminado entre deputados e senadores, que apresentam notas fiscais dos próprios negócios.
Daí a razão para o caso de Moreira estar sendo postergado. O desfecho ficará para o fim do segundo semestre -quando a temperatura política esfriar e uma absolvição seja mais palatável para a opinião pública.

Motivos
Há razões estruturais e conjunturais por trás desse cenário de banalização dos maus feitos:
1) Escândalos generalizados: o caso mais recente foi o do mensalão, em 2005. Dezenas de deputados estavam citados. Na ação aberta pela Procuradoria Geral da República, havia 40 réus e muitos indícios de crime. Um congressista chegou a deixar cópia da carteira de identidade de deputado para entrar no local onde eram pagas propinas. Apesar das evidências, só três deputados foram cassados;
2) Governo protege aliados: mesmo em viagem ao exterior, Lula deu declarações a favor de Sarney e do Senado. Em certa medida, falou até de maneira premonitória sobre o desfecho da atual crise: "Eu sempre fico preocupado quando começa no Brasil esse processo de denúncias, porque ele não tem fim, e depois não acontece nada".
Interessa ao Planalto manter a coesão da base aliada de 14 partidos a menos de um ano do início do processo sucessório de 2010 -pensar em punição a congressistas é algo a evitar;
3) Vácuo deixado pelo PT na oposição: nos anos 80 e 90, o PT foi o partido mais estridente e contrário ao governo federal. Com a eleição de Lula, em 2002, abriu-se um espaço nunca preenchido na oposição.
Em 2005, Duda Mendonça depôs ao Congresso. O publicitário de Lula na campanha de 2002 disse ter recebido R$ 11,9 milhões num esquema ilegal de caixa dois. Perplexa, a oposição não aproveitou o momento.
Quando o PT estava na oposição, em 1992, Fernando Collor perdeu o mandato acusado de desvios cujo valor era muito menor em relação ao relatado por Duda. Depois, em 1993, na CPI do Orçamento, oito congressistas foram cassados e quatro renunciaram para fugir da punição -um recorde.
O know-how do PT nunca foi absorvido pela oposição atual;
4) Sociedade desinteressada: 1 dos 3 deputados que contrataram sua empregada doméstica como assessora parlamentar ficou surpreendido uma semana após a revelação: tinha recebido só cinco e-mails de protesto.
No dia em que Sarney fez seu discurso para explicar os atos secretos, não havia protestos nas galerias. O público era composto de pessoas interessadas na aprovação do programa habitacional-assistencialista Minha Casa Minha Vida;
5) Moralidade dá poucos votos: é raro um político se eleger com base em uma plataforma pregando honestidade. O PT aprendeu isso aos poucos. Quando edulcorou o discurso para o establishment, Lula foi eleito em 2002. Depois do mensalão, o petista foi reeleito.


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