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JANIO DE FREITAS
Negócio nas alturas
Só quando a bilionária compra de aviões for fechada se saberá se os olhos estão postos em boa transação para o Brasil
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O TURISMO parisiense pago pela fábrica de aviões Dassault
para um grupo relevante de
deputados, encabeçado pelo próprio presidente da Câmara, Michel
Temer, já indica o que se esperar dos
congressistas quanto ao seu dever
de examinar a compra bilionária de
aviões e submarinos pelo governo
Lula. Tanto mais que crescem os indícios de negócio com cartas duplamente marcadas, nesta história em
que tudo vem errado, na área civil,
desde o início.
Ao sustar o fechamento da compra de 12 caças para a FAB, em 2002,
Fernando Henrique invocou a inconveniência de um negócio tão alto
em último ano de mandato, transferindo a decisão ao sucessor. O motivo era outro. O caça da americana
Lockheed Martin, o F-16, estava mal
na competição com fabricantes de
outros países. E Fernando Henrique, possível aspirante a um cargo
internacional de relevo como a secretaria da ONU ou similar, não quis
contrariar as pressões de Bill Clinton. Ao qual já cedera na malabarista entrega do sistema de vigilância
amazônica à americana Raytheon.
Na campanha sucessória daquele
ano, Lula acompanhara Ciro Gomes
na afirmação de que não haveria
compra no exterior. A Embraer,
embora não seja a única empresa
capaz de consórcio internacional
para produzir caças jato, seria a contratada como representante do
"made in Brazil". De fato, já na primeira reunião ministerial, em 2003,
Lula deu por encerrada a concorrência internacional. Lembrou a escassez de recursos herdada e a determinação de prioridade a programas sociais. Com o estilo transformista que logo começou a revelar,
porém, em outubro as formalidades
da concorrência foram autorizadas,
e confirmaram-se em reunião entre
pretendentes à venda e a FAB.
O problema anterior ressurgiu, no
entanto. Não com o caça dos Estados Unidos, que nem admitiam vender suas últimas modernidades. A
FAB não aderiu ao pretexto de indústria brasileira. Já por haver na
Embraer participação estrangeira,
na proporção de 20%, sendo a francesa Dassault sua sócia. E, mais importante, porque o Mirage 2000, da
Dassault, não foi o que respondeu
melhor às exigências militares,
técnicas, geográficas e comerciais.
Assim como não foram o Gripen
sueco (consórcio Saab/BAE/Volvo)
e o MIG-29, da russa Mikoyan. Outro russo, o Sukhoi, que a FAB foi
submeter a testes e informações
com a Força Aérea da Índia, estava
na frente.
Nos sete anos de lá para cá, a Dassault retirou-se da composição da
Embraer, o que facilitaria, mas parece não o ter feito o bastante, as
simpatias da FAB. A Gripen cometeu o lobismo antiético de levar à
Suécia um grupo de jornalistas brasileiros, na óbvia esperança de obter
apoios na imprensa & cia. Os russos
ou sumiram ou trabalharam em silêncio impenetrável, talvez confiantes em um pacote cujo resultado
não depende dos méritos e atrativos. A mesma Dassault substituiu
em sua oferta o Mirage 2000, que
ainda equipa a Força Aérea Francesa, pelo novo e caríssimo Rafale.
Com a introdução de Nelson Jobim
e Mangabeira Unger como pontas
de lança, o governo alterou os propósitos da "concorrência", multiplicou a dimensão do pacote e os bilhões e, com isso, enfim encaminha
o negócio para a Dassault, já com os
Rafales. A qual promove o tour de
Michel Temer e sua trupe e, com isso, leva a outro indício de carta marcada.
No Congresso, só o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) voltou-se para o assunto e prometeu convocar
audiências para vê-lo explicado por
alguns dos envolvidos. O que já sugere certa utilidade dos turistas Michel Temer e sua turma. Há mais. A
concordância final para o negócio
deve ser, ainda que por formalidade,
em reunião do Conselho de Defesa
Nacional, integrado pelo presidente, ministros do Gabinete Civil, das
Relações Exteriores e da Fazenda,
presidentes do Senado e da Câmara,
e comandantes da Aeronáutica, da
Marinha e do Exército. Para um negócio tão extraordinário, nada mais
recomendável, contra os contrariados e críticos, do que a unanimidade
na "aprovação".
Nem por isso pode ser um bom
negócio. Qual é a utilidade de apenas
12 aviões, a preço tão absurdo que
nem está revelado (depende de muitas possíveis variações do equipamento), para um país com as dimensões do Brasil? A solução racional e sensata me foi dita há dois dias. A
França executa o plano de substituir
Mirages 2000, ainda modernos, pelos novos Rafales, até pelo compromisso de governo que justificou o investimento da Dassault. Para a
França, portanto, será bom negócio
vender os Mirages 2000 por preço
decente e, para o Brasil, aí está a possibilidade de comprar várias esquadrilhas a mais sem gastar tanto com
uma só e mínima. E, como reza a regra brasileira de primeiro escolher o
fornecedor depois fazer a concorrência, são aviões também da Dassault e de sua representante Embraer.
Mas só quando o negócio for afinal
fechado se saberá se os olhos estão
postos em boa transação para o Brasil (supondo que o Brasil necessite
de modernos jatos de caça) ou no
máximo montante da transação -
adivinhe por quê.
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