São Paulo, Quarta-feira, 21 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI
O doutor Quintão acha que FFH é um ator de teatro


Já que o governo está preocupado com a sua própria coesão, bem que FFH e o ministro José Serra, da Saúde, poderiam tentar descobrir o que lhes aconteceu no dia 31 de maio.
Pelos registros da propaganda, nesse dia FFH e Serra prestaram uma homenagem ao juiz federal Guilherme Pinho Machado. Foi ele quem deu a sentença que proibiu o fumo a bordo de aviões comerciais. Festejaram-no com uma cerimônia no Palácio do Planalto, simbolizando o compromisso do governo com a saúde pública e com o desestímulo ao vício do tabaco. Nada mais chique, correto e moderno.
Talvez o presidente e o ministro não saibam, mas participaram de um teatro de quinta categoria. Nesse mesmo dia, a União protocolou na 4ª Vara Federal um recurso contra a sentença do juiz Pinto Machado. Isso mesmo: enquanto o presidente e o ministro homenageavam o juiz no mundo da virtualidade, o advogado geral da União, Geraldo Quintão, apelava contra a sentença. Coube à Viúva o ridículo papel de pagar, num mesmo dia, pela coisa (a homenagem) e seu contrário (o recurso). Nos dois casos, coube à choldra o papel de boba.
Não se pode argumentar que isso tenha sido um acidente. A União já recorreu duas vezes (sem sucesso) contra a sentença do juiz Pinho Machado. Está na terceira tentativa. Em benefício de quem? De FFH e do ministro da Saúde, parece que não. Dos fumantes? Talvez. Dos fabricantes de cigarros? Com certeza, mesmo sabendo-se que até hoje nenhum deles atacou a proibição.
O juiz Pinho Machado não tirou a sentença de sua cabeça de não-fumante. Ele determinou que não se pode pitar nos aviões porque assim manda uma lei aprovada pelo Congresso. Ela não era cumprida porque o Departamento de Aviação Civil baixara uma portaria regulamentando (e abrandando) indevidamente a proibição.
O recurso do doutor Quintão era desnecessário. A lei não o obrigava a fazê-lo. Fê-lo porque qui-lo, como diria Jânio Quadros. Por que qui-lo, FFH pode tentar descobrir.
Agora está o governo na ridícula situação de contestar na Justiça um ato que festejou no Planalto. O Ministério Público Federal, com toda razão, argumenta que FFH "exerce privativamente" a direção da administração federal. Ou seja, manda (em tese) tanto na Advocacia-Geral quanto no Ministério da Aeronáutica, ao qual está vinculado o DAC. Na prática, não manda no doutor Quintão (que recorre contra aquilo que ele festeja) nem no DAC (cuja portaria até hoje não foi revogada). Pior: o doutor Quintão soube da cerimônia do Planalto e não mandou recolher o recurso. Só há uma explicação possível: achou que FFH e Serra estavam de brincadeira.
Passaram-se 50 dias e continua achando. A descoordenação administrativa já levou inúmeros presidentes a passar por constrangimentos, mas coisa igual a essa nunca se viu.
Na cerimônia do Planalto, na qual o juiz Pinho Machado teve direito a fotografia ao lado de FFH e do auriverde pendão da esperança, o governo supunha que comemorava o Dia Mundial sem Tabaco. Estava comemorando o Dia Nacional do Gogó.



Texto Anterior: No Ar - Nelson de Sá: O pacto
Próximo Texto: Fim do cativeiro: Brasileiro sequestrado há 65 dias na Rússia é solto
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.