São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

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DIPLOMACIA

No Uruguai, presidente aponta pressão para que dívida não possa ser paga

Mercados pressionam por calote do país, afirma FHC

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU

O presidente Fernando Henrique Cardoso fez ontem a sua mais forte crítica ao funcionamento dos mercados financeiros e a mais explícita menção às dificuldades da economia brasileira, ao afirmar que "alguns setores financeiros insistem em que não paguemos, asfixiando-nos para que não possamos pagar", em óbvia alusão à dívida externa.
"Quem ganha com isso?", perguntou em seguida, para ele próprio responder: "Eu não sei".
O presidente incluiu esse trecho, de improviso, no discurso que pronunciava ante a Assembléia Geral do Uruguai (sessão conjunta de Câmara e Senado), na tarde de ontem.
Antes, FHC dissera que "o mercado talvez jamais se tenha comportado de forma tão contrária a seus próprios interesses, ignorando os fundamentos econômicos, gerando falsas expectativas".
Para o presidente, trata-se de "surtos de insensatez", que, na sua avaliação, "costumam ter fôlego curto".
O discurso é a explicitação da análise que o Palácio do Planalto faz a respeito da turbulência financeira que assola o país: um fenômeno provocado por agentes externos, que pouco ou nada têm a ver com as debilidades da economia brasileira.
Em outro trecho inserido de improviso na sua fala, Fernando Henrique disse que "o ambiente externo é de confusão, que tem efeitos muitas vezes trágicos sobre a população, que não tem nada a ver com isso".
O presidente se referiu também ao encontro de segunda-feira com os quatro principais candidatos a seu lugar, para dizer que "há momentos em que, acima dos interesses partidários, têm que estar os interesses comuns".
Para FHC, "quanto mais afinadas estiverem as forças políticas em relação ao atacado, mais produtiva será a negociação no varejo".
O presidente inseriu os encontros da segunda-feira no contexto da crise externa. Disse que "não se trata de um apelo à união nacional contra ameaças de fora ou por conveniências políticas de uns ou de outros". Mas se trata de que aos líderes "não cabe simplesmente lamentar, mas trabalhar, e construir caminhos que possam servir de pontes entre o presente e o futuro".
FHC disse que lhe deu "grande prazer" conversar com as lideranças partidárias, "algumas das quais me criticam há oito anos, dez anos, 20 anos".
Antes, ao desembarcar na Base Aérea de Montevidéu, às 14h25, o presidente qualificara de "muito agradável" o seu encontro particular com Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT.
Explicou que Lula pedira a reunião apenas entre os dois para falar sobre a dívida do Estado de Minas Gerais.
O presidente fez questão de dizer que o encontro nada tinha a ver com a hipótese, aventada pela mídia, de que ele apoiaria Lula no caso de o segundo turno ser disputado entre o petista e Ciro Gomes.
"Minha predisposição é, primeiro, a de que Serra (José Serra, o candidato do PSDB) vá para o segundo turno. Se, por acaso isso não acontecer, eu sou presidente do Brasil e vou atuar como magistrado, com equilíbrio".
O presidente não descartou a hipótese de um novo encontro com os candidatos, mas disse que "eles têm que se encontrar é com o povo".

Diplomacia
O discurso de FHC ante a Assembléia Geral uruguaia serviu também para reafirmar pontos básicos da diplomacia praticada durante os seus oito anos de governo e para manifestar suas expectativas em relação ao legado que deixará ao sucessor.
Foi, acima de tudo, uma manifestação de fé no Mercosul, apesar de o bloco (e cada um de seus quatro integrantes isoladamente) estar mergulhado na maior crise de sua história.
"O Mercosul tem um lastro histórico e político que é imune à cizânia. Se iniciamos juntos o projeto de integração, estou certo de que continuaremos juntos a usufruir de seus benefícios", afirmou.
Também anunciou o empenho do governo brasileiro em conseguir, ainda no seu período presidencial, um acordo entre o Mercosul e os países da Comunidade Andina (Venezuela, Colômbia, Peru e Equador).
Seria um passo para "a criação de um espaço econômico sul-americano", velho projeto da diplomacia brasileira, iniciado quando Itamar Franco era o presidente e, FHC, o seu chanceler.
Trata-se, na essência, de unir os países sul-americanos para melhor negociar com o poderoso Norte.
Sobre a negociação com os Estados Unidos, para constituir a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), reafirmou o que já dissera na Cúpula das Américas, em Québec, no ano passado:
"A Alca somente será atraente se assegurar benefícios equilibrados a todo o hemisfério, o que implica maior acesso aos mercados mais afluentes. Sem isso, a Alca torna-se irrelevante ou perde sua razão de ser".



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