UOL

São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESQUERDA NO DIVÃ

Arrighi diz que governo deverá ser julgado por sua agenda social

"É crucial que Lula não falhe", afirma historiador italiano

Felipe Varanda/Folha Imagem
O historiador Giovanni Arrighi, que participa de seminário no RJ


CLÁUDIA ANTUNES
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

O principal critério de julgamento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não deverá ser a política econômica, mas o cumprimento, ou não, de sua agenda social.
É o que diz o historiador italiano Giovanni Arrighi, 66, professor da Universidade Johns Hopkins (EUA) e um dos teóricos da decadência dos EUA como centro do desenvolvimento capitalista.
Segundo ele, uma política monetária focalizada no combate à inflação não é por si só negativa, desde que acompanhada de medidas para superar a má distribuição de renda, ela sim o grande empecilho ao crescimento.
Arrighi é um dos palestrantes de hoje do seminário "Hegemonia e Contra-hegemonia: os Impasses da Globalização", que termina amanhã no Rio. Ontem, concedeu entrevista à Folha.
 

Folha - O Brasil tem algum papel a desempenhar para romper a hegemonia norte-americana?
Giovanni Arrighi -
A hegemonia americana não precisa mais ser rompida, porque já está em pedaços, mais pelos atos dos próprios Estados Unidos. A questão é o que Brasil e outros países podem fazer para criar alternativas à situação de caos que está emergindo dessa crise. O Brasil já hospeda o Fórum Social Mundial, uma das referências ideológicas e políticas no movimento por justiça global. Agora, é assegurar que a experiência de Lula tenha sucesso, como uma alternativa ao neoliberalismo.

Folha - Como o senhor vê o fato de Lula ter mantido uma política monetária ortodoxa e o acordo com o FMI?
Arrighi -
Não defendo políticas que gerem inflação, porque elas penalizam também as pessoas pobres, que não têm renda para se ajustar aos aumentos de preços. Por si só, uma política monetária conservadora não é ruim. A China seguiu políticas deflacionárias de muitas formas e vem crescendo, é verdade que de maneira desigual, mas não por causa disso. Não estou escandalizado com a ortodoxia monetária.
O ponto é: qual é a estratégia de longo prazo do governo? O que está errado com as políticas do FMI não é a ortodoxia monetária em si, mas a característica particular de promoverem uma redistribuição [de renda] para os ricos.
Se a ortodoxia monetária for um caminho de emancipação do FMI, e se [o governo Lula] seguir políticas sociais que reduzam as desigualdades, que são enormes, eu olharia para a substância. Não sei o que ele está fazendo, por exemplo, sobre os sem-terra.

Folha - O governo reduziu o orçamento para a reforma agrária.
Arrighi -
Bem, não deveria fazer isso. Ele deveria aumentar os impostos sobre as grandes fortunas.

Folha - O que falta aos países latino-americanos para conciliar crescimento econômico com políticas antiinflacionárias?
Arrighi -
No Brasil, uma porção muito grande da população está excluída de qualquer possibilidade de participar da economia de mercado. Na maioria dos países asiáticos, a distribuição dos benefícios ainda é muito desigual, mas é mais ou menos disseminada a possibilidade de participar da economia. Acho que o principal empecilho ao crescimento brasileiro são as desigualdades sociais.

Folha - O governo Lula deve renovar o acordo com o FMI?
Arrighi -
Se ele renovar o acordo como um movimento tático, para ganhar tempo, e se libertar depois dos constrangimentos que o forçam a ir ao Fundo, está bem.

Folha - Os países asiáticos acumulam grandes reservas em dólar, que os protegem da instabilidade financeira. O Brasil deveria ter a mesma política?
Arrighi -
Esse é um caminho de se libertar dos controles do FMI, mas não é fácil. Não é só uma questão de políticas econômicas, envolve políticas sociais. Eu aumentaria impostos sobre fortunas ou os fluxos de capitais. É aí que se deve encontrar o dinheiro para estabilizar a economia. A idéia de que você é mais competitivo quando aumenta a desigualdade e faz concessões ao capital é errada. Se você olhar para o leste asiático, é o contrário. Políticas que aumentem o bem-estar da maioria são mais importantes do que um crescimento de 5% ou 7%.

Folha - Como o senhor, muitos apontam a China como um pólo econômico emergente. Que interesses podem fazer com que países como China, Índia e Brasil atuem em conjunto?
Arrighi -
O Brasil já tem a disposição de tentar se colocar como uma espécie de alternativa regional ao Nafta [Acordo de Livre Comércio da América do Norte]. Isso é algo a fazer, criar alternativa ao tipo de integração que os EUA estão patrocinando. Fortalecer o Mercosul é importante, e o Brasil também tem muito a se beneficiar de uma relação mais próxima com China e Índia.


Texto Anterior: Presente de grego: Aliado presenteou Dirceu com Rolex falso
Próximo Texto: Integração ou fantasma?: Sudam deixou prejuízo superior a R$ 3 bi
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.