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ESQUERDA NO DIVÃ
Arrighi diz que governo deverá ser julgado por sua agenda social
"É crucial que Lula não falhe",
afirma historiador italiano
Felipe Varanda/Folha Imagem
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O historiador Giovanni Arrighi, que participa de seminário no RJ |
CLÁUDIA ANTUNES
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
O principal critério de julgamento
do governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) não deverá ser a política econômica, mas o cumprimento, ou não, de sua agenda social.
É o que diz o historiador italiano
Giovanni Arrighi, 66, professor da
Universidade Johns Hopkins
(EUA) e um dos teóricos da decadência dos EUA como centro do
desenvolvimento capitalista.
Segundo ele, uma política monetária focalizada no combate à
inflação não é por si só negativa,
desde que acompanhada de medidas para superar a má distribuição de renda, ela sim o grande
empecilho ao crescimento.
Arrighi é um dos palestrantes de
hoje do seminário "Hegemonia e
Contra-hegemonia: os Impasses
da Globalização", que termina
amanhã no Rio. Ontem, concedeu entrevista à Folha.
Folha - O Brasil tem algum papel
a desempenhar para romper a hegemonia norte-americana?
Giovanni Arrighi - A hegemonia
americana não precisa mais ser
rompida, porque já está em pedaços, mais pelos atos dos próprios
Estados Unidos. A questão é o que
Brasil e outros países podem fazer
para criar alternativas à situação
de caos que está emergindo dessa
crise. O Brasil já hospeda o Fórum
Social Mundial, uma das referências ideológicas e políticas no movimento por justiça global. Agora,
é assegurar que a experiência de
Lula tenha sucesso, como uma alternativa ao neoliberalismo.
Folha - Como o senhor vê o fato
de Lula ter mantido uma política
monetária ortodoxa e o acordo
com o FMI?
Arrighi - Não defendo políticas
que gerem inflação, porque elas
penalizam também as pessoas
pobres, que não têm renda para se
ajustar aos aumentos de preços.
Por si só, uma política monetária
conservadora não é ruim. A China seguiu políticas deflacionárias
de muitas formas e vem crescendo, é verdade que de maneira desigual, mas não por causa disso.
Não estou escandalizado com a
ortodoxia monetária.
O ponto é: qual é a estratégia de
longo prazo do governo? O que
está errado com as políticas do
FMI não é a ortodoxia monetária
em si, mas a característica particular de promoverem uma redistribuição [de renda] para os ricos.
Se a ortodoxia monetária for
um caminho de emancipação do
FMI, e se [o governo Lula] seguir
políticas sociais que reduzam as
desigualdades, que são enormes,
eu olharia para a substância. Não
sei o que ele está fazendo, por
exemplo, sobre os sem-terra.
Folha - O governo reduziu o orçamento para a reforma agrária.
Arrighi - Bem, não deveria fazer
isso. Ele deveria aumentar os impostos sobre as grandes fortunas.
Folha - O que falta aos países latino-americanos para conciliar crescimento econômico com políticas
antiinflacionárias?
Arrighi - No Brasil, uma porção
muito grande da população está
excluída de qualquer possibilidade de participar da economia de
mercado. Na maioria dos países
asiáticos, a distribuição dos benefícios ainda é muito desigual, mas
é mais ou menos disseminada a
possibilidade de participar da
economia. Acho que o principal
empecilho ao crescimento brasileiro são as desigualdades sociais.
Folha - O governo Lula deve renovar o acordo com o FMI?
Arrighi - Se ele renovar o acordo
como um movimento tático, para
ganhar tempo, e se libertar depois
dos constrangimentos que o forçam a ir ao Fundo, está bem.
Folha - Os países asiáticos acumulam grandes reservas em dólar,
que os protegem da instabilidade
financeira. O Brasil deveria ter a
mesma política?
Arrighi - Esse é um caminho de
se libertar dos controles do FMI,
mas não é fácil. Não é só uma
questão de políticas econômicas,
envolve políticas sociais. Eu aumentaria impostos sobre fortunas
ou os fluxos de capitais. É aí que se
deve encontrar o dinheiro para
estabilizar a economia. A idéia de
que você é mais competitivo
quando aumenta a desigualdade e
faz concessões ao capital é errada.
Se você olhar para o leste asiático,
é o contrário. Políticas que aumentem o bem-estar da maioria
são mais importantes do que um
crescimento de 5% ou 7%.
Folha - Como o senhor, muitos
apontam a China como um pólo
econômico emergente. Que interesses podem fazer com que países
como China, Índia e Brasil atuem
em conjunto?
Arrighi - O Brasil já tem a disposição de tentar se colocar como
uma espécie de alternativa regional ao Nafta [Acordo de Livre Comércio da América do Norte]. Isso é algo a fazer, criar alternativa
ao tipo de integração que os EUA
estão patrocinando. Fortalecer o
Mercosul é importante, e o Brasil
também tem muito a se beneficiar
de uma relação mais próxima
com China e Índia.
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