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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ CPI DOS CORREIOS
Senador afirma que não pretende deixar o PT, mas que está muito triste e não recomenda a ninguém aceitar presidir uma CPI
Traidores precisam ser revelados, diz Delcídio
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Dois meses depois de começar a
presidir a CPI dos Correios, o senador Delcídio Amaral (PT-MS)
já sente o peso das denúncias que
assolam seu partido. Isenta Luiz
Inácio Lula da Silva de culpa, mas
não esconde a insatisfação com a
falta dos nomes dos "traidores"
citados de forma cifrada pelo presidente em discurso. Para ele, só
essa revelação salva o PT.
Se antes o senador tinha a certeza de que o presidente estava isolado da crise, hoje admite que a
segurança da reeleição em 2006 já
não existe mais. Porém nega a intenção de se unir a uma "diáspora" de petistas decepcionados,
que podem deixar o partido nos
próximos dias.
Questionado sobre o silêncio de
Lula sobre quem o traiu no PT,
Delcídio recorreu a expressões literárias para descrever a situação
insólita de esperar por algo desconhecido e o dilema no qual o ato
de coragem requer sacrifício.
"Todo mundo está vendo como
as coisas estão acontecendo e os
movimentos não correspondem
àquilo que é necessário fazer. Estamos num dilema. É uma coisa
maluca. Estamos esperando Godot. Esses nomes têm de ser revelados", disse, em referência à célebre peça do dramaturgo irlandês
Samuel Beckett (1906-1989).
Sem se declarar arrependido de
ter atendido o apelo do presidente
Lula para presidir a Comissão
Parlamentar de Inquérito, Delcídio se declara "triste" e "frustrado". Não perde o bom humor nas
sessões mais conturbadas, mas
desaconselha qualquer colega a
presidir uma CPI.
Delcídio comanda investigações cujos indícios apontam para
a existência do "mensalão", que
seria pago por políticos do seu
partido a deputados da base aliada, e desvio de verbas públicas
que atingem em cheio o governo.
"É duro demais", diz.
Folha - Como conciliar, dentro do
PT, os envolvidos na crise e os magoados com ela?
Delcídio Amaral - O partido vai
ter de cortar na própria carne,
mas com certeza vai haver uma
retirada, uma diáspora de alguns
de seus principais líderes e de seus
principais parlamentares.
Folha - E o sr. vai sair do PT?
Delcídio - Estou numa posição
muito delicada. Estou presidindo
uma CPI, sou líder no Senado.
Então eu tenho de ter ainda mais
cuidado ao tomar uma decisão
nesse sentindo, mas não pretendo
sair do partido.
Folha - O sr. está arrependido de
estar presidindo esta CPI a pedido
do presidente Lula?
Delcídio - Eu estou muito triste.
Eu já imaginava o sacrifício que
viria, mas é muito duro.
Folha - E o sr. imaginava que haveria tanta corrupção?
Delcídio - Nesse grau de complexidade? Não. Isso mexe não só
com seu equilíbrio, mas também
com sua vida pessoal. Se eu pudesse fazer uma sugestão para um
parlamentar convidado para presidir uma CPI, diria: responda peremptoriamente que não. Não peça nem tempo para pensar.
Folha - Qual a repercussão na sua
vida pessoal?
Delcídio - Não sei por quem ainda, mas estou sendo permanentemente monitorado. As pessoas se
distanciaram. Comecei a levar
uma vida de ermitão.
Folha - O presidente Lula voltou a
falar com o senhor?
Delcídio - Não.
Folha - O presidente sabia?
Delcídio - Eu sou da Executiva e
sou líder no Senado. Nunca soube, imagina o presidente Lula. Eu
duvido muito que ele soubesse.
Folha - O sr. acha que Lula precisa
apontar quem o traiu?
Delcídio - Eu acho que mais cedo
ou mais tarde os nomes dessas
pessoas terão de ser revelados.
Até para que a gente saia disso,
nós estamos esperando Godot.
Do meu ponto de vista, todo
mundo está vendo como as coisas
estão acontecendo e os movimentos não correspondem àquilo que
é necessário fazer. Estamos num
dilema. É uma coisa maluca. Estamos esperando Godot. Esses nomes precisam ser revelados.
Folha - O PT tem sobrevida se esses nomes não aparecerem?
Delcídio - Acho muito difícil.
Você tem de fazer as coisas com
coragem. Até com dor no coração, mas você tem de fazer.
Folha - Como fica o cenário eleitoral de Lula para 2006?
Delcídio - O presidente Lula continua com uma aceitação forte. É
claro que com o desgaste, 2006
não é mais aquilo que se vislumbrava anteriormente. Deixamos
escapar uma oportunidade ímpar
de um projeto de reeleição absolutamente seguro.
Folha - Como vê a postura de não-impeachment da oposição?
Delcídio - É equilibrada. Se não
há fatos, só há discurso político. E
a realidade hoje é muito diferente
da realidade de 1992.
Folha - Acha que querem sangrar
Lula até as eleições?
Delcídio - É uma estratégia. Desgasta o PT e o presidente e depois,
em 2006, o povo vai decidir.
Folha - E a busca paralela pelo
que alguns chamam de "Fiat Elba
de Lula" [uma prova de favorecimento pessoal ao presidente ou familiares no contexto do escândalo]
na CPI dos Correios?
Delcídio - Muitas pessoas apostam que uma pequena escorregadela possa ter um impacto muito
maior que tudo isso que tem sido
debatido e noticiado. É como o
velho dito popular: o diabo mora
nos detalhes.
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