São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ CPI DOS CORREIOS

Senador afirma que não pretende deixar o PT, mas que está muito triste e não recomenda a ninguém aceitar presidir uma CPI

Traidores precisam ser revelados, diz Delcídio

LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dois meses depois de começar a presidir a CPI dos Correios, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) já sente o peso das denúncias que assolam seu partido. Isenta Luiz Inácio Lula da Silva de culpa, mas não esconde a insatisfação com a falta dos nomes dos "traidores" citados de forma cifrada pelo presidente em discurso. Para ele, só essa revelação salva o PT.
Se antes o senador tinha a certeza de que o presidente estava isolado da crise, hoje admite que a segurança da reeleição em 2006 já não existe mais. Porém nega a intenção de se unir a uma "diáspora" de petistas decepcionados, que podem deixar o partido nos próximos dias.
Questionado sobre o silêncio de Lula sobre quem o traiu no PT, Delcídio recorreu a expressões literárias para descrever a situação insólita de esperar por algo desconhecido e o dilema no qual o ato de coragem requer sacrifício.
"Todo mundo está vendo como as coisas estão acontecendo e os movimentos não correspondem àquilo que é necessário fazer. Estamos num dilema. É uma coisa maluca. Estamos esperando Godot. Esses nomes têm de ser revelados", disse, em referência à célebre peça do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989).
Sem se declarar arrependido de ter atendido o apelo do presidente Lula para presidir a Comissão Parlamentar de Inquérito, Delcídio se declara "triste" e "frustrado". Não perde o bom humor nas sessões mais conturbadas, mas desaconselha qualquer colega a presidir uma CPI.
Delcídio comanda investigações cujos indícios apontam para a existência do "mensalão", que seria pago por políticos do seu partido a deputados da base aliada, e desvio de verbas públicas que atingem em cheio o governo. "É duro demais", diz.

Folha - Como conciliar, dentro do PT, os envolvidos na crise e os magoados com ela?
Delcídio Amaral -
O partido vai ter de cortar na própria carne, mas com certeza vai haver uma retirada, uma diáspora de alguns de seus principais líderes e de seus principais parlamentares.

Folha - E o sr. vai sair do PT?
Delcídio -
Estou numa posição muito delicada. Estou presidindo uma CPI, sou líder no Senado. Então eu tenho de ter ainda mais cuidado ao tomar uma decisão nesse sentindo, mas não pretendo sair do partido.

Folha - O sr. está arrependido de estar presidindo esta CPI a pedido do presidente Lula?
Delcídio -
Eu estou muito triste. Eu já imaginava o sacrifício que viria, mas é muito duro.

Folha - E o sr. imaginava que haveria tanta corrupção?
Delcídio -
Nesse grau de complexidade? Não. Isso mexe não só com seu equilíbrio, mas também com sua vida pessoal. Se eu pudesse fazer uma sugestão para um parlamentar convidado para presidir uma CPI, diria: responda peremptoriamente que não. Não peça nem tempo para pensar.

Folha - Qual a repercussão na sua vida pessoal?
Delcídio -
Não sei por quem ainda, mas estou sendo permanentemente monitorado. As pessoas se distanciaram. Comecei a levar uma vida de ermitão.

Folha - O presidente Lula voltou a falar com o senhor?
Delcídio -
Não.

Folha - O presidente sabia?
Delcídio -
Eu sou da Executiva e sou líder no Senado. Nunca soube, imagina o presidente Lula. Eu duvido muito que ele soubesse.

Folha - O sr. acha que Lula precisa apontar quem o traiu?
Delcídio -
Eu acho que mais cedo ou mais tarde os nomes dessas pessoas terão de ser revelados. Até para que a gente saia disso, nós estamos esperando Godot. Do meu ponto de vista, todo mundo está vendo como as coisas estão acontecendo e os movimentos não correspondem àquilo que é necessário fazer. Estamos num dilema. É uma coisa maluca. Estamos esperando Godot. Esses nomes precisam ser revelados.

Folha - O PT tem sobrevida se esses nomes não aparecerem?
Delcídio -
Acho muito difícil. Você tem de fazer as coisas com coragem. Até com dor no coração, mas você tem de fazer.

Folha - Como fica o cenário eleitoral de Lula para 2006?
Delcídio -
O presidente Lula continua com uma aceitação forte. É claro que com o desgaste, 2006 não é mais aquilo que se vislumbrava anteriormente. Deixamos escapar uma oportunidade ímpar de um projeto de reeleição absolutamente seguro.

Folha - Como vê a postura de não-impeachment da oposição?
Delcídio -
É equilibrada. Se não há fatos, só há discurso político. E a realidade hoje é muito diferente da realidade de 1992.

Folha - Acha que querem sangrar Lula até as eleições?
Delcídio -
É uma estratégia. Desgasta o PT e o presidente e depois, em 2006, o povo vai decidir.

Folha - E a busca paralela pelo que alguns chamam de "Fiat Elba de Lula" [uma prova de favorecimento pessoal ao presidente ou familiares no contexto do escândalo] na CPI dos Correios?
Delcídio -
Muitas pessoas apostam que uma pequena escorregadela possa ter um impacto muito maior que tudo isso que tem sido debatido e noticiado. É como o velho dito popular: o diabo mora nos detalhes.


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