São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ CPI DO BANESTADO

José Mentor (PT-SP) não indiciou Maluf, Toninho da Barcelona e diretores do Rural, nem investigou operações no MTB Bank

Relator blindou PT e governo em 7 casos

RUBENS VALENTE<
MARTA SALOMON

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sob risco de cassação por ter recebido R$ 120 mil em cheques de empresa de Marcos Valério, o deputado federal José Mentor (PT-SP) atuou para blindar, na relatoria da CPI do Banestado, pelo menos sete linhas de investigação que atingiriam interesses do PT e do governo federal.
No cargo-chave da comissão, Mentor não convocou para depor nem incluiu na lista dos indiciados donos e diretores do Banco Rural, o ex-prefeito paulistano Paulo Maluf (PP), o ex-dono da Transbrasil Antônio Cipriani, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, o doleiro Toninho da Barcelona e o empresário de ônibus Ronan Maria Pinto, além de deixar de investigar operações no MTB Bank que comprometeriam Duda Mendonça, marqueteiro da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.
Mentor costumava emitir elogios e antecipar conclusões sobre investigados. À época já criticados pela oposição, hoje os discursos do deputado, à luz das revelações da CPI dos Correios, ganham novos significados.
"(...) Quero registrar a cooperação que o Banco Rural tem apresentado desde o início da CPI", elogiou o deputado, em meados de 2004, em sessão aberta da CPI. O banco estava sob investigação por operar com doleiros brasileiros por meio de empresas offshore no Banestado de Nova York, cerca de US$ 4,3 bilhões.
Sabe-se agora que em maio de 2003 o Banco Rural havia concedido um empréstimo de R$ 3 milhões à direção nacional do PT com aval do publicitário mineiro Marcos Valério de Souza. Além disso, foram das contas do Rural que cerca de R$ 30 milhões, segundo a versão de Valério, chegaram ao PT e partidos aliados.
Os dirigentes do Rural nunca foram intimados por Mentor a depor na comissão e seus nomes não foram incluídos na lista de indiciados do relatório final.
Na sessão de 29 de junho de 2004, Mentor fez uma defesa explícita de Paulo Maluf, à época sob intensa investigação da PF por supostas evasão e lavagem de US$ 200 milhões no exterior.
"Com relação ao sr. Paulo Maluf, a relatoria, até este momento, desconhece qualquer documento que baseie uma acusação. (...) Não há fundamento na CPI para essa convocação, não há documento que sustente uma acusação."
O publicitário mineiro Marcos Valério, em depoimento e papéis entregues à Procuradoria Geral da República, explicitou ligações financeiras entre o PT e o PP de São Paulo, partido de Maluf.
O ex-prefeito decidira apoiar a então prefeita Marta Suplicy na disputa do segundo turno das eleições. No primeiro turno, vigorava um pacto de não-agressão.
Uma semana depois do discurso de Mentor na CPI, o presidente do PP paulista, deputado federal Vadão Gomes, começou a ser abastecido com o dinheiro do esquema, segundo as informações de Valério. O ex-tesoureiro nacional do PT Delúbio Soares orientou a entrega de R$ 1 milhão no dia 5 de julho, início da campanha municipal. Em 16 de agosto, mais R$ 2,7 milhões irrigaram o PP.

"Atrapalha"
Na semana passada, em depoimento a membros da CPI dos Correios, o doleiro Antônio Claramunt, o Toninho da Barcelona disse que trocava dólares para membros do PT durante a "campanha presidencial" de 2002.
Mentor também atuou para tentar adiar o depoimento de Barcelona, alegando que ouvi-lo iria "atrapalhar" seu trabalho de relator. Além disso, retirou um pedido para que fossem enviados à Justiça Federal os dados bancários de Toninho - pedido que ele mesmo havia apresentado. O doleiro nunca foi ouvido pela CPI.
Mentor fez três referências a Toninho em seu relatório final com descrições sobre a atuação do doleiro que reunidas não passariam de uma página. Mas, na parte dos indiciados, não incluiu Toninho.
Em contrapartida, o relatório alternativo do presidente da CPI, Antero de Barros (PSDB-MT), dedica 22 páginas ao doleiro.
Em abril do ano passado, Toninho foi o centro de uma divergência entre Barros e Mentor, durante sessão da CPI. O presidente da comissão decidira marcar o depoimento do doleiro para dali a uma semana. Mentor reagiu na hora. "(...) Queria registrar, sr. presidente, até por uma atribuição regimental do relator, que é conduzir a investigação, a minha discordância, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, pelas duas propostas de diligências, uma delas em relação ao sr. Toninho Barcelona", disse Mentor.
O relator alegava que o depoimento do doleiro devia ser adiado por uma questão estratégica. "Esta comissão já aprovou a convocação de Sua Senhoria [Toninho] há muito tempo. Vossa Excelência participou de uma reunião com a força-tarefa, em Curitiba, de discussão sobre o tratamento a ser dado aos doleiros. Temos uma estratégia na investigação dos doleiros. Pode não atrapalhar o Ministério Público, pode não atrapalhar a Polícia Federal, mas atrapalha a relatoria [da CPI]."

Compadre
Bem relacionado com o advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o empresário Antônio Celso Cipriani estava sob foco da oposição na CPI por operações bancárias feitas por sua empresa, seu irmão, Emídio, e a empresa Cave Creek, de sua mulher, Marise.
Cipriani recebeu um tratamento obsequioso no relatório final de Mentor. O deputado não só excluiu-o da lista de indiciados como também recomendou que o governo federal investigasse "denúncias" que Cipriani teria feito numa carta enviada à comissão sobre suposta concorrência desleal na aviação.
Em 23 de junho de 2004, os microfones da TV Senado captaram um diálogo entre Mentor e dois aliados da comissão, Serys Slhessarenko (PT-MT) e Eduardo Valverde (PT-RO), no qual o relator discutiu uma estratégia de retaliar a oposição, caso fosse aprovada a convocação do advogado Roberto Teixeira, o que nunca ocorreu. Mentor qualificou Teixeira como "compadre do Lula (...), e é meu amigo" - amizade que Mentor já havia salientado em entrevista à Folha, dias antes.


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