São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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ELIO GASPARI

Sinhazinha antecedeu a cafetina

Pela primeira vez na história da República uma cafetina tornou-se personalidade federal. Jeany Mary Corner, com suas garotas contratadas para animar festas companheiras de Brasília, indica que as cortinas das alcovas oficiais começaram a ser abertas.
Não há razão para assombro. Em matéria de "grandes horizontales", como diziam os franceses do fim do século 19, Pindorama tem uma personagem ímpar na história mundial. É a linda morena que simboliza a República nas notas de 2.000 réis de 1900, no mandarinato de Joaquim Murtinho, ministro da Fazenda de Campos Salles (1898-1902). Murtinho foi um tipo fantástico.
Era médico, solteiro, namorava a sobrinha e vivia cercado de cães. A rapacidade de sua gestão estabilizadora fez dele o patrono da privataria das ekipekonômicas que o sucederam.
Segundo a denúncia de um deputado, a linda morena da nota de 2.000 réis era uma "meretriz" chamada Prates. (O caso está em "A Formação das Almas" de José Murilo de Carvalho. A ilustração desta página foi feita com base na nota). La Prates existiu, mas falta saber mais dela.
Outra versão, surgida 40 anos depois, conta que a morena chamava-se Sinhazinha. Fora uma tiete de literatos paulistas. No Rio, morava com a mãe, sem que se saiba onde estava seu caixa dois. Sinhazinha morou um tempo em Paris, voltou doente e morreu esquecida. (O caso da moça está em "Arquivo de Sombras", apaixonado estudo sobre Murtinho, de Fernando Antonio Faria.)
A libertinagem nacional tem mulheres bonitas e muito dinheiro da Viúva, mas faltam-lhe cronistas com talento e patronos com estilo. Gente como o escritor Emile Zola (Naná) e o Duque de Morny, meio-irmão de Napoleão 3º que dormiu com tout Paris. Ninguém haverá de esperar bons modos ou boa literatura da gangue do mensalão.
Vale lembrar que a fama internacional dos endinheirados de Pindorama tem viés de baixa. O termo "rastaquouère" (rastaqüera, derivado do espanhol rastacuero) surgiu na "belle époque" para designar a prodigalidade vulgar de um potentado conhecido como "o brasileiro". O compositor Offenbach colocou-o na opereta "Vida Parisiense" dizendo que vinha do Rio.

Idéia de jerico: jabá para Bicudo

Coisas de governo inepto, presidente de má mufa e chanceler de muita esperteza:
O procurador Hélio Bicudo, ex-vice-prefeito de São Paulo, tem 83 anos de vida e 62 de serviços aos três Poderes da República. Nos anos 70, encarou o Esquadrão da Morte do delegado Sérgio Fleury. Teve o escritório varejado e uma casa invadida. Em 1980, Bicudo esteve entre os fundadores do PT e dois anos depois foi candidato a vice-governador na chapa em que Lula disputou o governo de São Paulo. Advogou junto à justiça dos homens em defesa do cardeal Paulo Evaristo Arns e junto ao Papa em defesa de frei Leonardo Boff.
No ano passado, Lula fez saber que pretendia nomeá-lo para um cargo no exterior. Durante uma audiência, Bicudo expôs-lhe, por escrito, seu desejo de chefiar uma representação do Brasil em Genebra, cuidando de assuntos políticos da ONU, sobretudo aqueles relacionados com os direitos humanos.
Meses depois, Bicudo recebeu um telefonema do chefe-de-gabinete do chanceler Celso Amorim oferecendo-lhe um lugar no Conselho da Unesco. O diplomata disse-lhe que a boquinha assegurava três viagens a Paris por ano. Bicudo recusou, escreveu uma carta a Amorim e mandou cópia a Lula. Nenhum dos dois respondeu.
Lula não precisava tirar o corpo fora. Podia dizer a Bicudo que, tendo nomeado o deputado Paes de Andrade embaixador em Lisboa, não pretendia indicar notáveis de fora da carreira para funções diplomáticas. Não precisava oferecer um jabaculê intermediado na retórica da petecagem.

Pede um, leva dois
A percentagem de grão-petistas que não sabia das malfeitorias de Delúbio Soares e José Dirceu é a mesma dos generais que, durante a ditadura, não sabiam que se torturavam e assassinavam presos políticos em quartéis do Exército. Cada um pode conviver com a percentagem que quiser, mas tem que levar as duas. Lula não sabia da roubalheira. Tudo bem, e o general Emílio Medici, presidente de 1969 a 1974, também não sabia que havia tortura. Lula diz assim: "Um presidente não pode saber de tudo o que acontece nos bastidores do governo". Em 1970, numa audiência com d. Eugenio Salles, o presidente Medici disse assim: "Veja a minha situação. Acontece uma coisa no Piauí, como é que vou saber?"

Usiminas aborrecida
A siderúrgica Usiminas foi apanhada depositando R$ 102 mil na caixinha de Marcos Valério, em benefício da campanha de 1998 do pefelê Roberto Brant. Seria razoável que a companhia explicasse porque o dinheiro dos acionistas foi usado numa contravenção política e fiscal. Nada. Outro dia, o presidente da Usiminas, Rinaldo Campos Soares disse o seguinte: "Estamos muito aborrecidos com o que se está falando por aí. Nos reservamos o direito de não fazer comentários". O doutor Campos Soares não entendeu. Aborrecida está a patuléia, a menos que ele diga que Brant mentiu ao atribuir o ervanário à sua dissimulada generosidade.

Lula 2006
Se Lula disputar a reeleição, acrescentará um item ao seu bordão: "Todo brasileiro tem direito a três refeições por dia e a um carro blindado igual ao do tesoureiro do PT".

Comissário do caos
José Dirceu tem um componente destrutivo em sua biografia que não deve ser esquecido por seus companheiros. Sua participação na montagem do congresso clandestino da UNE em Ibiúna, em 1968, é o exemplo mais remoto desse traço. O episódio, transformado em apoteótico sacrifício, foi um ato deliberado de imolação do movimento estudantil. Ou alguém acha que se pode organizar um encontro clandestino de 900 pessoas num lugar deserto? Dirceu sabia que o governador de São Paulo, Abreu Sodré, poderia tolerar uma reunião no Conjunto Residencial da USP. O governo Lula ele já detonou (com a ajuda do companheiro). Falta detonar um eventual futuro do PT.

Paganismo cultural
Quando o governador Aécio Neves estiver em Belo Horizonte, talvez tenha tempo para cuidar de um indicador de decadência de seu governo. Quando a Secretaria de Cultura era ocupada pelo advogado Luiz Roberto Nascimento Silva, um programa de defesa da memória mineira reduziu a zero os furtos de obras sacras em igrejas e recuperou 240 peças capturadas por colecionadores e delinqüentes. Nascimento Silva deixou o governo em fevereiro passado. Desde então, nenhuma nova peça foi recuperada. Até aí tudo bem. Agora entrou numa nova fase: a igreja de Nossa Senhora do Nazaré, em Mariana, foi roubada. Mensalizaram cinco imagens e diversos castiçais.

Don Delúbio do PT
O voto de silêncio de Delúbio Soares na CPI teve um eco da velha omertá da máfia italiana. Assim como no assassínio de Celso Daniel ecoou a vendetta. Só falta começar a briga de famílias dos chefões.


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