São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 2005

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ELIO GASPARI

O mau humor de Lula Figueiredo

"Não votei porque não votei", essa foi a resposta de Lula quando lhe perguntaram porque não apareceu na eleição do PT que ajudou a fundar, cuja militância levou-o à Presidência da República. Dias antes, quando lhe pediram que explicasse o uso de dinheiro do partido para custear seis passagens aéreas usadas por sua família numa viagem a Brasília, disse assim: "Eu estranharia se fosse o PSDB ou o PFL que tivesse pagado a minha passagem, mas o PT tinha mais era obrigação de pagar".
Lula continua assemelhando-se ao general João Figueiredo (1979-1984). Têm em comum o gosto pela Granja do Torto, o recurso a palavrões em audiências institucionais e a paixão pelos improvisos delirantes.
Nada a ver com a viagem de Napoleão à China ou a descoberta de afrodescendentes na Nigéria. As duas respostas dos últimos dias são um exemplo de uma confusa mistura de humor simplório a serviço de evasivas grosseiras.
O "não votei porque não votei" ecoa Jânio Quadros explicando porque bebia uísque: "Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, come-lo-ia". Trata-se de desprezar a curiosidade da audiência. No mesmo dia em que Lula não votou porque não votou, 272 mil petistas votaram porque votaram.
Lula poderia ter dito qualquer coisa, menos fazer gracinha com um partido que está na lona muito mais por sua causa do que por culpa da militância anônima da estrelinha.
Por mais que se estranhe a ausência de Lula, bem como sua explicação, o episódio envolve um petista e seu partido e pode-se argumentar que os estranhos não têm nada a ver com isso. Já a segunda resposta, relacionada com as passagens, é diferente. Se o PT pagasse as viagens da família Lula da Silva (inclusive das namoradas de dois de seus filhos) com reais arrecadados na militância, tudo bem. A boca livre foi paga pelo Fundo Partidário, arca alimentada pelos impostos cobrados aos trabalhadores. Dinheiro público. A legislação não permite o uso desses recursos para cobrir gastos de familiares. A resposta brincalhona do "nosso guia" mistura humor de segunda com prepotência de primeira. Se o PSDB ou o PFL quiserem pagar contas dos Lula da Silva sem recorrer ao dinheiro do Fundo Partidário, podem fazê-lo, mas não podem avançar sobre o Fundo Partidário.
Gritos de guerra como "ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que eu" parecem-se com o brado de Figueiredo ameaçando os adversários da redemocratização: "Prendo e arrebento". Na manhã de 1º de maio de 1981, o general foi informado de que explodira uma bomba dentro do carro de um capitão do DOI, estraçalhando um sargento. O tigrão miou. Figueiredo julgou-se traído pelas pessoas que armaram a bomba do Riocentro. Pode-se acreditar que não teve nada a ver com aquilo, mas ele soube direitinho o que aconteceu naquela noite.
Ademais, sabia quem botava bombas em bancas de jornais. Em agosto passado, Lula disse o seguinte: "Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento". Práticas não traem. Quem trai são pessoas. Figueiredo nunca disse os nomes de quem o traiu.


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