São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELEIÇÕES 2006 / CASO DO DOSSIÊ

Ação partiu de "corte de Lula", diz sociólogo

Para Francisco de Oliveira, professor da USP e fundador do PT, é possível que, "dessa vez", o presidente não soubesse

Dossiê é resultado de um clima interno favorável a "acabar de forma autoritária com a oposição", afirma ele, ex-integrante do partido


FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o sociólogo e professor emérito da USP Francisco de Oliveira, o caso da suposta compra de um dossiê contra tucanos é fruto de "um clima geral no PT de acabar de forma autoritária com a oposição", que abre flanco para que integrantes da corte "de copa e cozinha" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva extrapolem e tomem atitudes do gênero.
Ex-petista e fundador do partido, Oliveira é autor de "O Ornitorrinco", ensaio de 2003 onde escreveu que a elite do sindicalismo nacional, e por conseqüência o grupo dirigente do PT, passou a constituir uma nova classe social ao ocupar posições nos conselhos de administração das principais fontes de recursos para investimentos no país, como os fundos de pensão. Nessa condição, se descolariam da representação dos interesses dos trabalhadores.
Para o sociólogo, o dossiê não terá potência para mudar o cenário, com eventual vitória de Lula no primeiro turno.

 

FOLHA - O sr. descreveu a lógica do que chamou de "nova classe social", formada por uma elite do sindicalismo, que comanda o PT. Há algum desdobramento dessa lógica nos últimos episódios?
FRANCISCO DE OLIVEIRA -
Está mesclado, mas isso é muito mais uma corte, que é produto direto do lulismo. Eles se sentem todo-poderosos e fazem qualquer coisa e têm como retaguarda os sindicalistas. Os fundos de pensão não são produtos do lulismo. Nesse caso, são todas figuras menores, de copa e cozinha do presidente. Eles não têm função no partido, têm função aí na corte. A história desse tipo de corte mostra que eles extrapolam. O caso clássico é Gregório Fortunato.

FOLHA - É pertinente então a comparação entre os dois casos, o de Vargas e o do dossiê?
OLIVEIRA -
Não acho pertinente, as circunstâncias eram outras. Vargas estava sob forte pressão, oposição desvairada do Carlos Lacerda, e, de qualquer forma, o Gregório Fortunato extrapolou e achou que estava prestando serviço ao chefe. Ninguém pode jamais suspeitar que Vargas autorizou uma coisa daquela. Vargas é dos políticos mais cautelosos e mais maquiavélicos que o Brasil conheceu. Mas esse tipo de corte sempre se instala à sombra do poder, em qualquer governo. O lulismo tem uma condição especial porque foi formado de círculos, em geral muito próximos ao presidente. Dessa vez, se ele disser que não sabia, pode até ser verdade. São hipóteses do ponto de vista da experiência histórica que se tem. No caso de Vargas, a UDN, os milicos fizeram de tudo para incriminá-lo e não conseguiram porque ele jamais daria essa ordem.

FOLHA - Os últimos desdobramentos apontam que, de pelo menos parte da operação, Berzoini sabia. Não é uma atitude do PT mais do que a de uma "corte de Lula"?
OLIVEIRA -
Há um clima geral de acabar de forma autoritária com a oposição, e nesse caso com alguém que está à frente do candidato do PT, e esse clima geral, do qual até o Berzoini deve participar, abre o flanco para que aqueles mais realistas que o rei inventem coisas desse tipo. Isso não quer dizer que o Berzoini não sabia.

FOLHA - O PT tem falado que a oposição é golpista...
OLIVEIRA -
Isso é conversa do PT para desviar a atenção e valorizar sua própria campanha. Os tucanos e pefelistas estão desesperados porque essa diferença de Lula para o Alckmin não vai sumir e não vai haver segundo turno. A massa que vota no Lula maciçamente não está nem aí para isso. Afetará algumas faixas dessa classe média, que também é muito lulista, mas o povão não afeta.

FOLHA - E há condições para um pedido de impeachment? O TSE pode impugnar a candidatura Lula?
OLIVEIRA -
Não acredito. O Congresso está envolvido em sua própria eleição. Há uma remota possibilidade que o TSE mande cobrar a campanha do presidente. Se há impugnação, aí seria extremamente grave. O clima de golpe se instala. Porque de um lado tucanos e pefelistas vão tomar isso como motivo do impeachment, e do outro lado o PT e sua tropa vão retrucar, ninguém sabe exatamente com o que, talvez quem sabe com movimento de massas. Mas isso eu acho remoto.


Texto Anterior: Marcos Valério pagou empresa de Freud Godoy
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.