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ENTREVISTA DA 2ª
Descontrole virá só se novo governo fizer muitas besteiras
Taxa de inflação não deve sair do controle, diz Fipe
MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO
A alta do dólar e as expectativas
geradas pela eleição presidencial
colocaram a taxa de inflação bem
acima do que se esperava para este final de ano. Apesar dessa alta,
o perigo de descontrole da inflação praticamente inexiste, segundo Heron do Carmo, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
Há 25 anos acompanhando as
pesquisas de preços da Fipe, Heron diz que o descontrole da inflação virá se o novo governo fizer
muita besteira. Entre essas besteiras, ele inclui a não adoção de
uma política econômica conservadora que mantenha sob controle as políticas fiscal e monetária.
Heron diz que os dois candidatos -Lula e Serra- têm uma política econômica semelhante e serão capazes de conter a inflação.
Quanto às medidas adotadas pelo
Banco Central nas duas últimas
semanas para controlar o câmbio
e a inflação -uma delas foi a elevação da taxa básica de juros de
18% para 21%-, o economista
diz que elas não resolvem, mas
ajudam a conter as expectativas.
A inflação se manterá acima das
expectativas neste final de ano
porque muitos preços que estão
represados agora -caso dos alimentos, da gasolina e do gás- terão de ser corrigidos nos próximos meses por causa da alta do
dólar. A taxa de 2002 deverá ficar
em 5,5%, segundo a Fipe -no
início do ano esperava-se 4%.
A seguir, os principais trechos
da entrevista.
Folha - A inflação está subindo.
De um a dez, quais as chances de
voltarmos ao descontrole da taxa?
Heron do Carmo - Reformulo a
sua pergunta. De um a cem, as
chances são inferiores a um.
Folha - Mesmo com a mudança de
governo?
Heron - Perigo de descontrole
existe em qualquer país, até nos
com inflação controlada. No Brasil, estamos longe do perigo de
novo descontrole. O que poderia
gerar o descontrole seria o descontrole da política econômica.
Folha - O que pode levar a esse
descontrole?
Heron - O próximo presidente
fazer muita besteira.
Folha - Que tipo de besteira?
Heron - Por exemplo, não adotar
uma política econômica conservadora para manter o ajuste fiscal
e tranquilizar o mercado, não estimular as exportações e não conter
os gastos públicos. Um governo
que não fizer isso, levaria o país
não só ao risco econômico, mas
até político.
Folha - Estamos longe do descontrole inflacionário, então?
Heron - Haverá descontrole se o
governo mudar a política econômica de uma forma que [a mudança" seja percebida pelo mercado como um afrouxamento. Haverá perigo também se o governo
deixar de se preocupar com o superávit fiscal no curto prazo, se
afrouxar a política monetária e se
adotar uma política muito permissiva de reajustes no setor público. Se prevalecer o bom senso,
a inflação não volta.
Folha - Os dois candidatos à Presidência têm chances de manter a inflação sob controle?
Heron - Sim. As chances de a inflação sair do controle são muito
pequenas e estão condicionadas a
ações do próximo governo, qualquer que seja o vencedor.
Folha - O que ocorre com a inflação que, ao contrário das previsões
iniciais, está em alta?
Heron - A alta da inflação se deve
à flutuação cambial, que também
está bem acima do que se previu.
E isso afeta os preços das commodities e dos alimentos.
Folha - A alta da inflação se deve
só ao câmbio neste momento?
Heron - É o maior problema,
mas o câmbio está associado à
credibilidade. Estamos há quase
dez anos com um padrão de política econômica, que começou ainda no governo de Itamar Franco,
e há certa incerteza com relação
ao que vem por aí. As dúvidas
causam essa perturbação toda.
Folha - Quando acaba essa perturbação?
Heron - Desde que o presidente
eleito consiga dar um norte para a
política econômica, ele acalmará
os mercados e, consequentemente, o câmbio. Com isso, teremos
taxas inferiores a 10% ao ano.
Folha - Qual esse norte?
Heron - Manter, em linhas gerais, o que vem sendo feito. Não
vejo muita possibilidade de serem
feitas coisas diferentes, principalmente quando se trata de questões macroeconômicas.
Folha - Existem diferenças entre
as políticas econômicas dos dois
candidatos?
Heron - As duas são semelhantes, apesar dos discursos. Não há
muita divergência com relação ao
que deverá ser feito. Não vejo incompatibilidade entre manter as
linhas do ponto de vista fiscal e
monetário com a gestão de maiores benefícios. Há muito a se fazer
nessa linha, mas não é necessário
mexer na politica econômica.
Folha - Após as eleições, os preços
se acalmam?
Heron - Temos um resíduo dos
últimos meses, e a taxa de inflação
ficará um pouco acima do previsto. Só teremos uma mudança desse cenário após o primeiro semestre do próximo ano.
Folha - Isso significa inflação elevada em 2003?
Heron - Não. A inflação de 2003
poderá ficar até abaixo dos 5,5%
previstos para este ano pela Fipe.
A de 2003 deve ficar em 5%.
Folha - Como está a reposição de
margens pelas empresas?
Heron - A demanda e a disputa
pelo mercado impedem reajustes.
As empresas não têm mais as condições de manter os preços reduzindo a produção, como faziam
antes. Se reduzirem a produção,
entra um fornecedor externo.
Folha - Mas o dólar elevado impede as importações...
Heron - Mesmo assim, os preços
internos não devem subir. Se
acompanharem o dólar, inviabilizam as vendas.
Folha - Como o câmbio afeta os
preços finais ao consumidor?
Heron - De diferentes maneiras e
em diferentes momentos, além de
atingir diferentes produtos. O impacto é mais imediato sobre os
produtos importados e exportados. É o caso da farinha de trigo,
do pão, do óleo de soja e do café.
Folha - O repasse é imediato?
Heron - É mais imediato nos alimentos. Em alguns casos, ele vem
em apenas algumas semanas. Em
outros, demora até meses.
Folha - E sobre as tarifas?
Heron - Depende do calendário
dos reajustes, porque o câmbio
afeta os indexadores que servem
para corrigir os preços dessas tarifas. Mas elas são reajustadas apenas uma vez por ano.
Folha - Não é o caso da gasolina?
Heron - Não. No caso da gasolina
e do gás, o reajuste segue a variação do petróleo e do câmbio. Os
reajustes são mais rápidos. E devem recomeçar logo após as eleições, com a nova pressão cambial.
Folha - E o efeito da gasolina pesará sobre os demais preços...
Heron - Exatamente. A valorização cambial vai afetar os preços
do petróleo, que vão puxar os preços dos derivados, embalagens,
papel e derivados, custo de produção etc. E essa pressão de custo
será repassada gradualmente, à
medida que a demanda permitir.
Folha - Então temos uma pressão
represada?
Heron - Teremos uma pressão
mais localizada neste final de ano.
Já em São Paulo, haverá uma
pressão concentrada em meados
do próximo ano, devido à concentração das tarifas. Essa pressão
deverá provocar aumento nas taxas mensais de inflação acima do
que se previa por conta desse efeito disseminado da pressão cambial sobre todos os produtos.
Folha - O que fica fora da pressão
cambial?
Heron - Os serviços, principalmente os privados, incluindo aí o
aluguel.
Folha - Isso por causa da queda
na renda?
Heron - Exatamente. O aumento
das tarifas compromete a renda livre das famílias e, com isso, elas
reduzem a demanda por serviços.
Folha - E nos supermercados?
Heron - A renda também vai definir aumentos de preços. Como a
inflação está acima do previsto,
teremos reduções no rendimento
médio dos consumidores.
Folha - Quais os efeitos dessa inflação maior sobre a economia?
Heron - A inflação elevada provocará retração no nível de atividade. Muitos setores, devido à
fraca demanda, vão demitir trabalhadores ou contratar menos
mão-de-obra especializada.
Folha - A alta dos juros de 18%
para 21% veio na medida certa?
Heron - Foi na direção correta,
mas é pouco provável que tenha
efeito significativo sobre o câmbio
e sobre a inflação.
Folha - Por quê?
Heron - Porque os juros já eram
elevados e continham a demanda.
Folha - E sobre o câmbio?
Heron - Também não terá impacto significativo porque a taxa
de juros embutida nos contratos
de câmbio é muito alta e muito
maior do que a taxa estabelecida
pelo Banco Central.
Folha - A alta dos juros foi desnecessária, então?
Heron - Não. Ela terá alguns efeitos sobre as expectativas. Foi mais
uma medida adicional àquelas
que o BC já tinha tomado uma semana antes para reduzir a exposição cambial dos bancos, como a
redução dos compulsórios.
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