São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Descontrole virá só se novo governo fizer muitas besteiras

Taxa de inflação não deve sair do controle, diz Fipe

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

A alta do dólar e as expectativas geradas pela eleição presidencial colocaram a taxa de inflação bem acima do que se esperava para este final de ano. Apesar dessa alta, o perigo de descontrole da inflação praticamente inexiste, segundo Heron do Carmo, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
Há 25 anos acompanhando as pesquisas de preços da Fipe, Heron diz que o descontrole da inflação virá se o novo governo fizer muita besteira. Entre essas besteiras, ele inclui a não adoção de uma política econômica conservadora que mantenha sob controle as políticas fiscal e monetária.
Heron diz que os dois candidatos -Lula e Serra- têm uma política econômica semelhante e serão capazes de conter a inflação. Quanto às medidas adotadas pelo Banco Central nas duas últimas semanas para controlar o câmbio e a inflação -uma delas foi a elevação da taxa básica de juros de 18% para 21%-, o economista diz que elas não resolvem, mas ajudam a conter as expectativas.
A inflação se manterá acima das expectativas neste final de ano porque muitos preços que estão represados agora -caso dos alimentos, da gasolina e do gás- terão de ser corrigidos nos próximos meses por causa da alta do dólar. A taxa de 2002 deverá ficar em 5,5%, segundo a Fipe -no início do ano esperava-se 4%.
A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - A inflação está subindo. De um a dez, quais as chances de voltarmos ao descontrole da taxa?
Heron do Carmo -
Reformulo a sua pergunta. De um a cem, as chances são inferiores a um.

Folha - Mesmo com a mudança de governo?
Heron -
Perigo de descontrole existe em qualquer país, até nos com inflação controlada. No Brasil, estamos longe do perigo de novo descontrole. O que poderia gerar o descontrole seria o descontrole da política econômica.

Folha - O que pode levar a esse descontrole?
Heron -
O próximo presidente fazer muita besteira.

Folha - Que tipo de besteira?
Heron -
Por exemplo, não adotar uma política econômica conservadora para manter o ajuste fiscal e tranquilizar o mercado, não estimular as exportações e não conter os gastos públicos. Um governo que não fizer isso, levaria o país não só ao risco econômico, mas até político.

Folha - Estamos longe do descontrole inflacionário, então?
Heron -
Haverá descontrole se o governo mudar a política econômica de uma forma que [a mudança" seja percebida pelo mercado como um afrouxamento. Haverá perigo também se o governo deixar de se preocupar com o superávit fiscal no curto prazo, se afrouxar a política monetária e se adotar uma política muito permissiva de reajustes no setor público. Se prevalecer o bom senso, a inflação não volta.

Folha - Os dois candidatos à Presidência têm chances de manter a inflação sob controle?
Heron -
Sim. As chances de a inflação sair do controle são muito pequenas e estão condicionadas a ações do próximo governo, qualquer que seja o vencedor.

Folha - O que ocorre com a inflação que, ao contrário das previsões iniciais, está em alta?
Heron -
A alta da inflação se deve à flutuação cambial, que também está bem acima do que se previu. E isso afeta os preços das commodities e dos alimentos.

Folha - A alta da inflação se deve só ao câmbio neste momento?
Heron -
É o maior problema, mas o câmbio está associado à credibilidade. Estamos há quase dez anos com um padrão de política econômica, que começou ainda no governo de Itamar Franco, e há certa incerteza com relação ao que vem por aí. As dúvidas causam essa perturbação toda.

Folha - Quando acaba essa perturbação?
Heron -
Desde que o presidente eleito consiga dar um norte para a política econômica, ele acalmará os mercados e, consequentemente, o câmbio. Com isso, teremos taxas inferiores a 10% ao ano.

Folha - Qual esse norte?
Heron -
Manter, em linhas gerais, o que vem sendo feito. Não vejo muita possibilidade de serem feitas coisas diferentes, principalmente quando se trata de questões macroeconômicas.

Folha - Existem diferenças entre as políticas econômicas dos dois candidatos?
Heron -
As duas são semelhantes, apesar dos discursos. Não há muita divergência com relação ao que deverá ser feito. Não vejo incompatibilidade entre manter as linhas do ponto de vista fiscal e monetário com a gestão de maiores benefícios. Há muito a se fazer nessa linha, mas não é necessário mexer na politica econômica.

Folha - Após as eleições, os preços se acalmam?
Heron -
Temos um resíduo dos últimos meses, e a taxa de inflação ficará um pouco acima do previsto. Só teremos uma mudança desse cenário após o primeiro semestre do próximo ano.

Folha - Isso significa inflação elevada em 2003?
Heron -
Não. A inflação de 2003 poderá ficar até abaixo dos 5,5% previstos para este ano pela Fipe. A de 2003 deve ficar em 5%.

Folha - Como está a reposição de margens pelas empresas?
Heron -
A demanda e a disputa pelo mercado impedem reajustes. As empresas não têm mais as condições de manter os preços reduzindo a produção, como faziam antes. Se reduzirem a produção, entra um fornecedor externo.

Folha - Mas o dólar elevado impede as importações...
Heron -
Mesmo assim, os preços internos não devem subir. Se acompanharem o dólar, inviabilizam as vendas.

Folha - Como o câmbio afeta os preços finais ao consumidor?
Heron -
De diferentes maneiras e em diferentes momentos, além de atingir diferentes produtos. O impacto é mais imediato sobre os produtos importados e exportados. É o caso da farinha de trigo, do pão, do óleo de soja e do café.

Folha - O repasse é imediato?
Heron -
É mais imediato nos alimentos. Em alguns casos, ele vem em apenas algumas semanas. Em outros, demora até meses.

Folha - E sobre as tarifas?
Heron -
Depende do calendário dos reajustes, porque o câmbio afeta os indexadores que servem para corrigir os preços dessas tarifas. Mas elas são reajustadas apenas uma vez por ano.

Folha - Não é o caso da gasolina?
Heron -
Não. No caso da gasolina e do gás, o reajuste segue a variação do petróleo e do câmbio. Os reajustes são mais rápidos. E devem recomeçar logo após as eleições, com a nova pressão cambial.

Folha - E o efeito da gasolina pesará sobre os demais preços...
Heron -
Exatamente. A valorização cambial vai afetar os preços do petróleo, que vão puxar os preços dos derivados, embalagens, papel e derivados, custo de produção etc. E essa pressão de custo será repassada gradualmente, à medida que a demanda permitir.

Folha - Então temos uma pressão represada?
Heron -
Teremos uma pressão mais localizada neste final de ano. Já em São Paulo, haverá uma pressão concentrada em meados do próximo ano, devido à concentração das tarifas. Essa pressão deverá provocar aumento nas taxas mensais de inflação acima do que se previa por conta desse efeito disseminado da pressão cambial sobre todos os produtos.

Folha - O que fica fora da pressão cambial?
Heron -
Os serviços, principalmente os privados, incluindo aí o aluguel.

Folha - Isso por causa da queda na renda?
Heron -
Exatamente. O aumento das tarifas compromete a renda livre das famílias e, com isso, elas reduzem a demanda por serviços.

Folha - E nos supermercados?
Heron -
A renda também vai definir aumentos de preços. Como a inflação está acima do previsto, teremos reduções no rendimento médio dos consumidores.

Folha - Quais os efeitos dessa inflação maior sobre a economia?
Heron -
A inflação elevada provocará retração no nível de atividade. Muitos setores, devido à fraca demanda, vão demitir trabalhadores ou contratar menos mão-de-obra especializada.

Folha - A alta dos juros de 18% para 21% veio na medida certa?
Heron -
Foi na direção correta, mas é pouco provável que tenha efeito significativo sobre o câmbio e sobre a inflação.

Folha - Por quê?
Heron -
Porque os juros já eram elevados e continham a demanda.

Folha - E sobre o câmbio?
Heron -
Também não terá impacto significativo porque a taxa de juros embutida nos contratos de câmbio é muito alta e muito maior do que a taxa estabelecida pelo Banco Central.

Folha - A alta dos juros foi desnecessária, então?
Heron -
Não. Ela terá alguns efeitos sobre as expectativas. Foi mais uma medida adicional àquelas que o BC já tinha tomado uma semana antes para reduzir a exposição cambial dos bancos, como a redução dos compulsórios.


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