São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 2002

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SEGUNDO TURNO

Petista critica tática do medo adotada pelo rival; tucano relaciona vitória do adversário a estelionato ou ruína

Lula e Serra discursam e travam duelo na TV

RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A eleição do próximo domingo ganhou cores tensas ontem quando os dois candidatos à Presidência da República, José Serra, do PSDB, e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, travaram duelos no horário nobre da televisão. Um, público, na propaganda eleitoral gratuita de ambos. O outro foi nos bastidores de uma emissora de TV de São Paulo.
Apesar da pesquisa Datafolha, que aponta ampla vantagem de Lula na corrida sucessória, Serra atacou e disse que a eleição do seu adversário pode se transformar no "maior estelionato eleitoral, depois da eleição de Collor" ou levar "o Brasil à ruína".
Prevenido sobre o "grande pronunciamento" de Serra, alardeado ao longo da semana pela propaganda tucana, Lula, que abriu o horário eleitoral da noite, resolveu também fazer um discurso forte a fim de tentar neutralizar a fala do adversário:
"É inaceitável [..." a tática usada pelo candidato do governo, que tenta nessa última semana, antes das eleições, e de forma absolutamente irresponsável, amedrontar o povo brasileiro, falando inclusive dos riscos dessa crise para nossa economia como se a culpa por essa crise não fosse deles, afirmando ainda insistentemente que ele, e só ele, sabe como resolver esse grave problema."
Pouco antes de os dois programas serem exibidos, uma situação constrangedora. Serra gravou uma entrevista para a TV Bandeirantes. Logo depois, soube que o candidato petista seria entrevistado ao vivo pela emissora.
Integrantes da campanha de Serra rumaram para a TV, onde já se encontravam Lula e equipe. O tucano, que retardou sua ida a Osasco, cidade da região metropolitana de São Paulo, para um comício, exigia também entrar ao vivo, segundo seus assessores. Mas a emissora, no final, resolveu também gravar com Lula, e não mais entrevistá-lo ao vivo.

Santo e demônio
Anunciada com antecedência, a fala de Serra provocou uma série de especulações, inclusive a de que ele iria atacar a vida privada de Lula. No final, a fala do tucano nada mais foi do que um resumo, na boca do candidato, do que sua campanha vem dizendo.
Tomando o cuidado em dizer que Lula não era "um demônio perigoso, coisa que muito fizeram no passado", mas que também não era "um santo" e sim um candidato que "deve ser questionado", Serra procurou fazer um contraponto entre o que Lula diz para o povo e o que diz para empresários e para o FMI.
E deu o bote: "Se o Lula fosse eleito, estaríamos diante de duas possibilidades: ou ele cumpriria seus compromissos recentemente assumidos com os empresários e estaríamos, assim, diante do maior estelionato eleitoral, depois da eleição de Collor; ou, se tentasse cumprir suas promessas mágicas com a população, levaria o Brasil à ruína."

FHC
Já Lula disse não duvidar das "boas intenções" do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas afirmou que não podia admitir que FHC e Serra tentassem "fugir da responsabilidade dos seus erros que, entre tantos prejuízos causados ao nosso país, resultou em 12 milhões de desempregados, maior índice de desemprego da história do Brasil".
E também aproveitou para dar o bote: "É de se perguntar: se ele sabe como resolver essa crise, por que já não fez isso antes? Se desde o começo do governo ele [Serra" foi um dos seus homens mais fortes e mais influentes".
Serra fez um apelo dramático: "Em apenas um dia nós vamos decidir o que vai acontecer nos próximos quatro anos. Em um dia e em quatro anos -a história mostra- se decidem décadas.
E reforçou:
"Eu quero dizer que, para mim, as opções do Brasil, felizmente, não são apenas a do estelionato eleitoral ou a da ruína."

Pacto
Contrapondo-se ao discurso agressivo de Serra, Lula disse que não vai governar o país sozinho e prometeu "um governo de paz, sem mágoas e sem rancores", que terá como "marca o entendimento e a negociação".
"Mais do que nunca, será preciso fazer um pacto pelo país, numa autêntica união", disse.
Para Serra, foi uma espécie de última cartada tucana para tentar reverter um quadro eleitoral amplamente desfavorável, como detectou a pesquisa Datafolha divulgada ontem, na qual o petista aparece com 61% das intenções de voto e Serra com 32%.
Isso porque, embora a posição de Serra na pesquisa não tenha se alterado após uma semana de cerrados ataques ao PT, a campanha concluiu que esse é o único discurso capaz de "incomodar" o eleitor de Lula que vota contra o governo só porque quer mudar.
Serra ficou até as 6h30 de ontem na produtora de TV, dando os retoques finais no programa eleitoral da noite.
Além de tentar colocar o eleitor no dilema "estelionato eleitoral ou ruína do país", a estratégia de Serra também é voltada para o futuro: desde já os tucanos preparam o discurso para o fracasso de um eventual governo Lula. O discurso torna mais difícil a participação do PSDB num eventual governo do PT.
Serra vai tentar manter a campanha como se ela estivesse em ritmo de "virada". Com isso, tenta impedir que ela seja tomada pelo derrotismo. Hoje, ele estará em Minas com Aécio Neves (PSDB); na terça, deve ir a Pernambuco com Jarbas Vasconcelos (PMDB). Paralelamente, o comando político articula o que a campanha chama de "segmentos relevantes de agregação de votos", como os evangélicos, os prefeitos e organizações da sociedade civil.
O esforço tucano para manter o ânimo da militância destina-se também a evitar o que o coordenador-técnico da campanha, Luiz Paulo Vellozo Lucas (ES), chama de "efeito corrida de cavalo". Ou seja, a tendência de um segmento do eleitorado de votar no candidato que ele julga que vai ganhar, mesmo que admitisse apostar naquele posicionado em segundo lugar.
O "efeito corrida de cavalo" pode transformar em goleada uma vitória que poderia ocorrer por um placar menor.


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