São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2004

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ECOS DO REGIME

Ministro afirma que apenas arquivo sobre o Araguaia foi destruído

Sem "motivação", Viegas diz que vai buscar documentos

EDUARDO SCOLESE
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro José Viegas (Defesa) afirmou ontem que, apesar de não estar "motivado", vai buscar informações nos arquivos do governo federal e do Exército para saber da existência ou não de documentos sobre a atuação repressiva das Forças Armadas durante a ditadura militar (64-85).
"Eu vou procurar me informar a esse respeito [da existência de documentos] (...) Veja, eu não tenho nenhuma motivação de ficar revolvendo estes casos do passado. Eles pertencem à história e devem ser analisados por historiadores. Não fazem parte da preocupação imediata do ministro da Defesa", afirmou, pela manhã, no Palácio do Planalto.
Antes, passou pela Câmara, onde também tratou do tema. "Vamos ver, se for necessário, evidentemente que sim."
Para Viegas, a única certeza que existe é sobre a incineração dos documentos referentes à guerrilha do Araguaia -movimento armado de integrantes do PC do B que atuou na divisa dos Estados do Tocantins (na época, Goiás), Pará e do Maranhão, entre os anos de 1972 e 1975.
Os conflitos com as Forças Armadas começaram em 1972, mas somente três anos depois o foco guerrilheiro foi completamente destruído. "Todas as minhas declarações sobre arquivos se referem ao Araguaia, e não a outros arquivos", disse.

Nota infeliz
Em nota divulgada no último domingo, o Exército afirmou que a Defesa "tem, insistentemente, enfatizado que não há documentos históricos" que comprovem mortes durante as operações militares na ditadura.
"Esse foi um dos pontos em que a nota é muito infeliz. O Ministério da Defesa tem dito e continuo a dizer que não há arquivos oficiais referentes ao episódio da guerrilha do Araguaia (...) Eu não tenho dúvidas que eles foram queimados (...) Transformar essa afirmação em uma exoneração mais ampla com relação a outros episódios é absolutamente indevido, de maneira que isso não corresponde aos fatos", afirmou.
Ontem, em entrevistas, Viegas aproveitou para criticar mais uma vez o teor da primeira nota divulgada pela Força acerca de fotos inéditas que supostamente mostram o jornalista Vladimir Herzog antes de morrer sob custódia do Exército, em 1975. O laudo oficial da época apontou "suicídio" como a causa da morte.
Anteontem, sob pressão de Viegas e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Exército recuou da primeira nota, divulgando um texto de retratação. Na primeira versão, a Força defendeu a repressão da ditadura.

Desgaste
Em conversas reservadas na manhã de ontem em Brasília, o presidente Lula julgou superada a crise. Apesar disso, o desgaste do ministro Viegas aumentou, o que eleva a possibilidade de ele vir a ser substituído na reforma ministerial que Lula pretende fazer após as eleições municipais.
Para o ministro, "o caso Herzog" também se encerrou com a retratação do Exército. Ele disse não acreditar numa reação negativa dos militares por causa do episódio.
"Eu espero que não haja nenhuma reação nesse sentido. A nota de correção era necessária para corrigir distorções e enfoques errôneos que a nota publicada no domingo continha."
Na Câmara, Viegas participou de comemoração ao Dia do Aviador e ao Dia da Força Aérea Brasileira. Os comandantes da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno, e da Marinha, almirante Roberto de Guimarães Carvalho, também compareceram ao evento.
Eles não quiseram fazer comentários sobre a existência de supostos arquivos nem sobre a crise iniciada com a primeira nota do Exército. A assessoria de comunicação da Aeronáutica reafirmou que não possui arquivos da repressão durante o regime militar.
O comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, responsável pela nota de retratação de anteontem, não foi à solenidade e mandou representante. Segundo a Força, ele participou durante todo o dia de reunião do Alto Comando do Exército.


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