São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

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JANIO DE FREITAS

Os dois impasses

Os dois aspectos do aumento gigante provêem igualmente da proliferação da falta de decoro pessoal e político

O IMPASSE DECORRENTE da inconciliação de contrapropostas ao aumento-gigante é, além de desdobramento da decisão do Supremo Tribunal Federal, um reflexo do impasse que cresce entre a opinião pública e a proliferação, impune e crescente, da falta de decoro pessoal, político e funcional entre congressistas. A aprovação do aumento-gigante e o quase total apoio que recebeu, na Câmara como no Senado, têm dois aspectos cujas naturezas diferentes não negam sua mesma procedência.
Um deles é o aspecto formal e legal. Os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Aldo Rebelo, reúnem as Mesas Diretoras e os líderes partidários das duas Casas, no total de 29 deputados e senadores. Com uma abstenção (Ideli Salvatti) e três votos contra (Chico Alencar, Heloísa Helena e Henrique Fontana), 26 deles aprovam o aumento por uma forma gritantemente incompatível com a Constituição. Quem quiser imaginar que isso se deveu a desconhecimento do texto constitucional, inclusive de emenda na Constituição votada por vários deles, aproveite a hora que é de Papai Noel.
Ali, entre os representantes do PMDB, do PFL e do PDT, conduzindo ou inspirando a reunião, estavam conhecedores notórios e requintados da Constituição e dos Regimentos Internos. A única explicação possível para a forma dada à adoção do aumento é a pior: a conjunção de descaso pelas normas, inclusive as constitucionais; falta de respeito público, ou de ética; e interesse pessoal como motivação.
O outro aspecto é o montante do aumento autoconcedido, 91% em uma só tacada, quando aqueles mesmos reunidos discutem ou testemunham as condições dramáticas em que aposentados da CLT, doentes de hospitais públicos, famílias do salário mínimo ou nem mínimo, tantas dezenas de milhares carecem em vão das insignificâncias que, na Câmara e no Senado, lhes são negadas em nome da inconveniência de gastos. Não é que o aumento-gigante ao menos atenuasse algum daqueles problemas. Mas é o despudor, a desfaçatez de cevar-se no dinheiro público com tamanha voracidade. E a fraude, porque os 15 salários e os subsídios marotos elevariam o ganho muito além da alegada igualdade com os vencimentos no Supremo Tribunal Federal, como já foi mostrado aqui.
Os dois aspectos do aumento-gigante provêem, igualmente, da proliferação da falta de decoro pessoal, político e funcional entre os congressistas. O que resulta em um impasse com a opinião pública que não se vê como resolver.

Presente
Com seu habitual estilo Choque da PM, a deputada Luciana Genro acusou-me da "grande injustiça" de não a incluir nos deputados "que adotaram atitude imediata e espontânea, antes de qualquer indício da indignação cá de fora", contra a comunicação do aumento-gigante. O argumento da deputada, do qual não ousei duvidar, é de que logo deu entrevista a uma rádio. Em Porto Alegre. Porque no dia importante do aumento a combativa deputada não estava na Câmara, nem em Brasília. E no Rio temos a deficiência cultural de não ouvir suas entrevistas em Porto Alegre. Mas aí está: Luciana Genro não faltou com seu equilíbrio e sensatez em relação ao aumento. Nem na acusação a mim e a frases que não escrevi.


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