São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 2005

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TO BE OR NOT TO BE

Para ministro das Relações Exteriores, fim de teste eliminatório vai democratizar o acesso à carreira

Inglês limitado é ação afirmativa, diz Amorim

CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Para o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, acabar com o caráter eliminatório da prova de inglês para a carreira diplomática equivale a uma ação afirmativa -ou seja, um dispositivo oficial para democratizar o acesso ao Itamaraty.
Aborrecido com as críticas que recebeu por causa da polêmica decisão de retirar o caráter eliminatório da prova de inglês do teste para entrar no Instituto Rio Branco, Amorim, 62, disse que o Itamaraty pretende assumir os custos de formar potenciais futuros diplomatas que não "trouxeram o conhecimento da língua estrangeira do berço".

 

Folha - Por que o Itamaraty alterou a regra do teste de inglês?
Celso Amorim -
É preciso esclarecer que o inglês não foi eliminado do concurso nem deixará de ser obrigatório, apenas deixará de ser eliminatório. O diplomata brasileiro continuará tendo de saber inglês, como deverá saber outras línguas também. O que o Itamaraty resolveu foi tomar para si os custos da complementação necessária para que o diplomata tenha o domínio da língua.

Folha - Qual o objetivo?
Amorim -
É alargar o leque de pessoas que possam vir a ser diplomatas. Há muitas pessoas que eu conheci ao longo da vida que teriam todas as condições para ser diplomatas, mas que talvez tivessem dificuldade de passar em um exame de inglês eliminatório.

Folha - Se a pessoa tiver conhecimento mínimo em inglês, ela vai poder ingressar no Rio Branco?
Amorim -
Ela poderá entrar porque justamente nós estamos eliminando o caráter eliminatório, mas o edital do Rio Branco ainda não ficou pronto. Há detalhes que ainda não estão resolvidos. O importante é que o Estado brasileiro, por meio do Itamaraty, está tomando para si a responsabilidade de dar uma formação a pessoas que tenham competência para ser diplomata, mas que ainda não puderam, por dificuldades financeira ou por circunstâncias de vida, ter completado os conhecimentos nessa aptidão.

Folha - Os dois anos de curso do Rio Branco são suficientes para aprender inglês? Não deveriam ser para ensinar a utilizar essa ferramenta no exercício da diplomacia?
Amorim -
Eu acho que a pessoa vai aprender a ferramenta, obviamente voltada para esse objetivo. Mas, se em dois anos a pessoa não tiver atingido nível suficiente, ela continuará, poderá até começar a exercer a função diplomática, mas poderá não ser removida para o exterior. Eu vejo nisso uma preocupação excessiva. Ninguém vai passar no Rio Branco só com inglês de colégio, isso é certo.
Hoje em dia se fala muito em ação afirmativa. Não estou falando somente em ação afirmativa com relação a raça, mas em geral, com relação a classe social e tudo. Ação afirmativa é assumir para o Estado a responsabilidade que o Estado não conseguiu cumprir antes, que foi dar uma formação adequada a todo mundo.

Folha - Negociações internacionais envolvem detalhes semânticos, muitas vezes cruciais, que dão vantagens para negociadores de língua inglesa. Isso não pode ser uma desvantagem para o Brasil?
Amorim -
Detalhes semânticos, muitas vezes, envolvem tradução. Você tem de saber as várias línguas. Não só inglês. Tem de saber mais inglês porque, em geral, a negociação é em inglês, mas você não tem de ser fluente em Shakespeare. As pessoas acham que eu sou idiota? Como pode passar pela cabeça de alguém que achamos que diplomata não precisa saber inglês?
A ação afirmativa não é para ajudar alguns coitadinhos, é para tornar nossa carreira mais representativa da realidade brasileira. O Itamaraty não tem de ser só para a elite econômica, que muitas vezes é diferente da elite intelectual, tem de ser para todos.

Folha - O diplomata do futuro terá que saber mais sobre problemas sociais e menos sobre champanhe, safra de vinho e coquetéis?
Amorim -
O coquetel e o champanhe ajudam também, às vezes. Não vamos denegrir tudo o que foi feito. Mas o principal requisito de um diplomata é estar imbuído da necessidade de defender os interesses de seu país.


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