São Paulo, terça-feira, 22 de janeiro de 2008

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Ex-militante se lembra de gritos de ajuda em espanhol vindos da pior cela do Dops

Marcelo Soares/Folha Imagem
A professora da Unicamp Sônia Miriam Draibe, 64, que ficou presa no Dops no fim de 1973


DA REPORTAGEM LOCAL

Gritos de "ajuda" e "socorro" em espanhol vindos de uma cela no Dops em novembro de 1973 desde então foram uma interrogação para a professora da Unicamp (Universidade de Campinas) Sônia Miriam Draibe, 64, ex-militante da organização de esquerda Polop (Política Operária), presa pelo Exército e pelo Dops em 1971 e 1973, respectivamente. Ela nunca soube quem era o dono de tal voz.
No último domingo, ao ler na Folha reportagem sobre a localização de familiares de Miguel Sabat Nuet (1923-1973), Sônia disse ter tido a certeza de que era ele a pessoa que ocupava, naqueles dias, a pior cela do Dops, conhecida como "fundão" ou "forninho".
"Sempre ouvimos descrições horrorosas sobre aquela cela. Isolavam a pessoa como uma punição. Era uma tortura", disse Sônia. "Lembro bem dos gritos, duravam o dia todo. Ele repetia brados, gritos, invocações. Dizia: "Maria, Socorro", "Maria del Socorro", "Santa Maria", "Ajude-me'", recordou-se Sônia. Segundo seus familiares, Nuet era muito católico e produziu o que chamou de "escritos teológicos".
Alarmada com os gritos, Sônia uma vez pediu explicações a um carcereiro, que lhe respondeu tratar-se de "um argentino louco". Nuet havia morado em Buenos Aires.
A professora e a pessoa que ela identifica como sendo Miguel eram os únicos presos do Dops entre os dias 23 e 26, quando foi transferida da delegacia para o DOI-Codi, órgão do Exército na rua Tutóia. Segundo a versão da polícia, Miguel teria se matado entre 27 e 30 de novembro.
A professora havia sido detida por ter voltado do Chile, que sofrera um golpe de Estado em setembro daquele ano. Em 1971, já havia sido presa por ligações com a Polop.
Sônia contou que o delegado Sérgio Paranhos Fleury, morto em 1979 em Ilhabela (SP), comandava os interrogatórios na delegacia. Foi ele o autor do seu interrogatório, que durou só dois minutos. Sônia disse ter tido sorte: no dia 23 a delegacia comemorava, com bebida alcoólica, a aprovação da "Lei Fleury", feita sob encomenda e que facultava ao juiz a possibilidade de não decretar a prisão de réus primários. Fleury era acusado de chefiar grupos de extermínio em São Paulo. (RV)


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