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São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 2003

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EVENTO

Obrigação de comprovar gasto com alimento é um dos pontos mais controvertidos

Economistas divergem sobre funcionamento do Fome Zero

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A obrigação de os beneficiados pelo Fome Zero justificarem a compra exclusiva de alimentos foi um dos temas dominantes do debate promovido quarta-feira no auditório da Folha, sobre aquele programa apresentado como prioritário por Luiz Inácio Lula da Silva.
Participaram do debate o economista Walter Belik, professor da Unicamp e co-autor do projeto, Marcelo Néri, chefe do Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, e Marcio Pochmann, secretário do Trabalho, Desenvolvimento e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo.
O mediador foi o jornalista Gilberto Dimenstein, integrante do Conselho Editorial do jornal.
As formas de comprovar os gastos têm sido o aspecto mais controvertido do Fome Zero. A objeção foi desta vez levantada por Marcelo Néri. Segundo ele, "não faz sentido" obrigar a pessoa pobre e analfabeta a juntar notas fiscais. "Se há fiscalização, não vai funcionar", disse, mesmo porque "as pessoas têm fome de varias coisas" -e não só de alimentos.
Walter Belik, embora não integre o governo federal, fez a defesa do Fome Zero ao argumentar que as supostas notas fiscais eram objeto de boataria e de "invenção de jornalistas". [Em verdade, a obrigatoriedade de gastos exclusivos com alimentos está na pág. 16 da versão definitiva do projeto, publicado em outubro de 2001 pelo Instituto Cidadania. A exigência de nota fiscal pode ser feita pelas comissões gestoras municipais, segundo o governo.]
Belik disse que o modelo se inspira no programa norte-americano de assistência a famílias em risco alimentar, o "Food Stamp", e que os cupons em poder dos beneficiados servem apenas para comprar mantimentos.
Marcio Pochmann acabou involuntariamente abastecendo a discussão ao informar que nos programas paulistanos de complementação de renda 70% do dinheiro distribuído se destina à compra de comida. Ou seja, mais que uma obrigação, o consumo é ditado por uma necessidade.
Mas Pochmann disse que a comprovação dos gastos era para o Fome Zero apenas "um detalhe de operacionalização", e que não se deve perder a dimensão social de algo que pela primeira vez a sociedade discute tão amplamente.
Foi este, aliás, o único amplo consenso entre os debatedores. Por mais que há décadas surjam iniciativas oficiais isoladas no campo da nutrição, foi com o Fome Zero que a questão sensibilizou com o peso de grande prioridade a agenda nacional.
O reverso da moeda está no cuidado extremo que o governo deve tomar para não desapontar a expectativa criada junto à sociedade. Foi o que, com palavras diferentes, disseram os debatedores.
Eles tampouco polemizaram sobre a quantidade de brasileiros que estejam em situação de insegurança alimentar ou que sofram de desnutrição. O ministro José Graziano trabalha com o número de 44 milhões. Belik se referiu a 46 milhões. Pode ser menos que isso, disse Néri, mas é uma questão arbitrária, e por conta dela o governo não pode ser criticado, embora o ideal seja a definição de critérios oficiais, inexistentes no Brasil, do que é pobreza e do que é miséria.


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