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EVENTO
Obrigação de comprovar gasto com alimento é um dos pontos mais controvertidos
Economistas divergem sobre funcionamento do Fome Zero
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A obrigação de os
beneficiados pelo
Fome Zero justificarem a compra exclusiva de alimentos foi um dos temas dominantes do debate promovido quarta-feira no auditório
da Folha, sobre aquele programa
apresentado como prioritário por
Luiz Inácio Lula da Silva.
Participaram do debate o economista Walter Belik, professor
da Unicamp e co-autor do projeto, Marcelo Néri, chefe do Centro
de Políticas Sociais do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, e Marcio
Pochmann, secretário do Trabalho, Desenvolvimento e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo.
O mediador foi o jornalista Gilberto Dimenstein, integrante do
Conselho Editorial do jornal.
As formas de comprovar os gastos têm sido o aspecto mais controvertido do Fome Zero. A objeção foi desta vez levantada por
Marcelo Néri. Segundo ele, "não
faz sentido" obrigar a pessoa pobre e analfabeta a juntar notas fiscais. "Se há fiscalização, não vai
funcionar", disse, mesmo porque
"as pessoas têm fome de varias
coisas" -e não só de alimentos.
Walter Belik, embora não integre o governo federal, fez a defesa
do Fome Zero ao argumentar que
as supostas notas fiscais eram objeto de boataria e de "invenção de
jornalistas". [Em verdade, a obrigatoriedade de gastos exclusivos
com alimentos está na pág. 16 da versão definitiva do projeto, publicado em outubro de 2001 pelo Instituto Cidadania. A exigência
de nota fiscal pode ser feita pelas
comissões gestoras municipais,
segundo o governo.]
Belik disse que o modelo se inspira no programa norte-americano de assistência a famílias em risco alimentar, o "Food Stamp", e
que os cupons em poder dos beneficiados servem apenas para
comprar mantimentos.
Marcio Pochmann acabou involuntariamente abastecendo a
discussão ao informar que nos
programas paulistanos de complementação de renda 70% do dinheiro distribuído se destina à compra de comida. Ou seja, mais
que uma obrigação, o consumo é
ditado por uma necessidade.
Mas Pochmann disse que a
comprovação dos gastos era para
o Fome Zero apenas "um detalhe
de operacionalização", e que não
se deve perder a dimensão social
de algo que pela primeira vez a sociedade discute tão amplamente.
Foi este, aliás, o único amplo
consenso entre os debatedores.
Por mais que há décadas surjam
iniciativas oficiais isoladas no
campo da nutrição, foi com o Fome Zero que a questão sensibilizou com o peso de grande prioridade a agenda nacional.
O reverso da moeda está no cuidado extremo que o governo deve
tomar para não desapontar a expectativa criada junto à sociedade. Foi o que, com palavras diferentes, disseram os debatedores.
Eles tampouco polemizaram
sobre a quantidade de brasileiros
que estejam em situação de insegurança alimentar ou que sofram
de desnutrição. O ministro José
Graziano trabalha com o número
de 44 milhões. Belik se referiu a 46
milhões. Pode ser menos que isso,
disse Néri, mas é uma questão arbitrária, e por conta dela o governo não pode ser criticado, embora
o ideal seja a definição de critérios
oficiais, inexistentes no Brasil, do
que é pobreza e do que é miséria.
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