São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 1998

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RELIGIÃO
Grupo formado no ano passado conta com maioria masculina e evangélica, mas pretende ser mais ecumênico
Homossexuais fazem culto em bar gay

PATRICIA ZORZAN
da Reportagem Local

Eles carregam Bíblias, referem-se uns aos outros como "irmãos" e cantam juntos hinos de louvor a Deus. Mas as semelhanças com as cerimônias religiosas tradicionais terminam aí.
Prova disso foi o culto da semana passada, realizado em um bar gay, e presenciado por uma maioria de fiéis do sexo masculino.
Reunidos desde outubro do ano passado na Comunidade Cristã Gay, um grupo de cerca de 30 homossexuais vem se encontrando pelo menos uma vez por semana para cultuar a Deus em São Paulo.
"As igrejas nos discriminam e perpetuam o preconceito. Queríamos uma nova ética religiosa e não poderíamos fazer isso nas igrejas tradicionais sem despertar conflito", explica Elias Lilikã, um dos fundadores da comunidade.
A idéia, segundo ele pioneira no país, surgiu a partir da constatação do grupo de que muitos homossexuais, apesar de religiosos, não podiam expressar sua fé sem abandonar sua orientação sexual.
"O fato de eu poder entrar em um culto de mãos dadas com meu namorado e poder orar por ele em voz alta é básico", afirma Tarcísio, um dos responsáveis pelo surgimento do grupo, que prefere não revelar seu sobrenome.
Outros entrevistados foram identificados por nomes fictícios.
Embora a proposta inicial fosse a realização de cerimônias ecumênicas, hoje os encontros seguem uma orientação predominantemente evangélica.
De acordo com Lilikã, a mudança ocorreu porque a maioria dos frequentadores é ligada às igrejas evangélicas. Dos atuais 30 membros, apenas 5 são católicos.
O número de homossexuais do sexo feminino também é reduzido - apenas uma-, o que transformou a presença de duas mulheres no culto de domingo passado em motivo de comemoração.
"Existem menos mulheres homossexuais e elas também se sentem menos à vontade para assumir", diz Lilikã, estudante de letras com 32 anos.
A escolha do bar como templo improvisado da comunidade aconteceu por falta de opção. Desalojados do prédio da USP na rua Maria Antônia (região central), onde costumavam se reunir, o grupo não teve outra alternativa.
"A igreja não é um prédio. São as pessoas que se encontram para louvar a Deus. Somos uma comunidade religiosa do jeito que somos", disse o ex-seminarista Luiz Fernando, responsável pelo culto da semana passada.
Mesmo assim, para evitar problemas como esse, a comunidade pretende iniciar a cobrança de dízimos dos fiéis. "Hoje, as pessoas colaboram por conta própria. Mas estamos pensando no dízimo. Afinal, se queremos ter um templo próprio...", afirma Tarcísio.
A busca dessa nova ética passa ainda pela discussão da interpretação que a Bíblia faz da homossexualidade. Na avaliação da comunidade, todo o discurso contra os gays é religioso e elaborado pela igreja. "É um autoritarismo muito forte usar a palavra de Deus para reprimir as pessoas", diz Tarcísio.
Em função disso, o grupo procura reforçar a legitimidade de sua opção sexual. O sentimento de "orgulho de ser gay" esteve presente em depoimentos prestados no culto do último domingo.
"Ninguém nos separa do amor de Deus. Todos somos seus filhos e filhas, independentemente da condição sexual. Deus é nosso pastor e ele sabe que somos gays", afirmou Luiz Fernando durante o início de sua pregação.
Apesar de hoje se considerarem apenas uma comunidade religiosa, o grupo tem planos de se transformar formalmente em uma igreja. "Queremos ainda ampliar nossa atuação, abrindo espaço para judeus, espíritas e também heterossexuais", diz Tarcísio.
Segundo Lilikã, o que diferenciará sua futura igreja das religiões tradicionais será o fato de que todos poderão "falar livremente sobre suas opções". "Além das confraternizações que fazemos no final dos cultos, quando podemos nos conhecer melhor e até namorar, por que não?"
em
Informações: Centro de Estudos Homoeróticos da USP. Tel.: 220-657



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