São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2007

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No Planalto, Collor revê Lula após 17 anos

Senador foi recebido por presidente em audiência com bancada do PTB; reunião foi marcada por brincadeiras e elogios

"Essas pessoas têm que se calar agora", diz Collor na volta ao Palácio que deixou há quase 15 anos após processo de impeachment


EDUARDO SCOLESE
PEDRO DIAS LEITE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Num encontro afável que talvez nem os mais flexíveis dos petistas convertidos ao pragmatismo do governo Luiz Inácio Lula da Silva teriam imaginado até há pouco tempo, o presidente recebeu ontem seu adversário no segundo turno da eleição presidencial de 1989, Fernando Collor de Mello.
O encontro foi recheado de cordialidade, brincadeiras e trocas de elogio, num clima totalmente diferente da última vez em que estiveram frente a frente, no debate de 14 de dezembro de 1989 -às vésperas de Collor derrotar Lula no segundo turno do primeiro pleito direto em 29 anos.
Agora senador pelo PTB de Alagoas, Collor voltou pela primeira vez ao Planalto, quase 15 anos após sofrer impeachment acusado de corrupção. Integrava uma comitiva de senadores do PTB recebida por Lula.
A amenidade contrastava com a do debate, quando um Lula suado e muito mais barbudo debatia com o "caçador de marajás" de Alagoas.
A edição do debate pela Rede Globo é vista como decisiva em favor de Collor, algo que a emissora nega desde então. Durante toda a audiência de ontem, se trataram por Lula e Collor, dispensando os "presidente" e "senador" de praxe.
"Quem está na vida pública sabe diferenciar muito bem o que são passagens no calor e no fragor de uma campanha eleitoral e o que são passagens de um tempo normal. Então ele [Lula] sabe, como eu sei, e isso nós já colocamos. É como se fosse uma coisa que não tivesse sequer existido", disse o neoaliado Collor. Cogitou até que venham a ser amigos. "Nunca fomos inimigos."
Entre as trivialidades, Lula e Collor trocaram idéias sobre a posição dos móveis no gabinete presidencial. Collor lembrou que alguns eram de seu tempo de presidente (1990-1992). A mesa saiu de um canto perto da porta para uma parede próxima às janelas. Cumprimentaram-se com apertos de mãos, um abraço e tapas nas costas, na entrada e na saída.
Ao final da conversa de quase duas horas, Lula brincou com Collor: "Essa audiência demorou metade do tempo de seu discurso na semana passada lá no Senado".
Segundo participantes, Collor retribuiu a seguir, quando já deixava o gabinete: "Lula, a nossa relação é tão respeitosa, que me permito usar um discurso feito por você na semana passada".
Único a falar publicamente sobre o encontro ontem, o ex-presidente disse que a campanha de 1989, em que pagou por um depoimento falso de uma ex-namorada de Lula na TV, não foi abordada. "Esse filme não passou no decorrer da nossa conversa, isso não foi sequer tocado", afirmou.
Disse que o encontro o "emocionou", pela "forma carinhosa" como foi tratado por Lula. "Me sensibilizou bastante."
Collor foi afastado do cargo de presidente em 29 de setembro de 1992, quando a Câmara dos Deputados, por 441 votos contra 38, aprovou a abertura do processo de impeachment.
Dois meses depois, o hoje senador alagoano renunciou à Presidência para tentar escapar da cassação. Não funcionou. No mesmo dia, o Senado o condenou, deixando Collor inelegível pelos oito anos seguintes.
A entrada de Collor no Planalto foi tumultuada. Cercado por jornalistas, se sentiu incomodado. "Cada pergunta que eu vou te contar", disse.
Questionado especificamente sobre o retorno a um local no qual teve de deixar sob vaias e gritos de ladrão, 15 anos atrás, respondeu: "Pois é, essas pessoas todas têm que se calar agora, né? Porque sou inocentado no Supremo".


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