|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
No Planalto, Collor revê Lula após 17 anos
Senador foi recebido por presidente em audiência com bancada do PTB; reunião foi marcada por brincadeiras e elogios
"Essas pessoas têm que se
calar agora", diz Collor na
volta ao Palácio que deixou
há quase 15 anos após
processo de impeachment
EDUARDO SCOLESE
PEDRO DIAS LEITE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Num encontro afável que talvez nem os mais flexíveis dos
petistas convertidos ao pragmatismo do governo Luiz Inácio Lula da Silva teriam imaginado até há pouco tempo, o
presidente recebeu ontem seu
adversário no segundo turno da
eleição presidencial de 1989,
Fernando Collor de Mello.
O encontro foi recheado de
cordialidade, brincadeiras e
trocas de elogio, num clima totalmente diferente da última
vez em que estiveram frente a
frente, no debate de 14 de dezembro de 1989 -às vésperas
de Collor derrotar Lula no segundo turno do primeiro pleito
direto em 29 anos.
Agora senador pelo PTB de
Alagoas, Collor voltou pela primeira vez ao Planalto, quase 15
anos após sofrer impeachment
acusado de corrupção. Integrava uma comitiva de senadores
do PTB recebida por Lula.
A amenidade contrastava
com a do debate, quando um
Lula suado e muito mais barbudo debatia com o "caçador de
marajás" de Alagoas.
A edição do debate pela Rede
Globo é vista como decisiva em
favor de Collor, algo que a emissora nega desde então. Durante
toda a audiência de ontem, se
trataram por Lula e Collor, dispensando os "presidente" e "senador" de praxe.
"Quem está na vida pública
sabe diferenciar muito bem o
que são passagens no calor e no
fragor de uma campanha eleitoral e o que são passagens de
um tempo normal. Então ele
[Lula] sabe, como eu sei, e isso
nós já colocamos. É como se
fosse uma coisa que não tivesse
sequer existido", disse o neoaliado Collor. Cogitou até que
venham a ser amigos. "Nunca
fomos inimigos."
Entre as trivialidades, Lula e
Collor trocaram idéias sobre a
posição dos móveis no gabinete
presidencial. Collor lembrou
que alguns eram de seu tempo
de presidente (1990-1992). A
mesa saiu de um canto perto da
porta para uma parede próxima às janelas. Cumprimentaram-se com apertos de mãos,
um abraço e tapas nas costas,
na entrada e na saída.
Ao final da conversa de quase
duas horas, Lula brincou com
Collor: "Essa audiência demorou metade do tempo de seu
discurso na semana passada lá
no Senado".
Segundo participantes, Collor retribuiu a seguir, quando já
deixava o gabinete: "Lula, a
nossa relação é tão respeitosa,
que me permito usar um discurso feito por você na semana
passada".
Único a falar publicamente
sobre o encontro ontem, o ex-presidente disse que a campanha de 1989, em que pagou por
um depoimento falso de uma
ex-namorada de Lula na TV,
não foi abordada. "Esse filme
não passou no decorrer da nossa conversa, isso não foi sequer
tocado", afirmou.
Disse que o encontro o "emocionou", pela "forma carinhosa" como foi tratado por Lula.
"Me sensibilizou bastante."
Collor foi afastado do cargo
de presidente em 29 de setembro de 1992, quando a Câmara
dos Deputados, por 441 votos
contra 38, aprovou a abertura
do processo de impeachment.
Dois meses depois, o hoje senador alagoano renunciou à
Presidência para tentar escapar da cassação. Não funcionou. No mesmo dia, o Senado o
condenou, deixando Collor
inelegível pelos oito anos seguintes.
A entrada de Collor no Planalto foi tumultuada. Cercado
por jornalistas, se sentiu incomodado. "Cada pergunta que
eu vou te contar", disse.
Questionado especificamente sobre o retorno a um local no
qual teve de deixar sob vaias e
gritos de ladrão, 15 anos atrás,
respondeu: "Pois é, essas pessoas todas têm que se calar agora, né? Porque sou inocentado
no Supremo".
Texto Anterior: PF indicia Jefferson por caso dos Correios Próximo Texto: Memória: em 1989, petista nem sequer cumprimentou o então adversário Índice
|