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Especialista defende reforma de lei militar
Para cientista político, mais importante que discutir existência de TJMs é assegurar adequação de código penal das Forças à democracia
Segundo Jorge Zaverucha, Brasil ainda segue o Código Penal Militar de 1969; com o fim da ditadura, Argentina e Chile mudaram lei militar
ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Mais importante do que a
existência ou não de tribunais
militares é assegurar que os códigos penais militares estejam
em conformidade com um Estado democrático. A opinião é
do cientista político Jorge Zaverucha, especialista na relação
entre militares e civis e autor
do livro "FHC, Forças Armadas
e Polícia: entre o Autoritarismo
e a Democracia, 1999-2002".
Doutor em ciência política pela
Universidade de Chicago e pós-doutor pela Universidade do
Texas, em Austin, com passagem pela Universidade Hebraica de Jerusalém, o atual coordenador do Núcleo de Estudos
de Instituições Coercitivas da
Universidade Federal de Pernambuco diz que a jurisdição
militar hoje no país faz do Brasil uma "semidemocracia".
FOLHA - Justiças militares são necessárias em tempos de paz?
JORGE ZAVERUCHA - O problema
fundamental não é existir ou
não uma Justiça militar. A
questão está na definição de o
que é crime propriamente e impropriamente militar. A Justiça militar, em tempos de paz,
deve contemplar crimes propriamente militares, que só um
militar pode cometer -como
dormir na guarda do quartel.
FOLHA - O que é um crime impropriamente militar?
ZAVERUCHA - Pichar ou fazer
grafites em muros de instalações militares, por exemplo.
FOLHA - O Brasil evoluiu em relação a outros países?
ZAVERUCHA - A definição de crime militar no Brasil em 2009 é
praticamente a mesma do regime militar. O Brasil ainda segue
o Código Penal Militar de 1969.
Os EUA e a Inglaterra, entre
outros países democráticos,
têm tribunais militares, mas
que não julgam civis. Na Noruega, na Áustria, na Alemanha, entre outros, só há Justiça
militar em época de guerra.
Com o fim do regime autoritário, Chile, Uruguai e Argentina
mudaram seus códigos penais
militares. A Argentina está indo mais além e se prepara para
extinguir a Justiça militar. Mas
o Brasil está na contramão.
FOLHA - É ruim para o Brasil seguir
um Código Penal Militar feito durante a ditadura?
ZAVERUCHA - Nos regimes autoritários, você alarga a definição
de o que é crime militar. Nas
democracias, diminui-se o escopo. Também nas democracias, eles não julgam civis, ao
contrário do Brasil. Portanto,
isso é um enclave autoritário
politicamente aceito pela elite
política. Por quê? Ainda convém aos civis manterem alianças com os militares.
FOLHA - O senhor cita outros erros
que seriam nocivos à democracia.
ZAVERUCHA - Um erro grave é a
Justiça militar fazer parte do
Poder Judiciário. Nos EUA, por
exemplo, faz parte do próprio
Exército. No STM, os juízes militares brasileiros são antes militares, depois juízes. Via de regra, não são togados. A corte é
muito mais uma extensão do
quartel do que uma organização que procura fazer justiça. O
curioso é que o STJ analisa recursos de militares estaduais,
enquanto que os de militares
federais [das Forças Armadas]
são julgados pelo STM.
FOLHA - Que mudanças o senhor
sugere?
ZAVERUCHA - O primeiro passo é
mudar o Código Penal Militar.
Não se explica que, numa "semidemocracia", se tenha um
código de 69, ápice do regime
militar. Nenhuma democracia,
que mereça esse nome, segue o
padrão brasileiro.
FOLHA - Já houve alguma tentativa
de mudança?
ZAVERUCHA - O governo Fernando Henrique tentou criar
uma comissão para fazer mudanças [no Código Penal Militar], mas ela foi logo abortada.
Desde então não se toca no assunto. Os militares têm força
política muito grande.
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