São Paulo, Segunda-feira, 22 de Março de 1999
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DEMOGRAFIA
Ocupação do campo volta a aumentar nos anos 90, mas o atrativo é o setor de serviços, não a agricultura
População rural cresce e muda de perfil

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local

Após décadas de quedas consecutivas, a população rural brasileira voltou a crescer nos anos 90. Mas isso não se deve à agricultura. Ao contrário, houve uma mudança de padrão: o êxodo rural foi substituído pelo êxodo agrícola.
Diante da crise na agricultura, a população das áreas rurais encontraram opções para sua sobrevivência, mas em outros setores, especialmente o de serviços.
A diferença é que, agora, essas famílias não precisaram abandonar o meio rural para encontrar uma nova fonte de renda.
Ocupações como as de jardineiro, caseiro, professora primária e empregada doméstica, além de empregos ligados ao lazer rural (como em hotéis fazenda e pesque-pague), absorveram boa parte dessa mão-de-obra que, em outra época, teria migrado para a cidade.
Assim, em 1997, de cada 10 pessoas ocupadas na área rural, apenas 7 estavam vinculadas à agricultura. Em 1981, eram 8 em cada 10.
Essas são algumas das principais conclusões do projeto "O Novo Rural Brasileiro", que após três anos de pesquisas será apresentado num seminário a partir de quarta-feira, na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Nos anos 80, a população rural caiu em média 0,2% ao ano. Como resultado, em 1992 havia 450 mil pessoas a menos fora do perímetro urbano dos municípios brasileiros do que em 1981.
Nos anos 90 a tendência se inverteu: a população rural começou a crescer 0,5% ao ano. Em 1997, já havia 530 mil pessoas a mais nas áreas rurais do que em 1992.
"Desde os anos 70 a população rural não-agrícola vem crescendo. Como esse grupo era muito pequeno, não era suficiente para reverter a queda da população rural total", diz José Graziano da Silva, um dos coordenadores da pesquisa.
"Nos anos 90 intensifica-se, especialmente na agricultura, a tendência de a economia se voltar para o setor de serviços. Os motivos são a importação de alimentos e os cortes no crédito agrícola."
Esses fatores se somam às novas tecnologias de plantio e colheita, que necessitam cada vez menos de mão-de-obra.
Ao mesmo tempo, o aumento do desemprego, da violência e do custo de vida nas cidades tornou a migração para os centros urbanos muito menos atraente.
Pressionada nas duas pontas, a população rural voltou-se para atividades não-agrícolas que não implicassem sua saída do campo.
Professor de economia agrícola da Unicamp, Graziano ressalva que ainda há migração de pessoas do campo para a cidade, mas em níveis muito inferiores aos das últimas décadas.
O importante, segundo ele, é que a tendência mudou. "Felizmente, ao contrário do que aconteceu nos EUA, estamos revertendo o êxodo rural antes que haja uma desertificação do campo."
Se esse fenômeno implica benefícios, como uma menor pressão habitacional e por empregos nas cidades, também requer adaptações nas atuais políticas públicas.
O economista cita, por exemplo, a necessidade de uma política habitacional voltada para o meio rural. Graziano julga extemporânea, por exemplo, a proibição de loteamentos fora do perímetro urbano dos municípios.
Ele afirma que na área rural há demanda tanto por condomínios de luxo quanto por moradias de baixa renda. Em ambos os casos a oferta é tangida por uma legislação elaborada quando o rural ainda era sinônimo de agrícola.
Outro setor que precisa ser repensado é o de transportes. A pesquisa mostra que é cada vez maior o número de pessoas que mora na área rural e trabalha na cidade (ou vice-versa) e cuja demanda vai além da rede de ônibus urbanos.
A terceira área que envolve políticas públicas é a de crédito. Quase todos os mecanismos existentes obrigam a destinação dos recursos a atividades agrícolas.
Até mesmo no caso da eletrificação rural, diz Graziano, o interessado tem que provar que usará a energia para produção agrícola. Mais: que obterá dessa atividade uma renda suficiente para pagar o empréstimo.
"Isso não faz mais sentido, porque grande parte desse público (do programa de eletrificação) já trabalha na cidade ou em atividades rurais não agrícolas", afirma o professor da Unicamp.
Apesar de o nome oficial ser "O Novo Rural Brasileiro", o projeto de pesquisa é mais conhecido por seu apelido: Rurbano.
A expressão foi emprestada pelos pesquisadores de um livro do sociólogo Gilberto Freyre: "O que é Rurbano", de 1962.
Opositor da reforma agrária nos moldes pregados então pelas ligas camponesas, Freyre cunhou a expressão rurbano para sintetizar o conceito de ruralidade como opção de moradia e lazer.
Mais de três décadas depois, o nome foi resgatado pelos pesquisadores de "O Novo Rural Brasileiro" que, coincidentemente, chegaram a conclusões semelhantes às do autor pernambucano.
A pesquisa é coordenada por dois professores da Universidade Estadual de Campinas: Graziano e Rodolfo Hoffmann.
Além do Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp, participam do projeto 11 universidades federais e dois núcleos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), num total de 25 pesquisadores.
O financiamento para a realização do trabalho é da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do Pronex (Programa Nacional de Núcleos de Excelência).


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