São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 2009

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ELIO GASPARI

A década perdida do ressarcimento do SUS


Há o burocrata que vende facilidades, mas há também o que produz dificuldades para não fazer nada

SE NINGUÉM atrapalhar, encerra-se nas próximas semanas o capítulo da incapacidade do governo de cobrar às operadoras privadas de saúde o ressarcimento pelo atendimento hospitalar de seus clientes na rede pública do SUS. O Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar acreditam que um novo sistema unificado de informações cruzará cadastros e recolherá dados de forma a evitar burlas e garantir os pagamentos. Tomara que estejam certos.
A lei que determina o ressarcimento ao SUS completou dez anos e foi habilmente driblada. A astúcia das operadoras, associada a um sistema inepto, burocratizado na base e autoritário na cúpula, gerou uma situação na qual todos gritam e a Viúva não recebe o que lhe é devido. De cada R$ 10 cobrados, o SUS só recebe R$ 2. Conseguiu-se a proeza do emagrecimento da receita. Em 2006, a ANS recebeu R$ 12,6 milhões. Em 2008, essa cifra foi para R$ 2,6 milhões. Segundo o Tribunal de Contas, entre 2003 e 2007 o SUS deixou de receber R$ 2,6 bilhões.
Evidentemente, tanta inépcia ao longo de tanto tempo não ocorre por fatalidade. De um lado ficaram as operadoras, que não querem pagar. De outro o governo, legislando de Brasília como se estivesse na Suécia. Aconteceram casos em que um José tinha plano de saúde em Ribeirão Preto e aparecia operado em Belém. A operadora tinha que provar que o José de cá não era o José de lá. Em outros exemplos, o cidadão informava no hospital que tinha um plano de saúde, mas a operadora era obrigada a provar que aquele plano não cobria o procedimento a que ele foi submetido.
Fala-se muito das relações promíscuas de servidores públicos com empresários a quem vendem facilidades. Um capítulo menos observado é o do fabricante de dificuldades. O sujeito tem que levar uma pedra do ponto A para o ponto B, mas constrói a teoria de que isso só poderá ser feito depois de concluída a reforma agrária. (Ele se remunera com uma mistura de mística e ócio.) Os empresários espertos adoram legislações draconianas, pois sabem que dão em nada.
Sem o ressarcimento, as operadoras de planos de saúde vivem próximas do paraíso. Recebem dos clientes enquanto eles têm saúde e, quando a doença os leva para um procedimento do SUS, espetam a conta na Viúva. Num exemplo banal, nenhum plano de saúde reembolsa regularmente o SUS pelo atendimento de seus clientes nas unidades de emergência dos prontos-socorros.
Desde dezembro, está em vigor uma Resolução Normativa da ANS que poderá encerrar a década perdida do ressarcimento. Ela pretende cruzar as informações da rede do SUS com o cadastro das operadoras. Nada mais racional. Contudo, dois detalhes despertam a suspeita da megalomania burocrática. Depois de informadas de que seu freguês foi atendido no SUS, a operadora tem 15 dias para pagar a conta ou para impugná-la. Parece pouco. A resolução determina que tudo deve ser feito depressa, até que se chega ao parágrafo 3º do artigo 16:
"Não será considerada indisponibilidade a lentidão no funcionamento do sistema de processo eletrônico da ANS em horários de pico de utilização".
Se o espírito desse pequeno texto orientar a conduta da ANS, as operadoras ficarão na sombra por mais dez anos.


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