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São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003

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CELSO PINTO

Dólares de curto prazo não vão faltar

Desde a terça-feira da semana passada, quando o risco Brasil, medido pelo EMBI, fechou a 706 pontos, o mercado piorou bastante: o risco voltou para 825 pontos, uma alta de 16,8%. A piora foi atribuída, de início, à confusão petista no Senado. Depois, ao medo de deflação nos Estados Unidos e na Europa e à desvalorização do dólar.
Será que, mais uma vez, o Brasil será atropelado por uma crise de liquidez externa? Arturo Porzecanski, diretor-gerente e economista-chefe do ABN Amro em Nova York, acha que não. Liquidez externa existe e continuará abundante. O juro básico é de apenas 1,25% nos Estados Unidos e 2,5% na Europa, e a expectativa, com o medo da deflação, é de novos cortes nos juros, especialmente o europeu.
Em ciclos de liquidez abundante, o investidor só não vai buscar mais rendimento em emergentes se tiver medo de calote, diz. Em 2001, o juro caiu, mas o medo do calote argentino retraiu o fluxo para a América Latina. Em 2002, o juro continuou a cair, mas havia o medo de um calote no Brasil. Esse medo está superado e só voltará "se houver uma revolução dentro do PT que leve, por exemplo, à saída do ministro Palocci".
Filippo Nencioni, estrategista-chefe do CSFB em Nova York, concorda. Os sinais de que a liquidez continuará abundante por longo período, hoje, são ainda maiores do que há um mês. A correção recente de preços se deu, principalmente, porque investidores atraídos pela corrida aos emergentes, mas sem bases técnicas, estão dispostos a realizar lucros ao primeiro sinal de reversão. A correção, contudo, deve durar pouco, porque há boas razões de fundamento para investidores mais bem informados comprarem.
O risco de deflação americana pode ajudar: se ocorrer, prejudicará mais as empresas do que os emergentes, que veriam sua dívida, em dólar, desvalorizada. Papéis de alguns países de risco médio, como Panamá, Peru e Colômbia, já subiram demais, mas não os do Brasil. Ao contrário, ele acha que o Brasil é a melhor oportunidade do mercado e recomenda fortemente a compra.
Porzecanski atribui a retração dos últimos dias ao medo do desconhecido. O fantasma da deflação e o impacto da desvalorização do dólar "são movimentos sísmicos na psicologia do mercado". Sem entender bem as consequências de ambos, os investidores recriaram uma pequena "fuga para a qualidade", comprando títulos americanos. Ele acha, contudo, que o risco real de deflação, especialmente nos Estados Unidos, é pequeno e que o investidor vai voltar aos emergentes. E aí, o Brasil acabará beneficiado.
Existem três classes de emergentes. Os que têm "nível de investimento", como México, África do Sul, Polônia e Malásia, atraem menos, porque seus prêmios são pequenos, entre 100 e 200 pontos. Alguns médios, como lembrou Nencioni, valorizaram muito. A Rússia, quase em "nível de investimento", com 300 pontos, é uma exceção. Os de maior risco são liderados pelo Brasil e incluem países como Turquia, Venezuela, Equador e Nigéria, entre 800 a 1.300 pontos.
O Brasil é, de longe, o de maior liquidez. Portanto, é opção obrigatória para fundos que buscam rentabilidade. A concorrência direta ao Brasil, diz Porzecanski, são menos outros emergentes de alto risco, do que o mercado de "high yield" americano. Com uma vantagem brasileira: a liquidez é muito maior.
É preciso colocar em perspectiva, de todo modo, o que aconteceu até agora. A idéia de que, passado o medo do calote petista, o Brasil voltou a março de 2002 (quando o risco chegou a 698 pontos) não é bem verdade. De março de 2002 até o pico da confusão, em setembro, o risco Brasil subiu 1.750 pontos, ou 250%. De lá até o novo vale dia 13 de maio deste ano, caiu 1.737 pontos, ou 71%. Devolveu, portanto, quase todo o excesso.
No entanto, o resto dos emergentes melhorou mais. Em março de 2002, o risco dos emergentes, exceto Brasil, estava em 503 pontos: a diferença com o Brasil era de 195 pontos. Desde então, a distância entre o Brasil e o resto subiu a 378 pontos, em setembro, e caiu, hoje, para 369 pontos. Ou seja, está em torno de 170 pontos acima do que estava em março de 2002.
Olhando pelo lado positivo, isso quer dizer que ainda há espaço para ganhos com o Brasil. O fato é que a onda positiva arrastou todo mundo. O risco da Nigéria, por exemplo, teve um comportamento muito parecido com o do Brasil: subiu 256% entre março e setembro de 2002 e caiu, desde então, 70%. Argentina e Costa do Marfim, ambos em moratória, registraram altas expressivas recentes.
A liquidez, contudo, é de capital mais especulativo, de curto prazo, parte do qual saiu dos debilitados mercados acionários. Investimento direto mais estável não deve melhorar por um bom tempo. "Melhor ter algum capital externo, mesmo especulativo, do que nenhum", diz Porzecanski. Pelo menos até as condições externas e internas melhorarem.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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