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Órfã pode ser filha de guerrilheiro desaparecido no Araguaia
Laudo de laboratório diz que há 90% de chance de Lia Martins, 35 anos, entregue em orfanato ainda bebê, ser filha de Raul, que sumiu na Amazônia em 1974
SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Até março passado, Lia Cecília da Silva Martins sabia muito
pouco sobre a história da guerrilha do Araguaia. Agora, faz
parte dela. É, muito provavelmente, filha dela.
No último dia 11, ficou pronto
o laudo que aponta fortes coincidências nas características
genéticas pesquisadas em Lia,
35, e nos seis irmãos e irmãs do
guerrilheiro Antônio Teodoro
de Castro, o Raul, desaparecido
no Araguaia em 1974.
Relatos no Araguaia indicavam que Raul teve uma filha ao
final da guerrilha com uma
camponesa conhecida por Regina. A criança jamais apareceu. Os parentes de Raul acreditam agora, com base no laudo
genético e na história de sua vida, tê-la encontrado.
Responsável técnico do laboratório Biocroma Clínica de
Exames de DNA, de Goiânia,
Ricardo Goulart Rodovalho
ressalta que, para atestar a paternidade, teria que ser investigada a composição genética da
mãe ou de seus parentes.
Mas isso não o impediu de dizer à família haver 90% de possibilidade de Lia ser a filha perdida de Raul, tal o número de
coincidências constatadas.
"O que observamos nesse caso é que, na análise de 21 marcadores de DNA, achamos 18
coincidentes", explica ele.
"Os outros três não foram excluídos. Apenas nos faltou informação para poder estimar
um índice", diz ele, classificando de "posição conservadora" o
que escreveu no laudo.
Raul sumiu na selva amazônica em 1974, aos 25 anos, com
a guerrilha já desarticulada.
Desde 1980 a família busca seus
restos mortais.
Em 2009, ao percorrer mais
uma vez o sudeste do Pará e o
norte de Tocantins, a advogada
Mercês Castro, 49, irmã de
Raul, falou a jornalistas sobre o
relato que recebera de um ex-guia dos militares: o guerrilheiro tivera uma filha com Regina,
moradora da região, morta por
ter aderido aos comunistas.
O ex-guia disse ainda que militares levaram a menina e mais
sete crianças que os guerrilheiros tiveram ao longo dos anos
que passaram na região.
Uma reportagem foi lida por
um amigo de Lia, que viu semelhanças com os relatos que ouvira dela. Lia foi localizada em
Belém pela Folha na noite de
anteontem.
Por telefone, disse que foi
criada na capital paraense por
um casal que mantinha o semi-internato Lar de Maria. Segundo lhe contou o casal, que já
morreu, ela foi levada ao abrigo
com poucos meses de vida por
um delegado e um soldado.
O delegado teria falado que o
bebê fora sequestrado em
Goiás. Os responsáveis pelo orfanato se afeiçoaram à criança
e a adotaram. O sobrenome dado é o mesmo da família. A data
de nascimento -1º de julho de
1974- foi inventada.
"Falei com Rosália [irmã
adotiva, 52 anos, filha do casal
que a criou] sobre a possibilidade de eu ser a tal criança. Ela,
que tinha 16 anos na época, disse ser possível. Lembrou que
cheguei ferida por picada, como se tivesse vindo do mato."
Desconfiada de que poderia
ser filha de Raul, Lia conseguiu
contato, por e-mail, com Mercês. Em março, viajou para
Fortaleza, onde conheceu cinco irmãos de Raul.
"Fui muito bem recebida por
todos eles. A semelhança entre
nós é muito grande", diz Lia,
funcionária de uma maternidade em Belém e aluna de gestão
de recursos humanos. Mercês
diz que pedirá à Justiça a troca
do sobrenome de Lia.
Ela afirma que, após conhecer a família de Raul, passou a
admirar os guerrilheiros, "que
tinham um ideal, um sonho e
deram a vida por isso".
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