São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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JANIO DE FREITAS

O bom sinal e outro melhor


O questionamento à versão dos criminosos não perderá valor se não chegar às respostas insuspeitas

A INICIATIVA DO ministro Nelson Jobim de dar como também do governo a versão dos militares criminosos, para o assassinato com tortura dos três jovens da Providência, foi muito mal recebida na Presidência da República. Bom sinal. Inaugura na Presidência a tão atrasada recusa ao comprometimento com explicações à velha maneira, montadas por conveniências de militares.
E melhor sinal ainda ao permitir o imediato reconhecimento, por uma comissão especial chefiada pelo determinado ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, de que a versão do Exército, de Jobim e dos militares envolvidos é negada por depoimentos e evidências já recolhidos pela comissão na Providência. Nas palavras de Vanucchi: "Os relatos dos moradores contradizem a versão do Exército", e narram, inclusive, "maus-tratos anteriores contra os moradores".
O questionamento da comissão à versão dos criminosos, encampada por inteiro e a priori também por imprensa, TV e rádio, não perderá valor se não chegar às respostas insuspeitas. Seu primeiro passo já é um ato de hombridade dos autores e de respeito às leis e à democracia. Mas a probabilidade de que a comissão especial chegue a fatos reais e às explicações necessárias estreita-se, ou tende a isso, caso dependa de colaboração militar e da polícia.
Daí que, nesse caso, um aspecto paralelo merecedor de exame é o motivo que levou a polícia ao extremo possível de cautela, para não se comprometer com a versão dos crimes além do mínimo inevitável. As armas dos 11 militares envolvidos, por exemplo, não foram recolhidas para a confrontação pericial com as perfurações por tiros (a monstruosidade de 46 nos três rapazes). Além de tecnicamente obrigatória, a confrontação, no caso, era indispensável. Tudo começou por um incidente dos militares com os rapazes e um destes foi visto por sua mãe, "caído ensangüentado", em quartel do Exército.
A polícia também não quis ir ao que seria, na versão imposta, o local da execução no morro da Mineira, como faz, por outra obrigação técnica, mesmo em circunstâncias de alto risco (o caso do jornalista Tim Lopes é exemplar). Não se interessou nem por tomar depoimentos imediatos, antes de esperáveis ameaças e ofertas silenciadoras, de famílias das vítimas e de circunstantes com algo a dizer ou a negar na Mineira e na Providência. Em um e outro morro não faltaria, àquela altura, quem tivesse contribuições a dar, nos dois sentidos.
Em vez da colaboração oportuna, famílias ameaçadas agora pedem abrigo no programa de proteção a testemunhas. Ameaçadas por quem? As famílias das vítimas e outros moradores da Providência, até onde se pode supor, não teriam como prejudicar bandidos da Mineira não identificados. A polícia não tem motivo imaginável para fazer ameaças, se o que mais quis, até agora, foi guardar silêncio e distância. Onde poderia estar o interesse em intimidar familiares das vítimas e outros moradores da Previdência - eis um mistério que dispensa interrogações.
As interrogações necessárias estão com a comissão especial, como as esperanças que possamos ter, ainda, de não ver torturas e assassinatos outra vez guardados nos mesmos porões das negaças e dos mutismos, sem verdade e sem justiça.


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