São Paulo, quarta-feira, 22 de agosto de 2001

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JANIO DE FREITAS

O trio

Há sempre um trio. Se estamos na defesa, há o trio atacante para incomodar. Se estamos no ataque, há o trio de arbitragem. Para quem gosta do gênero, há o trio amoroso, que, por sinal, acabou com o Trio de Ouro, no tempo do rádio patrocinado pelo Trio Maravilhoso Regina, sabonete, talco e dentifrício. O trio dos Irmãos Metralha é o de maior sucesso no Brasil, com representantes em todo lugar. Na sucessão presidencial já há dois trios: Itamar, Ciro e Brizola, que se declaram em frente eleitoral oposicionista, e há o trio dos que se dizem fernandistas.
Dizem, só. Assim como os Três Mosqueteiros eram quatro, o trio de Fernando Henrique Cardoso não tem três, mas dois. Sendo seu, haveria de ser contra o crescimento.
Toda a história da candidatura Pedro Malan, pouco citada na Folha, mas muito presente em jornais que falam até de malanismo, é fabricada na Presidência. Fernando Henrique em pessoa faz um trabalho direto, explícito e insistente em meio a grandes empresários paulistas para induzi-los a crer que devem adotar a candidatura Malan.
Quem atente para as entrevistas de Fernando Henrique que a Presidência está pedindo à mídia encontra, sempre, insinuações que se chocam com a possível candidatura José Serra. Na entrevista mais recente, de domingo passado, Fernando Henrique é claramente maldoso, com o argumento de que Serra é bom candidato porque é estatizante. Isso também significa que ele mesmo, Fernando Henrique, desserve ao país porque é privatizante extremado, mas a pretensa condição atribuída a Serra é, aos olhos do grande empresariado, pior do que farpa, é uma lâmina.
À parte velhas ciumeiras mútuas, idiossincrasias ou seja lá o que for, Serra não poderia ser o candidato de Fernando Henrique senão em último caso. Serra é muito mais competente, informado das realidades e dos mecanismos de governo e Estado do que Fernando Henrique. E, caso único no grupo central do governo, até trabalha. Ninguém precisa dizer a Fernando Henrique a inconveniência de ter um sucessor que, embora o proteja de investigações e outros problemas, se ponha como um contraste administrativo com o seu governo. Ainda com teses de associação entre baixa inflação e crescimento econômico.
Pedro Malan se parece muito com Fernando Henrique em muitos aspectos. A mesmo dificuldade de decisão bem disfarçada. A vaidade que, bem distribuída, daria para um bairro inteiro. E o mesmo comprometimento com tudo o que (não) está sendo feito no país e caracteriza o atual governo. Mais do que promessa, Malan é a garantia de continuidade e de continuísmo, que é tudo o que Fernando Henrique precisa para se ver preservado, como político e como pessoa, em alguma medida.
A alternativa para Malan é Paulo Renato Souza. O que pensava, como economista, foi posto na seção de política econômica, de sua autoria, no programa do candidato Fernando Henrique. O que pensa, desde que posto no governo em tudo contrário ao programa, não se sabe. Nem lhe foi perguntado, por inútil. Sua docilidade a Fernando Henrique lembra a de certos quase-objetos domésticos. Inflamado grevista por salários quando professor universitário, subscreve o arrocho dos salários de professores e o estrangulamento financeiro do ensino superior decididos por Malan, em conformidade com o disposto pelo FMI. Sua obra em quase sete anos no Ministério da Educação corresponde ao trabalho de uns poucos meses. Ou de um só, por quem trabalhasse mesmo.
Eis por que o trio de possíveis candidatos governistas em que Fernando Henrique investe tem apenas dois.



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