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ELIO GASPARI
Sem barulho, FFHH
livrou-se da dolarização
A quem interessar possa: entre fevereiro e março de
1999, FFHH, com seu jeitão conciliador, impediu que a economia brasileira fosse amarrada à
bola de ferro da dolarização,
que está afogando a nação argentina.
Um colecionador de curiosidades universais sustenta que
há coisas que não existem, porque ninguém as viu. Por exemplo: enterro de anão. Com a Argentina indo para o ralo, surgiu
um novo espécime inexistente: a
pessoa capaz de dizer que um
peso vale um dólar.
Por mais que seja difícil encontrar esse tipo de gente nos
dias de hoje, é bom lembrar que
eles abundavam. No início de
1999, no meio da crise do populismo cambial, havia muita
gente que defendia o casamento
do real com o dólar. O tal de
"currency board". Essa era a
proposta do então presidente
Carlos Menem, da Argentina,
hoje em prisão domiciliar. Babalorixás de renomados terreiros de consultoria propunham a
mesma coisa. O economista-chefe do BID, Ricardo Hausmann, disse que "se eu fosse brasileiro, não descartaria o "currency board'". O subsecretário
de Estado dos EUA, Peter Romero, chegou a considerar inevitável a providência. O doutor Armínio Fraga, antes de assumir a
presidência do Banco Central,
achava que se vivia num mundo "no qual há taxas de câmbio
demais, moedas demais". O professor Rudiger Dornbusch, voz
oracular do Massachusetts Institute of Techonology, foi mais
fundo. Defendeu a dolarização
do real e antecipou que ela não
ocorreria, por conta da falta de
coragem de FFHH:
"Ele jamais tomou uma decisão difícil em sua vida. Se isso
acontecesse, vocês retomariam o
crescimento. Se não ocorrer, o
Brasil terá uma recessão demorada e profunda e uma enorme
incerteza política".
FFHH não dolarizou o real, a
recessão nada teve de demorada, pois a economia retomou o
crescimento em 2000, e não houve incerteza política. Se FFHH
tivesse feito a dolarização, o
Brasil estaria hoje no mesmo ralo que a Argentina. Vale registrar que, na época, foram poucas as vozes que publicamente
denunciaram essa maluquice.
Entre elas, estiveram os professores Paul Krugman, Francisco
Lopes (então presidente do Banco Central), Celso Furtado, José
Luís Fiori e Paulo Nogueira Batista Jr. O professor Gustavo
Franco chegou a avisar que esse
tipo de regime cambial acaba de
forma muito parecida com as
moratórias alagoanas.
Vale registrar também que, ao
fim de cada dia de trabalho,
FFHH pega um gravador e dita
um resumo dos fatos da jornada. Pois nesses dias abundam
telefonemas de dois cardeais da
economia globalizada. Um era
Robert Rubin, secretário do Tesouro dos Estados Unidos. O outro, Michel Camdessus, diretor-gerente do FMI. Os dois deram-lhe longas aulas, propondo a dolarização do real. Não conseguiram qualquer compromisso, e
FFHH limitou-se a dizer, em
meados de fevereiro, que a dolarização poderia ser uma idéia,
mas "este não é o melhor momento para fazê-lo". É possível
que a maré dolarizadora tenha
sido travada nos Estados Unidos, pelo presidente do Federal
Reserve Bank, Alan Greenspan,
mas isso só se vai saber quando
ele publicar suas memórias. (Assim como se soube que seu antecessor, Paul Volcker, decidiu
quebrar o Terceiro Mundo endividado, em 1982, para salvar a
banca americana.)
Para quem ouvia FFHH de fora, sua declaração moderada
era mumunha de tucano. Ouvido de dentro, estava respondendo educadamente às pressões de
Rubin e de Camdessus. Passaram-se três anos, Rubin deixou
o governo, Camdessus reconverteu-se ao cristianismo e batalha
o perdão das dívidas dos miseráveis. O novo governo americano mandou a Argentina plantar
batatas, com dólar ou sem dólar.
Se o governo brasileiro tivesse
caído na conversa de 1999, estaria sendo convidado a plantar
rabanetes. A dolarização brasileira teria exponencializado o
contágio da crise argentina,
que, de fato, está cada dia mais
parecida com uma moratória
alagoana.
FFHH nunca cantou prosa da
força que fez para que o Brasil
não fosse atraído para o regime
argentino. Outro dia, mencionou os telefonemas de Rubin e
Camdessus numa conversa sem
propósito.
Um dia, quando forem transcritas as gravações que FFHH
faz à noite, vai-se conhecer direito essa história.
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