São Paulo, quarta-feira, 22 de agosto de 2001

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ELIO GASPARI

Sem barulho, FFHH livrou-se da dolarização

A quem interessar possa: entre fevereiro e março de 1999, FFHH, com seu jeitão conciliador, impediu que a economia brasileira fosse amarrada à bola de ferro da dolarização, que está afogando a nação argentina.
Um colecionador de curiosidades universais sustenta que há coisas que não existem, porque ninguém as viu. Por exemplo: enterro de anão. Com a Argentina indo para o ralo, surgiu um novo espécime inexistente: a pessoa capaz de dizer que um peso vale um dólar.
Por mais que seja difícil encontrar esse tipo de gente nos dias de hoje, é bom lembrar que eles abundavam. No início de 1999, no meio da crise do populismo cambial, havia muita gente que defendia o casamento do real com o dólar. O tal de "currency board". Essa era a proposta do então presidente Carlos Menem, da Argentina, hoje em prisão domiciliar. Babalorixás de renomados terreiros de consultoria propunham a mesma coisa. O economista-chefe do BID, Ricardo Hausmann, disse que "se eu fosse brasileiro, não descartaria o "currency board'". O subsecretário de Estado dos EUA, Peter Romero, chegou a considerar inevitável a providência. O doutor Armínio Fraga, antes de assumir a presidência do Banco Central, achava que se vivia num mundo "no qual há taxas de câmbio demais, moedas demais". O professor Rudiger Dornbusch, voz oracular do Massachusetts Institute of Techonology, foi mais fundo. Defendeu a dolarização do real e antecipou que ela não ocorreria, por conta da falta de coragem de FFHH:
"Ele jamais tomou uma decisão difícil em sua vida. Se isso acontecesse, vocês retomariam o crescimento. Se não ocorrer, o Brasil terá uma recessão demorada e profunda e uma enorme incerteza política".
FFHH não dolarizou o real, a recessão nada teve de demorada, pois a economia retomou o crescimento em 2000, e não houve incerteza política. Se FFHH tivesse feito a dolarização, o Brasil estaria hoje no mesmo ralo que a Argentina. Vale registrar que, na época, foram poucas as vozes que publicamente denunciaram essa maluquice. Entre elas, estiveram os professores Paul Krugman, Francisco Lopes (então presidente do Banco Central), Celso Furtado, José Luís Fiori e Paulo Nogueira Batista Jr. O professor Gustavo Franco chegou a avisar que esse tipo de regime cambial acaba de forma muito parecida com as moratórias alagoanas.
Vale registrar também que, ao fim de cada dia de trabalho, FFHH pega um gravador e dita um resumo dos fatos da jornada. Pois nesses dias abundam telefonemas de dois cardeais da economia globalizada. Um era Robert Rubin, secretário do Tesouro dos Estados Unidos. O outro, Michel Camdessus, diretor-gerente do FMI. Os dois deram-lhe longas aulas, propondo a dolarização do real. Não conseguiram qualquer compromisso, e FFHH limitou-se a dizer, em meados de fevereiro, que a dolarização poderia ser uma idéia, mas "este não é o melhor momento para fazê-lo". É possível que a maré dolarizadora tenha sido travada nos Estados Unidos, pelo presidente do Federal Reserve Bank, Alan Greenspan, mas isso só se vai saber quando ele publicar suas memórias. (Assim como se soube que seu antecessor, Paul Volcker, decidiu quebrar o Terceiro Mundo endividado, em 1982, para salvar a banca americana.)
Para quem ouvia FFHH de fora, sua declaração moderada era mumunha de tucano. Ouvido de dentro, estava respondendo educadamente às pressões de Rubin e de Camdessus. Passaram-se três anos, Rubin deixou o governo, Camdessus reconverteu-se ao cristianismo e batalha o perdão das dívidas dos miseráveis. O novo governo americano mandou a Argentina plantar batatas, com dólar ou sem dólar.
Se o governo brasileiro tivesse caído na conversa de 1999, estaria sendo convidado a plantar rabanetes. A dolarização brasileira teria exponencializado o contágio da crise argentina, que, de fato, está cada dia mais parecida com uma moratória alagoana.
FFHH nunca cantou prosa da força que fez para que o Brasil não fosse atraído para o regime argentino. Outro dia, mencionou os telefonemas de Rubin e Camdessus numa conversa sem propósito.
Um dia, quando forem transcritas as gravações que FFHH faz à noite, vai-se conhecer direito essa história.



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