São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 2002

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DIPLOMACIA

Presidente afirma que desconfiança não tem "relação com realidade"

Crise é "ficção financeira", não economia real, diz FHC

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU

O presidente Fernando Henrique Cardoso atribuiu a "ficções financeiras" a turbulência que afeta a economia brasileira, negando que o seu lado real esteja em crise.
O presidente chegou a recorrer a uma expressão da sociologia, a "dissonância cognitiva", para explicar o que está acontecendo: "Há gente que não percebe o que está ocorrendo. Há efetivamente uma defasagem entre o que ocorre e o que se informa ou se percebe que está ocorrendo".
Em discurso durante almoço que lhe foi oferecido pela Associação de Dirigentes de Marketing do Uruguai, FHC listou uma série de notícias positivas sobre a economia do Brasil, desde a entrada de US$ 150 bilhões em investimentos externos diretos, a partir de 1995, até o fato de as linhas telefônicas fixas terem passado de 14,6 milhões, em 1995, para 48 milhões.
Engatou: "Não obstante, o risco-país superou os 2.000 pontos, e o Brasil é comparado a países africanos. É possível isso? Guarda relação com a realidade? Se guarda, creio que perdi a razão, porque realmente não a vejo".
Na entrevista coletiva que concedeu pouco mais tarde, no Palácio Libertad, sede do governo uruguaio, FHC voltou ao tema.
"Os sinais vitais da economia estão todos funcionando bem", afirmou, para citar o superávit comercial (US$ 4,4 bilhões até agosto), o superávit primário no Orçamento, "que mostra que estamos cuidando da dívida", o crescimento econômico, "pequeno, mas crescimento", e o fato de não ter ocorrido "explosão do desemprego".
Completou a comparação: "Não se pode dizer que o organismo esteja totalmente hígido [saudável], mas não é um organismo doente. Não obstante, do ponto de vista financeiro, existe a percepção de dificuldade no pagamento das dívidas".
O presidente voltou, então, a advertir que pode se tratar de "profecia que se autocumpre", ecoando sua afirmação da véspera de que setores financeiros estão "asfixiando" o país, levando ao risco de moratória.
A palavra "moratória", de altíssima sensibilidade, foi utilizada ontem por Fernando Henrique.
"Os mecanismos de financiamento, que se tornaram internacionais, antecipam dificuldades, por percepções às vezes equivocadas, e freiam o financiamento. Com isso, se induz à crise. Começam a falar de moratória, quando ninguém no país pensou nisso e nada leva a isso". O presidente mencionou, então, números (como as reservas líquidas de US$ 23 bilhões, entre outros), como sinal de que "não há problemas" para financiar a dívida.
"De onde então vem a angústia?", perguntou FHC, para ele próprio responder: "Da cabeça das pessoas".

É a política
O presidente tratou também da questão eleitoral, outro fator apontado como motivo para a turbulência, já que dois candidatos de oposição lideram as pesquisas. Para o presidente, esgrimir o argumento eleitoral é prova de que, do ponto de vista econômico, não há razão para a crise. Mas ele tampouco aceita esse argumento, ao dizer que não há margem de manobra (para o futuro governo) nem para romper contratos nem para afrouxar a política monetária.
"Não posso aceitar que, pela questão política, se diga que não se pode mais financiar esses países", disparou.
Ainda que a crise seja de percepção (ou de "ficções financeiras"), o presidente admite que ela tem efeitos reais.
Principal efeito: deixa o governo manietado. "Os responsáveis pela economia têm poucos recursos para manejar essa crise", afirmou, para lembrar que o Brasil já tem a mais alta taxa de juros do mundo, o que, em tese, deveria ser suficiente para atrair os investimentos que estão secando.
Como não há instrumentos no plano nacional, "ou existem mecanismos internacionais (para financiar os países em desenvolvimento) ou fica o problema da quadratura do círculo", disse o presidente.
"O problema não é de cada país, é de percepção internacional", insistiu.
O presidente, acusado de, em seus quase oito anos de gestão, ter se curvado sempre aos mercados, agora reintroduz a questão política (ou seja, a intervenção do Estado) na equação.
Citou a expressão "exuberância irracional", cunhada por Alan Greenspan, o presidente do banco central dos EUA, para designar a alta excessiva das ações cotadas na bolsa norte-americana. E acrescentou a sua própria criação: "pessimismo irracional", para descrever o que ele acha que ocorre hoje em relação ao Brasil.
Completou: "O mundo não pode variar entre a exuberância irracional e o pessimismo irracional. Tem que haver alguma racionalidade". Aí é que entra a política (ou a ação do Estado): "Sem a política, os mercados também se tornam irracionais".



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