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DIPLOMACIA
Presidente afirma que desconfiança não tem "relação com realidade"
Crise é "ficção financeira", não economia real, diz FHC
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU
O presidente Fernando Henrique Cardoso atribuiu a "ficções financeiras" a turbulência que afeta
a economia brasileira, negando
que o seu lado real esteja em crise.
O presidente chegou a recorrer
a uma expressão da sociologia, a
"dissonância cognitiva", para explicar o que está acontecendo:
"Há gente que não percebe o que
está ocorrendo. Há efetivamente
uma defasagem entre o que ocorre e o que se informa ou se percebe que está ocorrendo".
Em discurso durante almoço
que lhe foi oferecido pela Associação de Dirigentes de Marketing
do Uruguai, FHC listou uma série
de notícias positivas sobre a economia do Brasil, desde a entrada
de US$ 150 bilhões em investimentos externos diretos, a partir
de 1995, até o fato de as linhas telefônicas fixas terem passado de
14,6 milhões, em 1995, para 48 milhões.
Engatou: "Não obstante, o risco-país superou os 2.000 pontos, e
o Brasil é comparado a países africanos. É possível isso? Guarda relação com a realidade? Se guarda,
creio que perdi a razão, porque
realmente não a vejo".
Na entrevista coletiva que concedeu pouco mais tarde, no Palácio Libertad, sede do governo
uruguaio, FHC voltou ao tema.
"Os sinais vitais da economia
estão todos funcionando bem",
afirmou, para citar o superávit comercial (US$ 4,4 bilhões até agosto), o superávit primário no Orçamento, "que mostra que estamos
cuidando da dívida", o crescimento econômico, "pequeno,
mas crescimento", e o fato de não
ter ocorrido "explosão do desemprego".
Completou a comparação:
"Não se pode dizer que o organismo esteja totalmente hígido [saudável], mas não é um organismo
doente. Não obstante, do ponto
de vista financeiro, existe a percepção de dificuldade no pagamento das dívidas".
O presidente voltou, então, a
advertir que pode se tratar de
"profecia que se autocumpre",
ecoando sua afirmação da véspera de que setores financeiros estão
"asfixiando" o país, levando ao
risco de moratória.
A palavra "moratória", de altíssima sensibilidade, foi utilizada
ontem por Fernando Henrique.
"Os mecanismos de financiamento, que se tornaram internacionais, antecipam dificuldades,
por percepções às vezes equivocadas, e freiam o financiamento.
Com isso, se induz à crise. Começam a falar de moratória, quando
ninguém no país pensou nisso e
nada leva a isso". O presidente
mencionou, então, números (como as reservas líquidas de US$ 23
bilhões, entre outros), como sinal
de que "não há problemas" para
financiar a dívida.
"De onde então vem a angústia?", perguntou FHC, para ele
próprio responder: "Da cabeça
das pessoas".
É a política
O presidente tratou também da
questão eleitoral, outro fator
apontado como motivo para a
turbulência, já que dois candidatos de oposição lideram as pesquisas. Para o presidente, esgrimir o argumento eleitoral é prova
de que, do ponto de vista econômico, não há razão para a crise.
Mas ele tampouco aceita esse argumento, ao dizer que não há
margem de manobra (para o futuro governo) nem para romper
contratos nem para afrouxar a
política monetária.
"Não posso aceitar que, pela
questão política, se diga que não
se pode mais financiar esses países", disparou.
Ainda que a crise seja de percepção (ou de "ficções financeiras"),
o presidente admite que ela tem
efeitos reais.
Principal efeito: deixa o governo
manietado. "Os responsáveis pela
economia têm poucos recursos
para manejar essa crise", afirmou,
para lembrar que o Brasil já tem a
mais alta taxa de juros do mundo,
o que, em tese, deveria ser suficiente para atrair os investimentos que estão secando.
Como não há instrumentos no
plano nacional, "ou existem mecanismos internacionais (para financiar os países em desenvolvimento) ou fica o problema da
quadratura do círculo", disse o
presidente.
"O problema não é de cada país,
é de percepção internacional", insistiu.
O presidente, acusado de, em
seus quase oito anos de gestão, ter
se curvado sempre aos mercados,
agora reintroduz a questão política (ou seja, a intervenção do Estado) na equação.
Citou a expressão "exuberância
irracional", cunhada por Alan
Greenspan, o presidente do banco
central dos EUA, para designar a
alta excessiva das ações cotadas
na bolsa norte-americana. E
acrescentou a sua própria criação:
"pessimismo irracional", para
descrever o que ele acha que ocorre hoje em relação ao Brasil.
Completou: "O mundo não pode variar entre a exuberância irracional e o pessimismo irracional.
Tem que haver alguma racionalidade". Aí é que entra a política
(ou a ação do Estado): "Sem a política, os mercados também se
tornam irracionais".
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