São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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Marketing expõe ponto fraco de candidatos

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

As artes da manipulação política vão ficando tão precisas e "científicas" que mesmo os dons de criatividade pessoal dos marqueteiros -para nada dizer da autenticidade dos candidatos- já pertencem a uma época ultrapassada e cheia de romantismo.
Os programas do horário eleitoral paulistano parecem obedecer com rigidez de autômato ao que é ditado pelas pesquisas qualitativas. O resultado é paradoxal: sem querer, e com pouquíssima sutileza, os marqueteiros nada mais fazem do que revelar os pontos fracos de cada candidato. É só ver a propaganda para saber as falhas que eles querem reparar.
Paulo Maluf é acusado de desviar dinheiro para o exterior? A propaganda mostra um mapa-múndi, com uma chuva de dólares sendo remetida para o Brasil. Isso para dizer que a Eucatex, firma do ex-prefeito, traz divisas para cá. O eleitor de Paulo Maluf é tido como bronco, desinformado, destituído de senso crítico? A propaganda diz que "quem pensa" vota nele -e vemos uma série de tipos populares apontando o dedo para a própria cachola. Só o coração (tema dos anúncios malufistas na época de Duda Mendonça) não basta. Alguns gostariam do retorno do regime militar; outros, do retorno dos recursos que tanta gente envia para os paraísos fiscais. A campanha malufista explora o tema da "volta": do leve-leite, do Cingapura, do PAS, do próprio Paulo.
Marta Suplicy é considerada uma dondoca arrogante e deslumbrada? Mostram-na como uma avó carinhosa e pacata; ou uma senhora despretensiosa e pé-de-boi: uma alma de Erundina sob o invólucro da Daslu. Setores do eleitorado não engolem seu novo casamento? O próprio Eduardo Suplicy aparece elogiando Marta, e se o casamento não se manteve é porque a prefeita é incapaz de conviver com a falsidade. Mas é claro que há obras a mostrar. E, se beleza é o quesito, nada melhor do que nos levar a um distante CEU onde senhoras da periferia também alcançam o direito, nos fins de semana, de dar um trato no cabelo e freqüentar manicures: "oficinas para deixar todo mundo mais bonito". O ponto fraco da administração, depreende-se facilmente, é a saúde, área em que a prefeita diz que fará uma revolução comparável à que fez no transporte e na educação. Por falar em educação a propaganda informa que a prefeita "está acabando" com as vergonhosas escolas de lata. Pitta deixou 61; em quatro anos, foram desativadas dez. Não pensei que demorasse tanto tempo assim.
José Serra é frio, feio, técnico, antipopular? Lá está ele mostrando que não tem medo de criancinha, vacinando carinhosamente os inocentes, ouvindo com modéstia as efusões dos mais velhos. Saúde é tudo, mas também aqui a beleza é fundamental. O close de seu rosto corta a parte de cima da calva, evitando o superdimensionamento da circunferência craniana, o que talvez conotasse excessiva intelectualidade para os padrões de sucesso eleitoral em vigor. Também por isso a sua propaganda é a que mais abusa de clichês e obviedades. "Visão de futuro", "planejamento", "orgulho desta cidade", "preparo", "competência"... Entre construir túneis em bairros de rico e cuidar das crianças, o candidato optará pelas crianças. Entre plantar coqueiros e cuidar da saúde, decide-se (surpresa) pela saúde. O oposicionismo de Serra à atual prefeita parece por enquanto bastante frouxo; é que, depois das suas supostas maldades no caso Roseana, temos agora "o candidato do bem".
Mas o grande ato falho destes primeiros dias coube a Michel Temer. Apoiando Erundina, diz que o PMDB está fazendo uma "aliança com a ética". Já não era sem tempo.


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