São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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ENTREVISTA

Para o cientista político Yan de Souza Carreirão, maioria não escolhe candidato a partir de identidade ideológica

Ataques na TV são saudáveis, diz pesquisador

Tarcísio Mattos/Folha Imagem
Yan de Souza Carreirão, que está lançando livro "Decisão do Voto nas Eleições Presidenciais Brasileiras"


JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao analisar o processo de decisão do voto, o cientista político Yan de Souza Carreirão, 46, da Universidade Federal de Santa Catarina, defende que, para a maioria do eleitor brasileiro, o voto não é ideológico.
"Há uma tese que diz que o eleitorado escolhe a partir de identidade ideológica: eleitores que se posicionam à direita votam em candidatos à direita; eleitores que se posicionam à esquerda votam em candidatos à esquerda. Isso vale mais para os eleitores de alta escolaridade", afirmou Souza Carreirão, em uma referência ao cientista político André Singer, porta-voz do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, e autor do livro "Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro".
Com base em pesquisas, Singer sustenta a tese de que o eleitorado brasileiro faz uma distinção entre a direita e a esquerda na hora de decidir em quem vai votar.
Para Souza Carreirão, professor e doutor em ciência política, "boa parte do eleitorado brasileiro não consegue definir o que é esquerda e o que é direita".
Dessa forma, ele defende que há outras duas variáveis importantes, levadas em consideração pelo eleitor na hora de definir o voto: o desempenho do governo e a avaliação de qualidades dos candidatos, como honestidade, experiência administrativa e credibilidade.
Esses dois pontos, na análise de Souza Carreirão, influenciam tanto eleitores de alta escolaridade quanto os de baixa escolaridade.
O cientista político avalia ainda que os ataques entre os adversários no horário eleitoral na TV são uma forma legítima de influenciar o processo de decisão.
"O horário eleitoral não pode ser só para cada um falar maravilhas sobre si próprio. O eleitor também tem de ter uma visão contraditória", afirmou o cientista político. A troca de farpas pode influenciar negativamente o eleitor, analisa Souza Carreirão, "se a acusação for feita sem nenhuma base de sustentação ou se forem usadas coisas muito pessoais".
Souza Carreirão fez uma análise do processo de decisão do eleitor nas eleições para presidente em 1989, 1994 e 1998, que consta do livro "A Decisão do Voto nas Eleições Presidenciais Brasileiras", que será lançado pela Editora da Fundação Getúlio Vargas nesta semana. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
 

Folha - Como o eleitor define seu voto para presidente?
Yan de Souza Carreirão -
A decisão de voto dos eleitores é relativamente complexa e depende de algumas variáveis, como a escolaridade do eleitor. Há uma tese que diz que o eleitorado escolhe a partir de identidade ideológica: eleitores que se posicionam à direita votam em candidatos à direita; eleitores que se posicionam à esquerda votam em candidatos à esquerda. Isso vale mais para os eleitores de alta escolaridade.
Para os eleitores de baixa escolaridade, isso não se confirma. O eleitorado de baixa escolaridade, boa parte do eleitorado brasileiro, não consegue definir o que é esquerda e o que é direita. Ideologia conta mais para os eleitores de alta escolaridade.

Folha - De que outra forma o nível de escolaridade influencia o voto?
Souza Carreirão -
A faixa de escolaridade serve para definir o voto na questão referente à ideologia. As outras variáveis, principalmente os fatores de avaliação do desempenho do governo e de avaliação dos atributos dos candidatos, não têm muitas diferenças entre eleitores de alta e baixa escolaridade. O [candidato José" Serra [PSDB", talvez por atributos pessoais, deveria estar numa situação melhor da que ele está hoje. Mas ele tem o peso do governo.

Folha - Então são essas variáveis que pesam para o eleitor em geral?
Souza Carreirão -
O que pesa para esses eleitores, independentemente da escolaridade, é a avaliação do desempenho do presidente em exercício e de certos atributos dos candidatos, como honestidade, experiência administrativa e credibilidade.

Folha - Isso significa que o peso da ideologia na definição do voto é pequeno.
Souza Carreirão -
Ela tem um peso relativamente pequeno. Perde espaço para a avaliação que o eleitor faz do governo.

Folha - Isso faz com que o processo de decisão no Brasil seja diferente do de países com melhores índices de escolaridade?
Souza Carreirão -
Nível de escolaridade menor tem uma correspondência com o nível de recebimento de informação política. A lógica [em outros países" não é muito diferente. Mas, no Brasil, o volume de informações para tomar a decisão pode ser menor. Isso depende também dos meios de comunicação.

Folha - Com base na análise do sr., o candidato oficial perde perante o eleitor por ser governo?
Souza Carreirão -
Ele tem uma certa faixa do eleitorado que potencialmente iria votar nele e que hoje avalia bem o governo. Mas essa faixa é minoritária. Se o governo estivesse bem, se a avaliação estivesse mais ou menos igual à de 98, tenho convicção de que o Serra estaria melhor. Provavelmente estaria em primeiro lugar.

Folha - Mas não podemos negar que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso ainda é um puxador de votos.
Souza Carreirão -
Eu não acredito nisso. Desde 89, o brasileiro leva em consideração a economia. Serra tem uma história de vida, é um técnico competente. Isso passa credibilidade para uma parcela do eleitorado. Por outro lado, o fato de ele ser uma figura-chave do governo, que está sendo avaliado negativamente em alguns aspectos centrais da campanha, como segurança e emprego, fragiliza a credibilidade das propostas dele.
Há uma relação entre os atributos do candidato e a avaliação do governo. Tem gente que acha que ele não é um cara simpático, que não tem carisma. Mas eu não acho que essas varáveis sejam importantes. O eleitorado não é assim, emocional ou intuitivo. Ele tende a prestar atenção em características dos candidatos que são relevantes para um governante.

Folha - Beleza e simpatia não ajudam a definir o voto?
Souza Carreirão -
Não há evidências disso. É possível que as pessoas fiquem constrangidas em dizer que levam isso em consideração na hora de definir o voto.

Folha - Como o sr. explica o percentual de eleitores de que votariam em Ciro Gomes (PPS) por causa de Patrícia Pillar?
Souza Carreirão -
Isso é uma transferência para o candidato: "Se ela é uma pessoa assim e está casada com ele, ele também deve ser assim". E não [acontece" porque ele é bonito ou simpático.

Folha - Até que ponto o marketing influencia na decisão?
Souza Carreirão -
A gente não consegue construir uma imagem do nada. Acho que certas ações do marketing tem impacto quando há base de sustentação. Quando não há, fica difícil criar um candidato do nada.

Folha - Os marqueteiros, com base em pesquisas qualitativas, criam candidatos palatáveis ao eleitor.
Souza Carreirão -
São coisas diferentes. Uma coisa é a defesa de programas ou de propostas mais próximas do que o público quer. Isso não é programa de marketing é programa político.

Folha - O candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, não mudou para agradar o público?
Souza Carreirão -
A mudança do Lula e do PT não é uma mudança simplesmente definida pelo Duda Mendonça. Claro que há uma tendência do PT nesse sentido, estamos em campanha, mas o PT já vinha dando sinais de ter perdido a radicalismo e de ter se aproximado do centro. É uma decisão política e muito clássica da esquerda: fazer concessões ao centro para ampliar o eleitorado.

Folha - Na opinião do sr. então não há a criação de personagens/ candidatos?
Souza Carreirão -
Acho que há alguma coisa nesse sentido, mas que tem um limite. É difícil criar personagens, principalmente quando os candidatos já têm uma história conhecida pelo eleitor.

Folha - Quando o eleitor decide o seu voto, ele leva em consideração os ataques entre os candidatos na televisão?
Souza Carreirão -
Isso depende muito da credibilidade dos ataques e do nível em que eles se dão. O que Serra fez foi mostrar o Ciro falando. O que aconteceu? Ciro caiu, e o Serra não se prejudicou com isso. Já impacto dos ataques que o Serra fez contra o Lula é mais difícil de prever. As pesquisas vão mostrar se houve estrago tanto para o Lula quanto para o no Serra, que pode criar uma imagem de truculento, que quer chegar ao poder de qualquer jeito.
Quem está sendo atacado tem de mostrar isso para o eleitor, que capta melhor as mensagens repetidas. Por isso o horário eleitoral é importante. Para oficiar um contraditório. Agora cabe ao Lula se defender, dizer que são baixarias, montagens, etc. O eleitorado pode achar até truculento, mas vai avaliar mais negativamente se alguém mostrar isso para ele.

Folha - O sr. concorda com a tese de que o eleitor não gosta de ver baixaria na propaganda eleitoral?
Souza Carreirão -
Eu não acho que a chamada propaganda negativa seja ruim. Depende muito do grau em que se dá, se a acusação é feita sem nenhuma base de sustentação ou se são usadas coisas muito pessoais. Cabe aos candidatos mostrarem os defeitos dos outros. O horário eleitoral não pode ser só para cada um falar maravilhas sobre si próprio. O eleitor também tem de ter uma visão contraditória.

Folha - Então até agora os ataques são legítimos?
Souza Carreirão -
Em geral, não houve nada muito grave ainda. Eu acho que essa coisa do [deputado" José Dirceu (PT) foi a mais forte. (Nesta semana, o programa na TV de Serra mostrou um discurso de Dirceu, de 2000, em que o petista diz que os tucanos têm de "apanhar nas ruas e nas urnas". Depois mostrou uma imagem do governador Mário Covas sendo agredido por grevistas).


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