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São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 2003

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Sociólogo vê ação leviana do governo

DA AGÊNCIA FOLHA

Uma das referências do país quando o tema é reforma agrária, o sociólogo Zander Navarro, 52, rotula de "escandalosamente levianas" as ações do governo federal no campo. Para ele, existe o incentivo governamental às invasões de terra, enquanto não há estratégias para conter a reação dos fazendeiros.
Navarro é professor do programa de pós-graduação em desenvolvimento rural da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e, a partir de janeiro, assume a função de pesquisador e professor do Instituto de Estudos de Desenvolvimento na Universidade de Sussex, na Inglaterra.
A pedido de Navarro, a entrevista foi feita por e-mail e de forma gradativa -assim que recebia uma resposta, a reportagem enviava a pergunta seguinte. Ele diz que desde 1982 vota "apenas" no PT. (EDUARDO SCOLESE)
 
Agência Folha - Que balanço o sr. faz do que viu até agora nas relações entre o novo governo e o MST, em meio a momentos conflitantes e de identificação?
Zander Navarro -
Trata-se do esperado. Para o distinto público e a mídia, um aparente antagonismo e/ou independência entre as partes. Mas, intramuros, uma relação simbiótica entre o MST e diversos setores do governo. O novo presidente do Incra [Rolf Hackbart], por exemplo, foi recrutado ainda na universidade por João Pedro Stedile [MST] e esteve sob seu mando durante praticamente toda a sua carreira partidária. Alguém acredita que manterá alguma isenção? No fundo, nem os novos operadores governamentais nem o MST sabem bem o que é "Estado democrático". Como não têm essa percepção, a marca da ambivalência e das ações erráticas passa a ser permanente. O presidente Lula ainda não encaminhou a mais óbvia das medidas, demonstrando uma infeliz miopia republicana: é talvez o único que poderia exigir a institucionalização do MST como requisito prévio para aceitá-lo como parceiro no espaço público.

Agência Folha - Há hoje uma radicalização de conflitos no campo ou apenas uma maior visibilidade de algo histórico?
Navarro -
Alguns números e fatos são mais expressivos atualmente, como as ocupações de terra, mas não creio que represente algo singularmente distinto do passado. Com o apoio de setores do próprio governo, sem dúvida o MST e outras organizações vêm recrutando mais pessoas para engrossar suas ações e formar mais acampamentos. Mas somente produzirá mais radicalização se o governo mantiver o imobilismo.

Agência Folha - Como o sr. avalia a atuação dos ruralistas. Os fazendeiros estão se armando?
Navarro -
Parece inevitável, à luz da indigência operacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Essa é uma face de extrema gravidade, pois as vítimas imediatas são os pobres, tangidos pela manipulação de religiosos, do MST e dos coronéis do campo. A ação governamental tem sido escandalosamente leviana, pois incentiva a ocupação de terras, mas não tem nenhuma estratégia para administrar a reação dos fazendeiros.

Agência Folha - Qual é o sentido de uma reforma agrária hoje no Brasil? A finalidade é econômica ou apenas um colchão social?
Navarro -
Reforma agrária, como qualquer processo social, também é marcada pelas circunstâncias históricas. Representou uma ambição típica do período do pós-guerra, se estendendo até os anos 70. Depois foi perdendo a razão de ser, neutralizada pela urbanização ou pelo espetacular aumento da produção de alimentos e matérias-primas, entre outras mudanças. No passado, era um problema de acesso à terra. Hoje, é um problema de insuficiência de renda o maior entrave ao desenvolvimento.

Agência Folha - O MST aguarda para este ano um novo PNRA [Plano Nacional de Reforma Agrária] como uma espécie de prova para medir as intenções do Planalto. O sr. acredita que o governo tocará adiante a essência desse plano, que tem como base o assentamento de 1 milhão de famílias até 2006?
Navarro -
Se propuser essa meta, o governo estará no terreno dos contos de fadas, iludindo a todos. Sejamos francos: Lula não terá capacidade de assentar 1 milhão de famílias nem mesmo em dois mandatos, se o segundo ocorrer. Inclusive porque tal demanda inexiste. Se o país passar a crescer à modesta taxa média de 4% ao ano, os dirigentes do MST ficarão falando sozinhos.



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