São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2004

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ECOS DO REGIME

No Canadá, d'Astous afirma que, em 73, foi fotogrado por policiais; para ele, seria pior denunciar caso à época

Padre diz que foi agredido e humilhado

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O padre canadense Leopoldo d'Astous, 72, disse ontem à Folha que em 1973 um grupo de policiais o interceptou numa estrada entre as cidades goianas de Caldas Novas e Morrinhos.
Afirmou que ele e a freira Terezinha Sales, que o acompanhava, foram agredidos, despidos, e fotografados. Permaneceram em mãos dos policiais por três horas.
Eles pertenciam à chamada ala progressista da igreja e organizavam encontros com a juventude.
As fotografias em que ambos apareciam nus ressurgiram nove anos depois num panfleto anônimo que circulou por Brasília, onde padre Leopoldo era pároco.
Eis os principais trechos de sua entrevista, feita ontem à noite por telefone no Canadá, onde o clérigo se encontra.
 

Folha - O que o sr. e a irmã Terezinha Sales tinham como atividade conjunta em 1973?
Leopoldo d'Astous -
Na época nós promovíamos encontros para jovens. A freira Terezinha Sales era a coordenadora regional para a juventude da Arquidiocese de Goiânia. Eu trabalhava em Brasília e também promovia encontros para a juventude. Algumas vezes trabalhávamos juntos e fazíamos, em companhia de jovens e em diferentes cidades, encontros com jovens e seus os pais.

Folha - Os organismos de segurança tinham algum interesse por esses encontros?
D'Astous -
Eu era bastante visado. Sabíamos que muitas vezes éramos seguidos. Descobrimos que alguns dos jovens que se inscreviam para nossos encontros eram informantes da polícia.

Folha - O sr. e irmã Terezinha foram presos em Caldas Novas?
D'Astous -
Não foi bem prisão, mas foi muito constrangedor. Certa noite, no caminho entre Caldas Novas e Morrinhos, fomos detidos por um grupo que interceptou o nosso carro. Fomos agredidos fisicamente, machucados. Eles tiraram nossas roupas. Nos acusaram de ser traficantes.

Folha - Revistaram o que o sr. transportava?
D'Astous -
Tentaram revistar nossas malas, nossos papéis. Acharam que um vidrinho de analgésico era droga, aqueles vexames todos. Não deixamos que mexessem em nossas coisas. Eles batiam na gente, ficamos feridos.

Folha - Alguém os fotografou?
D'Astous -
Dois dos policiais tiraram fotografias. Conseguimos arrancar o filme de uma das máquinas fotográficas. Mas eles conseguiram ficar com o filme da outra máquina. Depois de três horas de xingamentos e agressões eles foram embora e nos deixaram prosseguir viagem.

Folha - Alguém ligou nos últimos dias ao o sr. para avisar que essas fotos estavam sendo publicadas?
D'Astous -
Não. Ninguém me telefonou. Eu nunca quis muito saber dessa história, mexer nesse assunto. Não adiantaria nada.

Folha - Voltemos ao incidente. Quantas pessoas foram submetidas à situação vexaminosa?
D'Astous -
Só duas. Eu e a freira Terezinha.

Folha - Os bispos de Goiânia e Brasília chegaram a ser informados do incidente?
D'Astous -
Fomos a uma cidadezinha para um curso de dois dias que havia sido planejado. Contamos às lideranças locais o que havia acontecido. O pessoal queria fazer passeata. Não quisemos, porque seria pior. Na volta, em Goiânia, falamos direto com d. Fernando, o bispo de Goiânia, e decidimos não articular nenhuma reação para podermos continuar com nosso trabalho.

Folha - O sr. temia ser expulso por ser um padre estrangeiro?
D'Astous -
Pois é.

Folha - O carro em que os policiais estavam estava caracterizado como carro policial?
D'Astous -
Não tenho idéia de onde que eles eram.

Folha - Eles fizeram alguma chantagem com as fotos?
D'Astous -
Sabíamos que aquele filme que eles haviam guardado poderia aparecer um dia.

Folha - Nada apareceu na época?
D'Astous -
Não. Naquela época, não. As fotos apareceram nove anos depois, em 1982. Fizeram panfletos anônimos contra mim ("olhem só o seu vigário"), em Brasília. Os panfletos alertavam aos fiéis sobre mim e foram distribuídos em minha paróquia e em toda a cidade.

Folha - Eram fotos constrangedoras, que mostravam as partes mais íntimas?
D'Astous -
Não diretamente.

Folha - Seu rosto aparecia?
D'Astous -
Sim, aparecia.

Folha - Em 1973 o sr. já era calvo?
D'Astous -
Sim, já era.

Folha - O sr. era parecido fisicamente com o Vladimir Herzog?
D'Astous -
Isso eu não sei. Não posso dizer.


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