Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ECOS DO REGIME
No Canadá, d'Astous afirma que, em 73, foi fotogrado por policiais; para ele, seria pior denunciar caso à época
Padre diz que foi agredido e humilhado
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O padre canadense Leopoldo
d'Astous, 72, disse ontem à Folha
que em 1973 um grupo de policiais o interceptou numa estrada
entre as cidades goianas de Caldas
Novas e Morrinhos.
Afirmou que ele e a freira Terezinha Sales, que o acompanhava,
foram agredidos, despidos, e fotografados. Permaneceram em
mãos dos policiais por três horas.
Eles pertenciam à chamada ala
progressista da igreja e organizavam encontros com a juventude.
As fotografias em que ambos
apareciam nus ressurgiram nove
anos depois num panfleto anônimo que circulou por Brasília, onde padre Leopoldo era pároco.
Eis os principais trechos de sua
entrevista, feita ontem à noite por
telefone no Canadá, onde o clérigo se encontra.
Folha - O que o sr. e a irmã Terezinha Sales tinham como atividade
conjunta em 1973?
Leopoldo d'Astous - Na época
nós promovíamos encontros para
jovens. A freira Terezinha Sales
era a coordenadora regional para
a juventude da Arquidiocese de
Goiânia. Eu trabalhava em Brasília e também promovia encontros
para a juventude. Algumas vezes
trabalhávamos juntos e fazíamos,
em companhia de jovens e em diferentes cidades, encontros com
jovens e seus os pais.
Folha - Os organismos de segurança tinham algum interesse por
esses encontros?
D'Astous - Eu era bastante visado. Sabíamos que muitas vezes
éramos seguidos. Descobrimos
que alguns dos jovens que se inscreviam para nossos encontros
eram informantes da polícia.
Folha - O sr. e irmã Terezinha foram presos em Caldas Novas?
D'Astous - Não foi bem prisão,
mas foi muito constrangedor.
Certa noite, no caminho entre
Caldas Novas e Morrinhos, fomos
detidos por um grupo que interceptou o nosso carro. Fomos
agredidos fisicamente, machucados. Eles tiraram nossas roupas.
Nos acusaram de ser traficantes.
Folha - Revistaram o que o sr.
transportava?
D'Astous - Tentaram revistar
nossas malas, nossos papéis.
Acharam que um vidrinho de
analgésico era droga, aqueles vexames todos. Não deixamos que
mexessem em nossas coisas. Eles
batiam na gente, ficamos feridos.
Folha - Alguém os fotografou?
D'Astous - Dois dos policiais tiraram fotografias. Conseguimos
arrancar o filme de uma das máquinas fotográficas. Mas eles conseguiram ficar com o filme da outra máquina. Depois de três horas
de xingamentos e agressões eles
foram embora e nos deixaram
prosseguir viagem.
Folha - Alguém ligou nos últimos
dias ao o sr. para avisar que essas
fotos estavam sendo publicadas?
D'Astous - Não. Ninguém me telefonou. Eu nunca quis muito saber dessa história, mexer nesse assunto. Não adiantaria nada.
Folha - Voltemos ao incidente.
Quantas pessoas foram submetidas à situação vexaminosa?
D'Astous - Só duas. Eu e a freira
Terezinha.
Folha - Os bispos de Goiânia e
Brasília chegaram a ser informados
do incidente?
D'Astous - Fomos a uma cidadezinha para um curso de dois dias
que havia sido planejado. Contamos às lideranças locais o que havia acontecido. O pessoal queria
fazer passeata. Não quisemos,
porque seria pior. Na volta, em
Goiânia, falamos direto com d.
Fernando, o bispo de Goiânia, e
decidimos não articular nenhuma
reação para podermos continuar
com nosso trabalho.
Folha - O sr. temia ser expulso por
ser um padre estrangeiro?
D'Astous - Pois é.
Folha - O carro em que os policiais
estavam estava caracterizado como carro policial?
D'Astous - Não tenho idéia de
onde que eles eram.
Folha - Eles fizeram alguma chantagem com as fotos?
D'Astous - Sabíamos que aquele
filme que eles haviam guardado
poderia aparecer um dia.
Folha - Nada apareceu na época?
D'Astous - Não. Naquela época,
não. As fotos apareceram nove
anos depois, em 1982. Fizeram
panfletos anônimos contra mim
("olhem só o seu vigário"), em
Brasília. Os panfletos alertavam
aos fiéis sobre mim e foram distribuídos em minha paróquia e em
toda a cidade.
Folha - Eram fotos constrangedoras, que mostravam as partes mais
íntimas?
D'Astous - Não diretamente.
Folha - Seu rosto aparecia?
D'Astous - Sim, aparecia.
Folha - Em 1973 o sr. já era calvo?
D'Astous - Sim, já era.
Folha - O sr. era parecido fisicamente com o Vladimir Herzog?
D'Astous - Isso eu não sei. Não
posso dizer.
Texto Anterior: Leia a íntegra da nota divulgada pelo ministro Próximo Texto: Para entidade, governo teme militares Índice
|