São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ A HORA DE DIRCEU

Ex-ministro contesta 24 pontos do relatório apresentado por Júlio Delgado (PSB-MG) ao Conselho de Ética, que pede sua cassação

Relator deturpou depoimentos, diz Dirceu

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

Ao apresentar uma defesa com 24 pontos ontem, o deputado José Dirceu (PT-SP) partiu para o ataque contra o relator de seu processo de cassação, Júlio Delgado (PSB-MG), acusando-o de distorcer fatos relativos ao processo. Defendeu também que a prática do caixa dois seja "exterminada", mas "sem hipocrisia".
"Não podemos fazer apologia, temos que exterminar o caixa dois. Mas não se pode ter hipocrisia. É preciso fazer uma reforma política, é preciso baratear custos de campanha", afirmou Dirceu, durante entrevista coletiva de cerca de duas horas, uma de suas últimas cartadas para tentar evitar a cassação. Ele apresentou um "contra-relatório" contestando em 24 pontos o parecer de Delgado apresentado no Conselho de Ética e que será votado na próxima semana.
Para o ex-ministro, o relator do processo "deturpou" uma série de depoimentos para mostrar que ele sabia dos empréstimos tomados pelo PT junto ao publicitário Marcos Valério de Souza. Segundo Dirceu, Delgado "omitiu" e "editou" depoimentos e "falseou contradições".
Sorridente e falando pausadamente, Dirceu procurou desfazer a imagem de arrogância que se consolidou durante sua passagem pelo governo -e que pode pesar muito na votação em plenário.
Prometeu "mudar" ao término do processo, qualquer que seja a decisão da Câmara. "Senão, seria insensível." Afirmou ainda que se "penitencia" por ter defendido, em 1994, a cassação do deputado Ricardo Fiúza (PP-PE) por envolvimento no escândalo dos anões do Orçamento, mesmo sem provas, porque seria "público e notório" que ele seria corrupto.
Quando questionado a respeito da prática de financiamento irregular na campanha presidencial de 2002, que ele coordenou, Dirceu respondeu com uma afirmação do ex-tesoureiro Delúbio Soares. "O Delúbio deixou claro que, na campanha em que eu fui coordenador, e ele tesoureiro, não houve caixa dois." Instado a dizer se corroborava essa versão, esquivou-se: "É o que o Delúbio Soares declarou".
"Eu prefiro, como sou réu e estou respondendo a um processo no Conselho de Ética, reiterar o que eu falei. Vamos fazer reforma política, assumir prestação de contas diárias, reduzir os custos de campanha", declarou.
Em seguida, lançou artilharia pesada contra os tucanos -para o ex-ministro, estes sim, culpados de caixa dois. "No depoimento do Claudio Mourão [ex-tesoureiro tucano em 1998] ele fala que foi pago para o [publicitário] Duda Mendonça em Minas Gerais com caixa dois. Temos a famosa planilha do [ex-ministro Luiz Carlos] Bresser em 98, o ex-presidente do Bamerindus [José Andrade Vieira] dizendo que caixa dois era normal na campanha de Fernando Henrique Cardoso", afirmou.
Mas só o caixa 2 petista é investigado, de acordo com Dirceu. "Fica todo mundo à beira de um ataque de nervos quando se fala em investigar o PSDB. Só tem que investigar o PT?"
Dirceu voltou a negar que soubesse dos empréstimos contraídos por Delúbio, embora tenha admitido que, em diversas ocasiões, conversou com o ex-tesoureiro na Casa Civil, inclusive sobre assuntos do PT. "Não vejo problema nenhum em receber membros da Executiva do meu partido. Conversávamos sobre questões de governo, da bancada do PT, do partido. Mas eu nunca soube dos empréstimos", disse.

Ataque ao relator
Em diversos momentos o relator do processo foi alvo do ex-ministro. Ao dizer que é tratado injustamente pela mídia, rebateu com uma acusação velada. Citou reportagem do "Correio Braziliense" que diz que Delgado teria comprado um carro à vista em dinheiro vivo. "Notícia é prova? Se é, o deputado Júlio Delgado pode se considerar vítima da opinião publicada." Aproveitou para criticar a imprensa, dizendo que ela "faz política o tempo todo".
Depois, ao fazer outra analogia, afirmou que, se ele deveria saber dos empréstimos ao PT pela posição que ocupava, então Delgado, que era líder do PPS na Câmara, também deveria ter conhecimento do que disse o deputado federal Miro Teixeira (então no partido), que denunciou o "mensalão" ao "Jornal do Brasil" em setembro de 2004. "Por essa lógica, seria impossível ele [Delgado] não saber."
Numa terceira ocasião, ao negar que o "mensalão" tenha sido pago a deputados para mudar de partido, disse que o troca-troca sempre foi prática corrente na Câmara. "O próprio relator foi eleito pelo PMDB e passou por PPS e agora PSB."
Dirceu afirmou que se arrepende de ter deixado a direção do PT, porque muitos dos problemas poderiam não ter acontecido. Depois se corrigiu: "Eu apenas não, seria muita pretensão, mas um grupo de pessoas. Isso criou uma sobrecarga para os dirigentes que ficaram. Deveríamos ter agido diferente", disse.
O ex-ministro colocou-se como vítima de um processo político da oposição. "A quem interessa me tirar do Parlamento, me jogar na ilegalidade? O que o país ganha com isso?" Ele disse que tem apoio no PT, mas mostrou-se compreensivo com a falta de apoio explícito do Palácio do Planalto. "Imagina se o presidente Lula toma partido? Seria uma interferência indevida do Executivo no Legislativo. Por que só me defender e não os outros deputados? O presidente Lula está na função correta, ele tem que governar o Brasil. Eu me defendo sozinho." (FÁBIO ZANINI, SILVIO NAVARRO E ADRIANO CEOLIN)

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