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ELEIÇÕES 2006 / PRESIDÊNCIA
Segurança é tema frágil, afirma analista
Cientista político Jorge Zaverucha lamenta que assunto não tenha ganhado consistência na campanha de Lula e Alckmin
Segundo professor, captura de agentes públicos para o crime pode tornar poder do Estado nominal, incapaz de garantir proteção a civis
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Para o cientista político Jorge Zaverucha, 50, se o processo
de captura de agentes públicos
para o crime organizado, evidenciado no crescimento da
facção criminosa PCC em São
Paulo, não for estancado, "o poder legal estatal tende a tornar-se meramente nominal".
Coordenador do Núcleo de
Estudos de Instituições Coercitivas da Universidade Federal
de Pernambuco, faz previsão
sombria: "É o Estado se desmilingüindo. Seria a volta ao Estado Hobbesiano. Como o Estado
é incapaz de garantir a integridade física de seus súditos, prevaleceria o uso da força."
Zaverucha diz que "corrupção, crime organizado e um alto
nível de impunidade andam
juntos" e lamenta que os temas
não tenham ganhado discussões consistentes na campanha
presidencial. No caso do crime
organizado, diz: "Não aparece
um discurso sério porque os
dois candidatos sabem que são
frágeis nesse tema. As diferenças entre os governos FHC e
Lula são poucas", diz ele, autor
de "FHC, Forças Armadas e Polícia: Entre o Autoritarismo e a
Democracia" (Record, 2005).
A segurança, porém, terá
destaque na agenda da 30º
Reunião Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais), que começa na próxima terça, em Caxambu (MG).
Além de tratar da ação criminosa em São Paulo, o encontro
trará os resultados de concurso
de pesquisas feito pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Zaverucha será debatedor de uma das mesas de abertura. Leia trechos da entrevista.
FOLHA - Segurança é, pela primeira
vez, um dos temas principais da Anpocs. É o efeito PCC?
JORGE ZAVERUCHA - A idéia de
uma mesa com o tema surgiu
por causa de dois eventos: os
ataques do PCC em São Paulo e
o roubo de armas militares no
Rio. Em ambos os casos, o Estado se mostrou frágil e foi preciso, mesmo que de forma velada,
negociar com delinqüentes.
Uma análise do Estado de direito deve ser feita em duas dimensões. Há o eixo vertical
-quem viveu na ditadura sabe
o quanto o Estado abusou dos
cidadãos- e há o eixo horizontal, onde o Estado tem o papel
de fazer com que a lei se cumpra. Na minha análise, o crime
organizado prospera quando
há fragilidade no eixo horizontal. É como se o Estado fosse
deixando de existir, e aí caminhamos para a anarquia.
Note que uma das reivindicações do PCC era que a Lei das
Execuções Penais, que, entre
outros aspectos, diz quantas
pessoas podem ficar numa cela,
fosse aplicada. Ou seja, o Estado que pune quem viola a lei
também é capaz de violar a lei.
Boa parte do poderio do PCC
advém do sucesso em capturar
agentes do Estado. Se este processo de captura não for estancado, o poder legal estatal tende a tornar-se meramente nominal. É o Estado se desmilingüindo. Seria a volta ao Estado
Hobbesiano. Como o Estado é
incapaz de garantir a integridade física de seus súditos, prevaleceria o uso da força.
FOLHA - Apesar da centralidade do
tema, ele não foi dominante na
campanha presidencial. Por quê?
ZAVERUCHA - Não aparece um
discurso sério porque os dois
candidatos sabem que são frágeis no tema. As diferenças entre os governos FHC e Lula são
muito pequenas. Temos uma
Secretaria Nacional de Segurança Pública que não controla
a principal polícia da União: a
Polícia Federal. Mas o problema atinge a Academia. São poucos os cientistas políticos que
se interessam pelo tema.
FOLHA - O sr. fala de "crime organizado endógeno" para falar de corrupção no Estado. Como avalia a discussão atual do tema?
ZAVERUCHA - É como funcionava a máfia dos sanguessugas,
por exemplo, que precisou de
um burocrata que lhe abrisse o
cofre estatal. Corrupção, crime
organizado e alto nível de impunidade andam juntos. O Estado, no eixo horizontal, está se
enfraquecendo. Há corrupção
em quase todas as instâncias.
FOLHA - Qual avaliação que o sr.
faz da PF? No caso do escândalo do
dossiê, a PF está na berlinda.
ZAVERUCHA - A PF está na berlinda há muito tempo. O que
vejo agora é que ela está funcionando muito bem, quando não
atinge os interesses do governo.
Mas ocorreu só uma troca de
papéis, entre PT e PSDB. Veja o
caso Lunus, em 2002. A família
Sarney interpretou que a PF foi
usada pelos tucanos para minar
a candidatura da Roseana.
Na disputa passada, via de regra, os agentes da PF apoiaram
Lula e os delegados, Serra. Algo
típico de sociedade pretoriana.
FOLHA - O que fazer para combater
essa partidarização?
ZAVERUCHA - É preciso reconhecer que estamos longe de
uma democracia consolidada.
O clientelismo é um fenômeno
mais forte do que imaginávamos. Conhecíamos o de direita,
agora descobrimos o de esquerda. No meu livro sobre a Polícia
Civil de Pernambuco, abro um
dos capítulos com a citação de
um ex-secretário de Segurança
Pública onde ele diz: "Não se
faz polícia, se faz política".
FOLHA - O cenário que o sr. desenha, então, é sombrio.
ZAVERUCHA - Sim. Tanto é que o
Exército já criou a Doutrina da
Garantia da Lei e da Ordem para situações de desordem interna. Nos afastamos de uma das
principais características do
Estado moderno: a clara separação entre a força responsável
pela guerra externa e a força
encarregada da ordem interna.
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