São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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ELEIÇÕES 2006 / PRESIDÊNCIA

Segurança é tema frágil, afirma analista

Cientista político Jorge Zaverucha lamenta que assunto não tenha ganhado consistência na campanha de Lula e Alckmin

Segundo professor, captura de agentes públicos para o crime pode tornar poder do Estado nominal, incapaz de garantir proteção a civis

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o cientista político Jorge Zaverucha, 50, se o processo de captura de agentes públicos para o crime organizado, evidenciado no crescimento da facção criminosa PCC em São Paulo, não for estancado, "o poder legal estatal tende a tornar-se meramente nominal". Coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da Universidade Federal de Pernambuco, faz previsão sombria: "É o Estado se desmilingüindo. Seria a volta ao Estado Hobbesiano. Como o Estado é incapaz de garantir a integridade física de seus súditos, prevaleceria o uso da força." Zaverucha diz que "corrupção, crime organizado e um alto nível de impunidade andam juntos" e lamenta que os temas não tenham ganhado discussões consistentes na campanha presidencial. No caso do crime organizado, diz: "Não aparece um discurso sério porque os dois candidatos sabem que são frágeis nesse tema. As diferenças entre os governos FHC e Lula são poucas", diz ele, autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: Entre o Autoritarismo e a Democracia" (Record, 2005). A segurança, porém, terá destaque na agenda da 30º Reunião Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que começa na próxima terça, em Caxambu (MG). Além de tratar da ação criminosa em São Paulo, o encontro trará os resultados de concurso de pesquisas feito pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Zaverucha será debatedor de uma das mesas de abertura. Leia trechos da entrevista.  

FOLHA - Segurança é, pela primeira vez, um dos temas principais da Anpocs. É o efeito PCC?
JORGE ZAVERUCHA
- A idéia de uma mesa com o tema surgiu por causa de dois eventos: os ataques do PCC em São Paulo e o roubo de armas militares no Rio. Em ambos os casos, o Estado se mostrou frágil e foi preciso, mesmo que de forma velada, negociar com delinqüentes. Uma análise do Estado de direito deve ser feita em duas dimensões. Há o eixo vertical -quem viveu na ditadura sabe o quanto o Estado abusou dos cidadãos- e há o eixo horizontal, onde o Estado tem o papel de fazer com que a lei se cumpra. Na minha análise, o crime organizado prospera quando há fragilidade no eixo horizontal. É como se o Estado fosse deixando de existir, e aí caminhamos para a anarquia. Note que uma das reivindicações do PCC era que a Lei das Execuções Penais, que, entre outros aspectos, diz quantas pessoas podem ficar numa cela, fosse aplicada. Ou seja, o Estado que pune quem viola a lei também é capaz de violar a lei. Boa parte do poderio do PCC advém do sucesso em capturar agentes do Estado. Se este processo de captura não for estancado, o poder legal estatal tende a tornar-se meramente nominal. É o Estado se desmilingüindo. Seria a volta ao Estado Hobbesiano. Como o Estado é incapaz de garantir a integridade física de seus súditos, prevaleceria o uso da força.

FOLHA - Apesar da centralidade do tema, ele não foi dominante na campanha presidencial. Por quê?
ZAVERUCHA
- Não aparece um discurso sério porque os dois candidatos sabem que são frágeis no tema. As diferenças entre os governos FHC e Lula são muito pequenas. Temos uma Secretaria Nacional de Segurança Pública que não controla a principal polícia da União: a Polícia Federal. Mas o problema atinge a Academia. São poucos os cientistas políticos que se interessam pelo tema.

FOLHA - O sr. fala de "crime organizado endógeno" para falar de corrupção no Estado. Como avalia a discussão atual do tema?
ZAVERUCHA
- É como funcionava a máfia dos sanguessugas, por exemplo, que precisou de um burocrata que lhe abrisse o cofre estatal. Corrupção, crime organizado e alto nível de impunidade andam juntos. O Estado, no eixo horizontal, está se enfraquecendo. Há corrupção em quase todas as instâncias.

FOLHA - Qual avaliação que o sr. faz da PF? No caso do escândalo do dossiê, a PF está na berlinda.
ZAVERUCHA
- A PF está na berlinda há muito tempo. O que vejo agora é que ela está funcionando muito bem, quando não atinge os interesses do governo. Mas ocorreu só uma troca de papéis, entre PT e PSDB. Veja o caso Lunus, em 2002. A família Sarney interpretou que a PF foi usada pelos tucanos para minar a candidatura da Roseana. Na disputa passada, via de regra, os agentes da PF apoiaram Lula e os delegados, Serra. Algo típico de sociedade pretoriana.

FOLHA - O que fazer para combater essa partidarização?
ZAVERUCHA
- É preciso reconhecer que estamos longe de uma democracia consolidada. O clientelismo é um fenômeno mais forte do que imaginávamos. Conhecíamos o de direita, agora descobrimos o de esquerda. No meu livro sobre a Polícia Civil de Pernambuco, abro um dos capítulos com a citação de um ex-secretário de Segurança Pública onde ele diz: "Não se faz polícia, se faz política".

FOLHA - O cenário que o sr. desenha, então, é sombrio.
ZAVERUCHA
- Sim. Tanto é que o Exército já criou a Doutrina da Garantia da Lei e da Ordem para situações de desordem interna. Nos afastamos de uma das principais características do Estado moderno: a clara separação entre a força responsável pela guerra externa e a força encarregada da ordem interna.


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