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ELIO GASPARI
A festa de Mario Vargas Llosa
Em julho de 1995 , FFHH
disse que o presidente Alberto Fujimori era "uma pessoa
equilibrada", "muito claro em
suas propostas, que tem o pé no
chão".
É até possível que Fujimori tivesse essas virtudes, mas fugiu
do Peru porque botava as mãos
em bolsos onde não devia. Bem
fez o senador José Sarney, que,
meses depois, recusou-se a recebê-lo.
Quindim do empresariado
mundial durante os seminários
de sanatório de Davos, Fujimori
hoje é um cão danado. Quis o
destino que mordesse o pó na
mesma época em que o seu mais
respeitado adversário, o romancista Mario Vargas Llosa, está
nas paradas com seu livro "A
Festa do Bode". Conta com emoção (demais) a decadência e destruição do ditador Rafael Trujillo na República Dominicana.
Ele governou seu país de 1930 a
1961, quando uma conspiração
de militares estimulada pelo governo americano passou-lhe
uma rajada de metralhadora e
deixou-o dentro da mala de um
carro. Roubou como poucos. Era
mau de verdade.
Trujillo representou a exacerbação de um lote de sargentões
que a ordem internacional do
após-guerra colocou ou manteve
no poder na América Latina.
Em Cuba, enfiaram um sargento de verdade (Fulgêncio Batista). Na Venezuela, um general
tarado (Perez Jimenez). Na Colômbia, outro general larápio
(Rojas Pinilla). A Argentina ganhou um coronel cleptomaníaco
(Juan Perón). Cada um à sua
maneira, foram todos assassinos
e demagogos, confundindo períodos de prosperidade econômica com fantasias megalomaníacas.
Se Vargas Llosa teve prazer escrevendo "A Festa do Bode", alegria mesmo tem agora, vendo a
fuga do cabrito. Sua figura imponente de intelectual conservador destemido faz dele um dos
maiores personagens da América Latina de hoje. Sua dimensão
não vem necessariamente da
concordância que se pode ter
com suas idéias, mas do rigor
moral com que ele as carrega.
Assim como os pais da pátria
dos anos 50 acabaram no exílio,
no cemitério e na cadeia, uma
nova geração de homens providenciais começa a ir para seu devido lugar. Carlos Salinas de
Gortari passou seis anos exilado
na Irlanda. Fujimori talvez fique
no Japão. Um tem um irmão na
cadeia. O outro tem o homem da
mala foragido. Ambos foram heróis dos anos 80. Um foi considerado o modernizador do México. O outro, golpista de almanaque, foi passado adiante como
remédio heróico.
Na festa de sua primeira posse,
em 1995, FFHH teve Carlos Salinas entre os convidados de honra (tinha acabado de deixar o
México na boca do ralo). Na segunda posse, em 1999, a mesa foi
maior. Eram quatro os presidentes que o festejavam. Dois, Fujimori e Raul Cubas (do Paraguai), deixaram o poder perseguidos por acusações de delitos
comuns (no caso de Cubas, homicídio). O terceiro, Jamil Mahuad, do Equador, escafedeu-se
com fama de doido, depois de
anunciar a dolarização da economia de seu país. Carlos Menem, da Argentina, era o quarto.
Hoje, propõe a dolarização da
América Latina. Foi batido nas
urnas e lastima que o seu sucessor lhe investigue o governo. É
um personagem magnífico. Chegou ao poder com roupa e cara
de pobre e saiu com cara e roupa
de novo rico.
Todos (salvo Mahuad, que era
doido mesmo) foram delegados
de uma nova ordem internacional. Moldaram as economias de
seus países ao que se denomina
"economia de mercado". Pura
fantasia. Usavam o novo (a revolução liberal da baronesa
Thatcher) para preservar esquemas corruptos e anacrônicos de
poder.
No México, ele se chamava
Partido Revolucionário Institucional. No Peru, articula-se sobre uma plutocracia de má qualidade, amparada na violência
política. No Paraguai, dança-se
a melodia do mercado numa gafieira de contrabando.
Antes da degringolada de seu
governo (que lhe mantém um irmão preso até hoje), Salinas era
visto como um grande reformador. Fujimori, como um homem
de ação, que dava rumo ao Peru.
Sabia-se que ambos eram acima
de tudo representantes de um
pacto de poder corrupto. Sabia-se onde? Em todos os lugares ou
textos no qual se expressavam figuras como Mario Vargas Llosa
e o mexicano Jorge Castañeda.
Eles derramavam fatos que
comprovavam o anacronismo
dos novos príncipes. Não eram
ouvidos porque não se queria
entender. Como não se queria
entender quando juntaram-se
cerca de 2.000 pessoas no Waldorf Astoria para aplaudir o
brasileiro Indiana Collor. O
banqueiro David Rockefeller
apresentou-o com os elogios da
época. Pena que, em vez de chamá-lo de "caçador de marajás",
tenha o chamado de "caçador de
marijuana".
Isso não acontecia por malvadeza, muito menos por distração. Acontecia e acontece porque "os mercados" querem que a
mão invisível lhes dê um dinheirinho fácil ao sul do Texas.
Quando os salvadores das pátrias acabam no Japão ou no
fundo de uma mala de carro, como Trujillo, tudo passa a ser culpa dos maus costumes dos latino-americanos. Conservadores
de verdade, como Mario Vargas
Llosa, são admirados quando
falam de um ditador assassinado há 40 anos. Quando criticam
um Fujimori da vida, parecem
estorvo.
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