São Paulo, quarta-feira, 22 de novembro de 2000

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ELIO GASPARI
A festa de Mario Vargas Llosa

Em julho de 1995 , FFHH disse que o presidente Alberto Fujimori era "uma pessoa equilibrada", "muito claro em suas propostas, que tem o pé no chão".
É até possível que Fujimori tivesse essas virtudes, mas fugiu do Peru porque botava as mãos em bolsos onde não devia. Bem fez o senador José Sarney, que, meses depois, recusou-se a recebê-lo.
Quindim do empresariado mundial durante os seminários de sanatório de Davos, Fujimori hoje é um cão danado. Quis o destino que mordesse o pó na mesma época em que o seu mais respeitado adversário, o romancista Mario Vargas Llosa, está nas paradas com seu livro "A Festa do Bode". Conta com emoção (demais) a decadência e destruição do ditador Rafael Trujillo na República Dominicana. Ele governou seu país de 1930 a 1961, quando uma conspiração de militares estimulada pelo governo americano passou-lhe uma rajada de metralhadora e deixou-o dentro da mala de um carro. Roubou como poucos. Era mau de verdade.
Trujillo representou a exacerbação de um lote de sargentões que a ordem internacional do após-guerra colocou ou manteve no poder na América Latina. Em Cuba, enfiaram um sargento de verdade (Fulgêncio Batista). Na Venezuela, um general tarado (Perez Jimenez). Na Colômbia, outro general larápio (Rojas Pinilla). A Argentina ganhou um coronel cleptomaníaco (Juan Perón). Cada um à sua maneira, foram todos assassinos e demagogos, confundindo períodos de prosperidade econômica com fantasias megalomaníacas.
Se Vargas Llosa teve prazer escrevendo "A Festa do Bode", alegria mesmo tem agora, vendo a fuga do cabrito. Sua figura imponente de intelectual conservador destemido faz dele um dos maiores personagens da América Latina de hoje. Sua dimensão não vem necessariamente da concordância que se pode ter com suas idéias, mas do rigor moral com que ele as carrega.
Assim como os pais da pátria dos anos 50 acabaram no exílio, no cemitério e na cadeia, uma nova geração de homens providenciais começa a ir para seu devido lugar. Carlos Salinas de Gortari passou seis anos exilado na Irlanda. Fujimori talvez fique no Japão. Um tem um irmão na cadeia. O outro tem o homem da mala foragido. Ambos foram heróis dos anos 80. Um foi considerado o modernizador do México. O outro, golpista de almanaque, foi passado adiante como remédio heróico.
Na festa de sua primeira posse, em 1995, FFHH teve Carlos Salinas entre os convidados de honra (tinha acabado de deixar o México na boca do ralo). Na segunda posse, em 1999, a mesa foi maior. Eram quatro os presidentes que o festejavam. Dois, Fujimori e Raul Cubas (do Paraguai), deixaram o poder perseguidos por acusações de delitos comuns (no caso de Cubas, homicídio). O terceiro, Jamil Mahuad, do Equador, escafedeu-se com fama de doido, depois de anunciar a dolarização da economia de seu país. Carlos Menem, da Argentina, era o quarto. Hoje, propõe a dolarização da América Latina. Foi batido nas urnas e lastima que o seu sucessor lhe investigue o governo. É um personagem magnífico. Chegou ao poder com roupa e cara de pobre e saiu com cara e roupa de novo rico.
Todos (salvo Mahuad, que era doido mesmo) foram delegados de uma nova ordem internacional. Moldaram as economias de seus países ao que se denomina "economia de mercado". Pura fantasia. Usavam o novo (a revolução liberal da baronesa Thatcher) para preservar esquemas corruptos e anacrônicos de poder.
No México, ele se chamava Partido Revolucionário Institucional. No Peru, articula-se sobre uma plutocracia de má qualidade, amparada na violência política. No Paraguai, dança-se a melodia do mercado numa gafieira de contrabando.
Antes da degringolada de seu governo (que lhe mantém um irmão preso até hoje), Salinas era visto como um grande reformador. Fujimori, como um homem de ação, que dava rumo ao Peru. Sabia-se que ambos eram acima de tudo representantes de um pacto de poder corrupto. Sabia-se onde? Em todos os lugares ou textos no qual se expressavam figuras como Mario Vargas Llosa e o mexicano Jorge Castañeda. Eles derramavam fatos que comprovavam o anacronismo dos novos príncipes. Não eram ouvidos porque não se queria entender. Como não se queria entender quando juntaram-se cerca de 2.000 pessoas no Waldorf Astoria para aplaudir o brasileiro Indiana Collor. O banqueiro David Rockefeller apresentou-o com os elogios da época. Pena que, em vez de chamá-lo de "caçador de marajás", tenha o chamado de "caçador de marijuana".
Isso não acontecia por malvadeza, muito menos por distração. Acontecia e acontece porque "os mercados" querem que a mão invisível lhes dê um dinheirinho fácil ao sul do Texas. Quando os salvadores das pátrias acabam no Japão ou no fundo de uma mala de carro, como Trujillo, tudo passa a ser culpa dos maus costumes dos latino-americanos. Conservadores de verdade, como Mario Vargas Llosa, são admirados quando falam de um ditador assassinado há 40 anos. Quando criticam um Fujimori da vida, parecem estorvo.


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