São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Futuro ministro da Fazenda diz que, se cenário externo ajudar, novo governo atingirá nesse prazo seu modelo econômico

Palocci admite 2 anos sob herança de Malan

MARTA SALOMON
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Se o cenário externo ajudar, a transição para o novo modelo econômico prometido na campanha eleitoral pelo PT pode demorar menos de dois anos, prevê Antonio Palocci Filho, 42 anos, futuro ministro da Fazenda.
A perspectiva de ter parte do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva consumida por essa transição não deve estimular o debate da reeleição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, diz Palocci, que já defendeu a reeleição mesmo quando o PT era contra.
Na semana em que o partido deu sinais de continuidade da atual política econômica, com a manutenção dos diretores do Banco Central, o futuro ministro reiterou que fará o aperto fiscal que for necessário para conter a dívida pública. E que os juros, aumentados para 25% na última reunião do Copom, só vão cair quando a inflação estiver sob controle, entre outros quesitos.
Foco total contra a indexação de salários e preços, recomenda ele contra a inflação que, avalia, dificilmente ficará abaixo de 6,5% em 2003.
E onde foram parar as críticas petistas à política econômica do governo? Segundo Palocci, é "aparente" a ambiguidade do PT. Às vésperas de concluir o relatório da transição que coordenou, o futuro ministro aponta a falta de planejamento estratégico como a pior herança da era tucana.
"O sistema de metas de inflação é um sistema macroeconômico útil para o equilíbrio econômico, não é o sistema que possa presidir um projeto nacional. Esse foi o erro fundamental do atual governo." Leia a seguir a entrevista concedida na última quarta-feira:

Folha - O sr. escreveu anos atrás que um governo progressista tem de mostrar a que veio logo nos primeiros dias de mandato. Na campanha, o PT prometia mudar o modelo econômico. Diante dos sinais de continuidade já dados, essa mudança fica para quando?
Antonio Palocci Filho -
O governo do presidente Lula não precisa adiar a estruturação de um projeto de mudança, um modelo de desenvolvimento socialmente sustentável e economicamente seguro. É difícil atingir taxas de crescimento grandes no primeiro ano porque vamos trabalhar no plano da macroeconomia com uma restrição muito grande: Orçamento restrito, política monetária voltada para o combate à inflação e o câmbio melhorando, mas ainda alto. Mas algumas coisas podem começar a ser feitas.

Folha - E qual seria o prazo para fazer a transição, uns dois anos?
Palocci -
É difícil programar o período que uma transição como essa vai durar. Tenho muito otimismo que os componentes internos vão caminhar positivamente. No plano externo, o cenário ainda é nebuloso. Se tudo correr bem fora do país, eu acho que esse período não será muito longo, não acho que seja de dois anos, pode ser menos. O que não significa que depois de dois anos você não vai ter mais superávit primário, responsabilidade fiscal, essas coisas são permanentes na política econômica. O que nós queremos conseguir é que uma economia com crescimento e sustentabilidade seja um fator de equilíbrio maior do que os instrumentos hoje utilizados. Eles devem ser preservados, mas passam a ser relativos.

Folha - Com a taxa de juros em 25% ao ano, adeus às chances num curto prazo. Essa taxa demora a cair?
Palocci -
Tem gente que imagina assim: você pode começar uma política de crescimento derrubando juros. Isso não deve ser feito. Temos como meta reduzir os juros, não como ponto de partida. A queda dos juros depende de um conjunto de sinais que demonstrem que a situação macroeconômica se torna mais sustentável, ou seja: a redução da relação dívida/ PIB, a queda da inflação, condições favoráveis de crescimento, balança comercial positiva, volta do crédito. Não pode é perder a oportunidade de reduzir juros, como o atual governo.

Folha - E, enquanto durar essa transição, não pode ficar a sensação de que o governo Lula está fazendo apenas "mais do mesmo" do que o governo FHC fez?
Palocci -
Por dois motivos, eu acredito que não. Primeiro, porque vamos procurar uma política econômica investindo em qualidade. A política fiscal atual tem problemas: há impostos de má qualidade e despesas de má qualidade. Os projetos de renda atuais são totalmente pulverizados. Você pode melhorar transformando esse conjunto de projetos num projeto único de renda. O segundo aspecto: o conjunto de projetos previstos no programa de governo Lula pode não se realizar no primeiro ano, mas podem ser estruturados e iniciados no primeiro ano. Quando o presidente fala "vou começar um combate sistemático à fome", já é uma grande diferença do projeto atual. E isso deve presidir um conjunto de medidas sociais, que vão ser feitas no ritmo que a situação permitir.

Folha - O PT às vezes elogia, ora critica. O sr. acha que a política econômica do governo Fernando Henrique arruinou ou não o país?
Palocci -
Eu não diria que a política econômica arruinou o país. Acho que houve um erro de planejamento estratégico. No primeiro mandato, o governo confiou exclusivamente na âncora cambial, adiou até que o mercado obrigou o governo a ceder. É evidente que custou muito caro, foi um episódio muito ruinoso, levou ao empobrecimento do país.
No segundo mandato, se confiou simplesmente na âncora fiscal. O Brasil precisa ter uma séria política monetária e fiscal, mas elas não podem presidir o país. Isso se traduz na fato de que hoje se debate o presidente do Banco Central no mesmo nível em que se debate o presidente da República. O sistema de metas de inflação é um sistema macroeconômico útil para o equilíbrio econômico, não é o sistema que possa presidir um projeto nacional.
Esse foi o erro fundamental do atual governo. Isso não quer dizer que a condução desses instrumentos foi incompetente. E há só uma aparente ambiguidade nas nossas opiniões: somos bastante críticos ao projeto de país que se fez. Mas, se você analisar o trabalho feito na área de política monetária, sobre lei de responsabilidade fiscal, são coisas positivas. Vários pontos da tática foram feitos com dedicação, correção e competência, mas a estratégia de país estava errada, não a estratégia macroeconômica.

Folha - O sr. diz que foi dado poder excessivo à âncora cambial, depois poder exagerado às âncoras monetária e fiscal. O sr. nem falou da âncora salarial, que também segurou a inflação. Qual será a nova âncora do real?
Palocci -
Qual é a nossa âncora? Nós estamos construindo um processo que faça com que o crescimento sustentável do ponto de vista econômico e social seja a principal âncora na estabilidade do país. Temos de inverter a mão do processo, fazer com que o crescimento sustentável gere estabilidade, mais do que os instrumentos macroeconômicos. E as coisas podem acontecer de forma concomitante.
É falsa a idéia de que com rigidez fiscal você não investe no social. Das prefeituras do PT, 76% fizeram superávit em 2001, mais do que a média, e também fizeram 10% a mais de investimentos sociais do que a média.

Folha - Mas houve um aperto fiscal mais forte. Se o país tiver de produzir superávits da ordem de 4%, 5% do PIB em 2003, não vai sobrar nada.
Palocci -
Você pode ter perda na capacidade de investimento social, isso é real. Nós queremos crer que estamos com uma meta razoável. Nos termos do contrato com o FMI, não nos parece necessário. O que eu disse aos investidores em Nova York é o que eu digo aqui: nós estamos dispostos a fazer o superávit necessário. Qual é a medida para nós de superávit necessário? Não é o acordo com o FMI. É a medida do que vai acontecer com a nossa dívida. Se a gente perceber que a nossa dívida tem chance de crescer muito, passa a ser preciso um superávit maior. Vamos ver, vamos acompanhar.

Folha - E a meta de inflação? A última ata do Copom já diz que a inflação dificilmente ficará dentro do limite de 2003, de 6,5%. Qual seria a meta razoável?
Palocci -
Vamos fazer tudo para cumprir a meta, mas abaixo de 6,5% é difícil. Como houve uma bolha inflacionária por conta do choque cambial, você tende a tolerar uma inflação mais alta, porque ela tende a ser passageira. Nossa intenção é não mexer na meta. O foco é total no impedimento à indexação.

Folha - Mas há vários contratos indexados. O PT vai mexer nisso?
Palocci -
Nós estudamos essas questões. Há um compromisso sólido de garantia de contratos. O que você pode é, respeitando interesses, negociar.

Folha - Isso pode ser feito?
Palocci -
Eventualmente, não vejo necessidade. Acho melhor que a gente crie condições evidentes de consistência econômica. A medida nossa para combater a inflação é apresentar um projeto consistente de política fiscal, monetária e cambial. Queremos transformar o programa de governo num programa de ação.

Folha - E em que ele será diferente do programa da campanha?
Palocci -
Não é diferente, nós queremos detalhar. Não acho que o país tenha de ficar lendo na cabeça das autoridades o que eles querem, isso precisa ser dito com clareza.

Folha - O ministro Pedro Malan previu crescimento de 2,5% em 2003. O sr. trabalha com que taxa?
Palocci -
Essa é uma das questões que nós queremos apresentar nesse programa.

Folha - Qual é o número? O sr. é mais ou menos otimista que o Malan?
Palocci -
É muito cedo para dar um número. Eu sou mais otimista.

Folha - Para a justiça do folclore político: é verdade que o sr. disse ao presidente Fernando Henrique Cardoso que estava à direita do Malan?
Palocci -
Foi uma brincadeira num jantar. Não lembro os detalhes, mas foi uma brincadeira em que ele disse que eu estava sendo muito duro na questão econômica. Não me lembro quem disse.

Folha - O sr. está à direita ou à esquerda do Malan?
Palocci -
Nem à direita nem à esquerda, nós somos diferentes. Acho que temos políticas diferentes. A capacidade de planejamento estratégico do Brasil teve um apagão maior do que na energia. E ninguém fala nada. Agora, sobre o ministro Malan trabalhar corretamente, com dedicação, eu lhe digo: ele é uma das pessoas mais sérias que eu conheço no atual governo.

Folha - Daria para fazer essa mudança toda que o PT propõe em quatro anos ou o sr. defende a reeleição do presidente Lula?
Palocci -
Acho que é possível sim. Ter um novo desenho de país é difícil, mas estar claramente caminhando em outra direção, de política de crescimento com equilíbrio econômico é possível. Já até defendi no passado a reeleição, não nego isso. Até quando o PT era contra, eu fui a favor. Mas as experiências de reeleição não são tão convincentes, eu não tenho uma posição definitiva. O Lula não deve pensar nisso agora. Acho melhor fazer quatro bons anos do que pensar já numa reeleição. Se você faz quatro anos bem feitos, você consegue que haja continuidade do projeto, até com pessoas diferentes.

Folha - O sr. já está fechando os relatórios da transição. Qual foi a pior herança de Fernando Henrique Cardoso?
Palocci -
Eu acho que é o planejamento estratégico do país, que foi bastante comprometido. O principal problema da privatização foi a indefinição do papel do Estado nesse processo. O país não vai vencer os desafios se ficar focado em duas ou três âncoras.

Folha - O sr. tem dificuldade de montar equipe, faltam quadros no PT?
Palocci -
Você tem de considerar quadros de mercado, de Estado, quadros partidários. Ninguém recusou por causa de salário, mas isso é um problema. Você tem de procurar pessoas que às vezes têm um vencimento cinco vezes maior e convencê-las de vestir a bandeira do Brasil.

Folha - Depois da PUC do Rio dar origem aos pais do real, qual será a escola predominante no governo Lula?
Palocci -
Eu quero que não tenha uma dominância. Não estou usando filtro ideológico, estou procurando pessoas comprometidas com o projeto de país.
O governo tem de ter uma riqueza de pensamento, não acho que uma equipe tenha de estar voltada para uma escola de pensamento econômico. Ela deve mesclar escolas.


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