São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

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Filha de Chico Mendes vê vitória de desmatadores

Após 20 anos da morte do líder seringueiro, Elenira Mendes dirige ONG no Acre

Reservas defendidas pelo ambientalista hoje estão tomadas por gado; Ibama elabora plano para que área seja somente extrativista


MATHEUS PICHONELLI
DA AGÊNCIA FOLHA

JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM

Vinte anos após a morte de Chico Mendes, Elenira Mendes, 24, filha do seringueiro, afirma que os desmatadores que patrocinaram o assassinato de seu pai, em 22 de dezembro de 1988, seguem vencendo a "queda de braço" na Amazônia.
"Com certeza eles ganharam na época. Hoje o cenário é diferente, mas ainda estamos perdendo a queda de braço", afirma ela. "Foram criadas as reservas [extrativistas], sonho do meu pai, mas esbarramos em outro problema: como, dentro das reservas, pessoas vão sobreviver dignamente sem precisar destruir?", questiona.
Elenira tinha quatro anos quando ocorreu o crime, em Xapuri (AC). Hoje, preside a ONG Instituto Chico Mendes e se dedica a projetos de educação ambiental para a região.
A criação de reservas extrativistas, para uso comum na floresta, era defendida por Chico Mendes, que se opunha à divisão das terras em lotes e cercas. "Hoje os bois tomaram conta das reservas", lamenta ela.
Em setembro, a Folha revelou que a área desmatada na unidade de conservação federal que leva o nome do seringueiro cresceu 11 vezes desde 1988 e chegou a 6,3% da reserva, que tem atualmente cerca de 10 mil cabeças de gado.
Segundo o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), há um plano para que, até 2010, a área seja só extrativista.

Mudança
Em 20 anos, Chico Mendes, que hoje dá nome ao instituto do governo federal responsável pela administração das unidades de conservação ambientais, já foi tema de livros, teses, filmes e músicas.
Elenira diz, porém, que só se deu conta da importância do pai depois dos 18 anos, quando uma tia deu a ela uma foto com uma dedicatória escrita por Mendes: "És a vanguarda da esperança. Elenira, darás continuidade um dia à luta que teu pai não conseguirá vencer".
"Até então, tinha resistência em relação à questão ambiental, uma coisa ligada à morte dele. Mas ler aquilo me fez perceber que precisava me envolver", afirma Elenira, formada em administração e que se especializou em gestão de recursos ambientais.
A filha do seringueiro conta que Mendes está prestes a se tornar também personagem de histórias em quadrinhos, o "Chiquinho". Para janeiro, diz, está previsto o lançamento de uma revista de Ziraldo.
Ela diz que Mendes teria hoje "grande projeção política", mas provavelmente estaria filiado ao PV -ele foi fundador do PT no Acre, Estado governado há quase dez anos pela sigla.
Neste mês, o ativista foi anistiado pela perseguição sofrida durante o regime militar por conta de suas atividades sindicais, quando foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional por "incitar atentado contra a paz".
A viúva de Mendes recebeu R$ 337,8 mil de indenização e uma pensão vitalícia de R$ 3.000. A decisão, em meio às homenagens ao líder, ocorre no momento em que o fazendeiro Darly Alves da Silva, condenado como mandante do assassinato, passou a cumprir pena em regime domiciliar. Elenira diz que a possibilidade de encontrar com Darly causa desconforto, embora a tensão não seja a mesma da vivida pela família em 1988. "Tenho de aprender a conviver com isso."


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