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DIPLOMACIA
Chanceler afirma que veto americano à venda de aviões da Embraer para a Venezuela foi absurdo e injustificável
Amorim diz que EUA "pisaram no nosso calo"
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, criticou
duramente o veto dos EUA à venda de aviões da Embraer à Venezuela, disse que aguarda novo posicionamento do governo americano e não descartou recorrer a
fóruns internacionais, como a
OMC (Organização Mundial do
Comércio), contra a decisão.
"Pisaram no nosso calo", disse
Amorim, 63, classificando a decisão americana de "um absurdo,
sem justificativa aceitável e sem
previsão em normas internacionais". No último dia 10, o presidente Hugo Chávez acusou os Estados Unidos de impedir a Embraer de vender à Venezuela 36
aviões de treinamento militar que
usam tecnologia americana.
Apesar de o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio
Garcia, ter dito que o governo
brasileiro não iria lutar, por ser
uma questão comercial, Amorim
está lutando, e muito. Falou duas
vezes com a secretária de Estado
dos EUA, Condoleezza Rice, e
também com o secretário de Comércio, Robert Portman.
Depois, enviou correspondência para Condoleezza, considerou
a resposta "insatisfatória", voltou
à carga e aguarda agora um "reexame da questão". Amorim deu a
entrevista à Folha no sábado, em
seu gabinete, usando um boné da
Minustah, a força de paz no Haiti.
Folha - O que o Brasil está fazendo em relação ao veto americano
ao negócio da Embraer?
Celso Amorim - Primeiro, estamos usando os canais diplomáticos no mais alto nível. Conversei
com o Bob Portman [secretário
de Comércio] e duas vezes com a
Condoleezza [Rice, secretária de
Estado]. Também escrevi para a
Condoleezza e tive uma resposta
que não me satisfez plenamente.
Folha - O que ela respondeu?
Amorim - Ela não me deu a garantia, a segurança de que haverá
um tratamento adequado à questão. Qual a política dos EUA para
a Venezuela é um problema em
que, eventualmente, até poderemos ajudar, mas é um problema
entre os dois. Ocorre que aí pisaram no nosso calo. Eu não encontro justificativas para o veto. Primeiro que o Brasil não favorece
em geral esse tipo de medida, de
veto. Segundo, os aviões nem são
de uso militar ofensivo. Terceiro,
a Venezuela não é ameaça militar
a ninguém, não está sob sanções
militares ou econômicas aprovadas por nenhum órgão internacional e nem mesmo pelo Congresso dos EUA. Não que isso
mudasse alguma coisa, mas nem
sequer isso. Além do que, se há
uma política, não era do conhecimento da Embraer quando o negócio foi feito. Então, há uma série
de fatores que nos dizem que o veto é um absurdo. Pelo papel que o
Brasil tem tido, inclusive com reconhecimento dos próprios EUA,
isso definitivamente não foi nem
é uma boa coisa.
Folha - O Brasil recorrerá a algum
fórum internacional, como a OMC?
Amorim - Não deixaremos de estudar todas as alternativas do
ponto de vista diplomático em defesa dos nossos direitos.
Folha - Isso é um "sim'?
Amorim - Se isso for necessário.
Esperamos que não seja.
Folha - O sr. acha que é uma questão política entre os EUA e a Venezuela que está interferindo em interesses brasileiros?
Amorim - Exatamente. Achamos
que não vale a pena e que isso não
é uma política positiva para o
bom diálogo que nós queremos e
desejamos entre os EUA e a Venezuela, mas isso é um problema deles. O que nos interessa é que pisaram no nosso calo.
Folha - Os americanos queriam
penalizar a Venezuela...
Amorim - E estão penalizando o
Brasil.
Folha - O assessor da Presidência
Marco Aurélio Garcia disse que não
cabe ao governo se meter porque é
uma questão comercial da Embraer. Cabe ou não cabe?
Amorim - Eu já disse o que fiz,
não fui desautorizado e continuo
a fazer. Não gosto de comentar
declarações de outras pessoas pela imprensa, porque não sei em
que contexto foram ditas.
Folha - O que a Condoleezza argumentou na carta?
Amorim - Ela comentou uma política que vem sendo seguida e
não foi convincente. Por isso voltei a insistir ao telefone para que o
assunto fosse reexaminado, e ela
me pareceu disposta a fazê-lo. Se
o reexame vai resultar em algo positivo, não sei. Só sei que ela vai
analisar novamente o assunto.
Folha - Existe um processo de "esquerdização" na América Latina?
Amorim - O que há, sem dúvida
nenhuma, é uma tendência de governos mais comprometidos com
reformas sociais, com maior autonomia em relação às grandes
potências do mundo e maior vontade de integração regional. Se você identificar esquerda com a visão de progresso, reforma social,
democracia e com forte defesa
dos interesses nacionais, a resposta à sua pergunta é sim.
Folha - Quando o sr. fala em
maior autonomia em relação às
grandes potências, lê-se virar as
costas aos EUA.
Amorim - Os EUA são uma potência, um grande mercado, e
ninguém está voltando as costas,
nem a China. Agora, defendo,
sim, voltarmos também uns para
os outros aqui dentro do continente. Não há uma dicotomia.
Nossas exportações para os EUA
estão batendo recordes, mas, em
termos relativos, para outros lugares cresceram mais. Isso é bom,
estamos diversificando. O que é o
maior sinônimo de independência hoje? É a diversificação.
Folha - A retórica do Chávez é
muito diferente disso.
Amorim - Bem, cada país e cada
líder terão a retórica que corresponda à sua realidade, aos fatos
que vivenciaram. Não podemos
nos esquecer disso, não são fatos
imaginários. Que Chávez foi perseguido, foi, não há dúvida. Que
houve tentativa de golpe, houve. E
que, no mínimo dos mínimos,
houve tolerância com essa tentativa de golpe, houve. Cada um que
julgue, e a história dirá.
Folha - O que significa Evo Morales e que tipo de alianças fará?
Amorim - Evo Morales é um líder
camponês, que vem das bases, é o
que representa de forma mais
profunda o que há de raízes sociais do povo boliviano. Representa a emergência de setores populares que sempre foram marginalizados de qualquer bem-estar
e qualquer progresso que tenha
havido na Bolívia. Já não foi muito, e para eles foi menos ainda.
Folha - Pelo discurso de campanha, nacionalista e estatizante, e
pelos primeiros movimentos já
eleito, visitando Cuba, Venezuela e
China, está evidente que ele vai engrossar esse "eixo esquerdizante".
O Brasil vai ser a babá?
Amorim - O Brasil não é babá de
ninguém. Tem sua própria realidade, tem um governo comprometido com as reformas sociais,
mas dentro de sua própria complexidade e sem rejeitar os preceitos do capitalismo. Temos, também, de contribuir para que os
processos nos outros países se
dêem também de maneira reformadora e democrática, mas sem
ser babá. Até porque, se há uma
situação explosiva num país, ele
acaba explodindo mesmo.
Folha - Como agir quando Evo
Morales fala em nacionalizar a área
de petróleo, o que pode ser muito
prejudicial à Petrobras?
Amorim - Nós não acreditamos
em relação de dominação nem de
imposição: as relações têm de ser
mutuamente benéficas. Temos
certeza de que é perfeitamente
possível chegar a uma equação
em que se atendam algumas reivindicações históricas do povo
boliviano e manter a viabilidade
econômica do empreendimento.
Folha - No mundo globalizado, a
relação de Brasil, Venezuela e outros países do continente com os
EUA não está chegando a uma
adaptação do velho ditado: "Inimigos, inimigos, negócios à parte"?
Amorim- O mundo globalizado é
em torno de negócios, sim, mas
também é em torno de princípios,
princípios que não podem ser reduzidos a questões doutrinárias e
fundamentalistas, mas de independência, bem-estar social e não
interferência. Só nesta semana
[semana passada] nós recebemos
em Brasília dois presidentes, o
Chávez, o Néstor Kirchner e três
chanceleres do mundo islâmico,
um turco, um marroquino e um
tunisiano. Isso nunca aconteceu
no Brasil, ao que eu saiba.
Folha - Por que Kirchner, antes
arredio com o Brasil, está tão amigo? Foi o apoio do Brasil à Cláusula
de Adaptação Competitiva?
Amorim- Se houve mal-entendidos no passado, eles estão totalmente esclarecidos e superados, e
o próprio Kirchner está mais consolidado na Argentina. Nem foi
batido o martelo na CAC, ainda
está sendo discutido.
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