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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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QUESTÃO INDÍGENA

Atestado de óbito de macuxi, que vivia em área onde há disputa de terra, não aponta que ele foi assassinado

Morte "natural" de índio à bala é apurada

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

A Secretaria de Segurança Pública de Roraima abriu um inquérito administrativo para investigar o atestado de óbito em que o médico-legista do Estado Ricardo Gouveia apontou como de "causa natural e indeterminada" a morte do índio macuxi Aldo da Silva Mota, 52.
O corpo de Mota foi encontrado semi-enterrado na terra indígena Raposa/Serra do Sol, num ponto disputado entre índios e o fazendeiro e vereador de Uiramutã (RR) Francisco das Chagas Oliveira (PSDB).
Levado de avião ao IML (Instituto Médico Legal) de Brasília a pedido do CIR (Conselho Indígena de Roraima) e do procurador da República em Roraima Rômulo Moreira, o corpo foi novamente periciado, e a causa da morte apontada foi totalmente oposta à assinalada por Gouveia: Mota foi assassinado com um tiro, pelas costas, quando estava com os braços levantados.
"Foi um negócio gritante [o primeiro laudo]. Até pelas fotos que eu vi dava para perceber que tinha ocorrido um crime", afirmou o procurador.
A terra indígena Raposa/Serra do Sol, com 12.000 índios e 1,6 milhão de hectares, é palco de acirrada disputa desde pelo menos 1978, mas o assassinato de Mota é o primeiro caso do gênero nos últimos nove anos.

Desaparecimento
O índio macuxi desapareceu no dia 2 de janeiro deste ano. Segundo o CIR, ele havia recebido recado de um empregado da fazenda do vereador para resgatar, na propriedade, uma cabeça de gado da aldeia indígena. No dia 4, os familiares pediram apoio da polícia para as buscas.
No dia 9, a presença de urubus sobrevoando a fazenda do vereador evidenciaram o cadáver.
O médico do IML de Roraima Ricardo Gouveia realizou a necropsia do corpo e concluiu, como consta da declaração de óbito número 4724723: "causa natural e indeterminada".
Logo em seguida, o corpo foi levado para Brasília. De acordo com o delegado da Polícia Federal que atua no caso, Fabrício Argenta, 28, "se o Ministério Público não tivesse pedido novo exame, a polícia teria".
"Todos ficaram meio na dúvida a respeito da "causa natural'", disse Argenta. O delegado contou que o laudo de necropsia, posterior ao atestado, foi realizado quando a polícia já havia decidido encaminhar o cadáver para o IML do Distrito Federal.

Ferimento à bala
No laudo, Gouveia e outro colega, César Augusto de Souza, mantêm a explicação da "causa indeterminada", mas deixam de lado a "causa natural" anotada no atestado de óbito.
Sobre a região do tórax e do abdome, onde os legistas do Distrito Federal localizaram o ferimento à bala, os legistas de Roraima escreveram não ter constatado "macroscopicamente lesões viscerais ou hemorragias difusas ou localizadas".
O IML do Distrito Federal emitiu, no dia 22 de janeiro, o primeiro laudo parcial, já indicando morte em decorrência de um tiro. Os peritos José Eduardo da Silva Reis e Malthus Fonseca Galvão assinaram o laudo integral em 17 de fevereiro, quando concluíram que "os achados necroscópicos indicam inequivocamente disparo de arma de fogo no tórax".
De acordo com os legistas, a morte de Mota teria ocorrido em 2 de janeiro, mesmo dia em que desapareceu. Também a pedido das organizações não-governamentais indigenistas e do Ministério Público, a Polícia Federal fez uma perícia no local em que o índio foi encontrado.


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