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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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ELIO GASPARI

A companheira Michelle deu uma ajuda a Lula

A companheira Michelle prestou um inestimável serviço ao presidente Lula. Mostrou-lhe a extensão dos papéis de segunda categoria que ele e alguns de seus colegas estão praticando. Na quarta-feira, Lula estava reunido com o ministério na Granja do Torto e deixou a primeira-quadrúpede sozinha no Alvorada.
Segundo um colaborador da Presidência, Michelle ficou nervosa e achou-se melhor levá-la para perto do dono. Puseram-na num veículo da Viúva e deixaram-na no jardim da Granja. No mês passado, Lula já se fez fotografar numa poltrona do cineminha do Alvorada com a companheira no colo. Se Ruth Cardoso tivesse uma cachorra chamada Teresa e alguém a levasse ao Torto, num carro oficial marcado "uso exclusivo em serviço", o que diria Lula? Talvez o seguinte:
"É um absurdo que, num país onde há mulheres parindo na rua porque faltam transportes que as levem ao hospital, uma cachorra seja passageira exclusiva de um carro oficial para enfeitar reunião de tucanos." Lula poderia lembrar que uma corrida de ida e volta do Alvorada ao Torto custa algo como R$ 50.
Ruth e Fernando Henrique Cardoso não tiveram uma cachorra chamada Teresa. Quem tem a Michelle, com direito a papel ridículo, é Lula. A fome de uma fox terrier como Michelle custa pelo menos R$ 30 mensais (250 a 300 gramas diários de uma boa ração, como a Pedigree). Para um bípede do Fome Zero, sobram R$ 20. O que diria Lula se os Cardoso tivessem dois cachorros e suas fomes custassem mais do que o cheque do Programa Bolsa-Escola?
Isso tudo pode parecer implicância. Não é. O presidente e os governantes são pagos também para dar exemplos de conduta. Tendo a oportunidade de mostrar ao andar de cima que a turma do andar de baixo é capaz de dar lições de bom comportamento quando chega lá, Lula e um pedaço da nação petista conduzem-se como emergentes imitadores de vulgaridades. Estão mais para Vera Loyola do que para Darcy Vargas. (Noves fora o Romanée Conti do Duda Mendonça, servido pouco depois de o candidato contar na TV o caso da mulher com a criança morta no colo.)
O mundo não vai acabar porque Lula tem um bichinho de estimação. Afinal é um cão petista. Os fox terrier de pelo duro como Michelle são de uma comovente amabilidade com os amigos. Quando necessário, tornam-se caçadores, briguentos e ferozes. Encaram um pitbull numa boa. Se isso fosse pouco, têm barba. O mundo não acabou, mas ficou um pouquinho pior.
Há na caciquia petista uma inquietante vocação para o deslumbramento. (Num país onde a cadela mais famosa do pedaço chamava-se Baleia, um nordestino de origem pobre chegou ao Planalto com uma cachorra, chamando-a de Michelle.) A colunista da Folha Mônica Bergamo já revelou que nas festas da posse de Lula quatro cabeças petistas tiveram à sua disposição, em Brasília, quatro cabeleireiros especialmente transportados de São Paulo. Um deles movia-se pela capital a bordo de um carro oficial. Está na moda xingar o presidente George W. Bush, mas é de justiça reconhecer que, se a sua mulher Laura pensar em levar para Washington o cabeleireiro que a serve no Texas, ele a estrangula com uma echarpe da grife Escada.
Depois de ter vencido o medo, a turma da esperança já ensinou à choldra que não se baixam juros nem se aumenta salário mínimo por ato de vontade. Os grão-mestres petistas devem lembrar que é precisamente por ato de vontade que se importam cabeleireiros e se usa carro oficial para transportar cachorro. Também é por ato de vontade que maridos conseguem empregos para as mulheres e mulheres conseguem empregos para os maridos. A patuléia fica com juros, desemprego e atestado de burra, pois, não tendo entendido o espírito da ruína econômica tucana, mostra-se incapaz de entender a pura doutrina petista.
Deve ter razão o senador Aloizio Mercadante: "Estou aqui para discutir questões de interesse do país. Questões objetivas, e não para falar de cadela".

Fome Zero

O governo anunciou na semana passada sua primeira grande obra. Uma churrasqueira para o Palácio da Alvorada, com traçado do companheiro Oscar Niemeyer.

Frio polar

Quando Robert Zoellick, o representante comercial americano, também conhecido como "o sub do sub do sub", disse que, ou o Brasil adere à Alca, ou acabará vendendo seus produtos para a Antártida, não sabia quão certo podia estar.
Numa das grandes livrarias de Nova York, a Barnes & Noble da rua 82 com a Broadway, a seção de obras sobre a América Latina está ao lado da estante das expedições polares. São do mesmo tamanho. Os livros sobre o pólo Sul são uns 20. Sobre o Brasil não somam meia dúzia.

Ilha misteriosa

Nos anos 90, pelo menos uma empresa americana metida com investigações de roubalheiras internacionais estava certa de que Saddam Hussein ganhara uma ilha em Angra dos Reis.
Quando se mexeu no assunto, descobriu-se que houve algo misterioso entre pelo menos uma grande empreiteira nativa e a turma de Saddam. A ilha não teria sido dada a ele, mas oferecida a um de seus prepostos, gente muito próxima a ele.

Bush é Bush, mas Saddam é Saddam

George W. Bush conseguiu ressuscitar o espírito da civilização européia, e o mundo lhe será grato por isso. Infelizmente, está estimulando o antiamericanismo do Terceiro Mundo e, com ele, o de Pindorama. Num dia em que deputados foram se manifestar na Embaixada dos EUA em Brasília, o embaixador do Iraque, Jarallah Alobaidy, foi ouvido numa reunião conjunta das comissões de relações exteriores da Câmara e do Senado. Representa uma ditadura que matou mais gente que todos os generais do Cone Sul no anos 70. Diante de Saddam Hussein, o general Augusto Pinochet é uma madre Teresa de Calcutá.
O doutor Alobaidy foi tratado pelos parlamentares como se fosse um poeta sueco. Não há registro de alguém que lhe perguntasse por um só dos crimes de Saddam Hussein. Parlamentares que dependem do sufrágio dos brasileiros esqueceram-se de perguntar como é que o patrão do embaixador conseguiu se reeleger com 100% dos votos dos iraquianos (11.454.638 eleitores). Não lhe perguntaram nem sequer pelas negociatas do ditador com empreiteiras e larápios brasileiros. Também não lhe perguntaram como um magano da indústria paulista ofereceu-lhe um caminho mais rápido para chegar à bomba atômica. (O próprio Saddam reclamou dessa impertinência.)
O antiamericanismo tem isso de terrível. Leva pessoas inteligentes a se juntar a Saddam Hussein por causa de George W. Bush. Detestar Bush pode ser um ato de inteligência, mas se perceber torcendo por Saddam ao ouvir a notícia de que morreram 12 americanos num combate é uma mortificação.
Em 1990, quando estourou a Guerra do Golfo, Saddam Hussein transformou em escudos humanos 450 trabalhadores brasileiros que viviam no Iraque. Deixou-os sair graças a uma costura de 23 dias feita pelo embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, que gramou 45 encontros, inclusive com o chanceler Tarik Aziz. Para mostrar que só sairia do Iraque com os brasileiros, Paulo Tarso desembarcou em Bagdá com Lúcia, sua mulher.
Para glória da civilização americana, há manifestações contra a guerra em quase todas as grandes cidades dos Estados Unidos. Se Cacá Diegues está certo e Deus é brasileiro, Bush não se reelege. Para amargura dos antiamericanos, não há manifestantes em Bagdá nem oposicionista iraquiano vivo dentro do país. Mesmo se Deus fosse brasileiro, Saddam Hussein se reelegeria, com 110% dos votos.

Burocracia prepotente e avacalhada

Os sucessores do doutor Gustavo Franco na presidência do Banco Central fizeram uma ursada com ele. Transformaram uma de suas resoluções em lembrança da fantasia do dólar de R$ 1,20 e símbolo da prepotência da burocracia federal.
Em junho de 1998, quando presidia o BC, Franco assinou a resolução 2524, obrigando todos os bípedes que saem do país com mais de R$ 10 mil, em moeda nacional ou estrangeira, a declarar a quantia à Receita Federal no ponto de embarque. Devem apresentar o comprovante da compra da moeda em banco ou instituição autorizada.
Coisa típica de Brasília. Se todas as pessoas que embarcavam com mais de US$ 8.300 (no dólar de R$ 1,20) cumprissem a lei, os aeroportos ficariam engarrafados, as equipes da Receita deveriam ser decuplicadas e boa parte dos passageiros estaria impedida de embarcar, por falta de comprovantes da compra dos dólares. A resolução 2524 nunca passou de uma fantasia. O número de pessoas que fazem a declaração não chega a 50 por ano.
Armínio Fraga e Henrique Meirelles mantiveram a resolução em vigor, apesar de os R$ 10 mil de Gustavo Franco valerem hoje apenas US$ 2.850.
Trata-se de um daqueles casos em que a burocracia, por não ter o que fazer, manda os contribuintes fazerem fila. Essa seria a terceira fila do governo contra os pobres viajantes. (Há hoje a da Polícia Federal e a dos eletrônicos da Receita.)
Gustavo Franco, Armínio Fraga, Henrique Meirelles, Pedro Malan e Antonio Palocci Filho, poderiam responder à seguinte pergunta: quem eu conheço que declarou os US$ 3.000 que estava levando?

Sede imprópria

Houve uma época em que se sofria com a promiscuidade existente entre as autoridades brasileiras e a banca internacional. Em 1996, o coquetel de Sete de Setembro do consulado do Brasil em Nova York foi patrocinado pelo Republic National Bank.
Como diria o príncipe de Salinas (Burt Lancaster em "O Leopardo"), as coisas mudaram, para pior. O Ministério do Planejamento informa que seu titular, Guido Mantega, fará uma palestra às 10h de hoje, em Milão, sobre "As perspectivas para a economia brasileira no primeiro ano do governo Lula". Ele é ministro da República do Brasil, está na República da Itália e participa de uma assembléia do Banco Interamericano do Desenvolvimento. A Viúva paga pela manutenção de um consulado geral do Brasil na cidade. Paga também por uma discreta infra-estrutura para o trabalho de Mantega em Milão. Sua palestra, contudo, será no escritório da corretora americana Salomon Smith Barney, do Citigroup.

Menu especial

O restaurante Antiquarius de São Paulo criou uma dissidência do Programa Fome Zero. Está distribuindo sopapos. Sua meganha particular espancou um cidadão na semana passada, provocando-lhe um coágulo cerebral e levando-o à mesa de operações do Hospital Oswaldo Cruz e a três noites de UTI. A vítima cometeu o crime de estacionar, durante a madrugada, em frente à entrada do restaurante.


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