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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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NO PLANALTO

Deus ganha o "green card" e vai ao paraíso

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A periferia do mundo não se emenda. Veja o Iraque. Deu vexame na Guerra do Golfo. Saddam revelou-se ditador de ópera-bufa. Combateu com foguetes sem pontaria. Nenhum artefatozinho nuclear. Nada de armas químicas. Seus soldados renderam-se de joelhos, mendigando água e comida.
Decorridos 12 anos, Saddam ousou desrespeitar o ultimato do segundo Bush que lhe cruzou o caminho. Um Bush mais novo e destemido que o anterior. Mata com autoridade moral. Que ele concede a si mesmo.
Os EUA honram a condição de império. Têm soldados supernutridos. O quociente de inteligência de suas armas supera o de seu presidente. Não devem nada a ninguém. Muito menos explicações.
Bush tem linha direta com Deus. Dispõe-se a policiar o mundo. Quer levar liberdade e prosperidade ao povo iraquiano. Sujeito bacana.
Deu prazo à ONU para encontrar as armas de destruição em massa de Saddam. Os inspetores não quiseram achar. Mas o arsenal está lá. Palavra da CIA.
Em desnecessária prova de tolerância, Bush ofereceu a Saddam e filhos a oportunidade de dar no pé. Mas a periferia não se enxerga. Só entende a linguagem das bombas. Gente primitiva.
Antes que o primeiro míssil caísse sobre Bagdá, Bush já prometia a reconstrução do Iraque. Tarefa hercúlea. Nada, porém, que um grupo de patrióticos empresários americanos não possa ajeitar.
Os súditos involuntários de Saddam não têm com o que se preocupar. Despachado o demônio, os iraquianos serão aninhados no colo quentinho de Bush. Comitê de transição, nomeado pelas forças do bem, velará pelo futuro da chusma. E dos poços de petróleo, naturalmente.
Espanta que parte da Europa, apegada a pruridos diplomáticos, não enxergue o alcance da missão civilizatória dos EUA.
Países como França e Alemanha acalentam a ilusão de que poder e prontuários limpos são coisas compatíveis.
Pregam, veja você, o respeito a decisões da ONU. Temem pelo futuro do organismo. Bobagem. O prédio das Nações Unidas fica em área nobre de Nova York. Perdendo a serventia diplomática, dará um belo shopping center.
Nada justifica o questionamento das boas intenções de Washington. Há anos vem socorrendo a periferia. Concede-lhe empréstimos. E ensina como pagar os juros impagáveis. Mostra-lhe que a abertura dos mercados é o caminho para o desenvolvimento.
Os EUA não compram tudo o que tentam lhes empurrar. Generosidade tem limite. Mas compartilham a qualidade superior de seus produtos com a bugrada do mundo subdesenvolvido.
Costumava-se dizer que o americano havia aprendido uma lição no Vietnã. Verdade. Aprendeu que não tinha as armas apropriadas. Agora tem. E Bin Laden aboliu a necessidade de exames de consciência. As fronteiras do império tornaram-se definitivamente elásticas.
Hoje, os limites da segurança interna dos EUA estão no Afeganistão e no Iraque. Amanhã, pode ser necessário abrir trincheiras na Coréia do Norte. Depois de amanhã, na China e, quem sabe, no Vaticano.
Desavisado, o papa andou pregando contra a guerra. Aconselha-se a João Paulo 2º que comece a redigir uma carta de rendição antecipada. Deus mudou de lado. Ganhou um "green card". Chegou ao paraíso autêntico.


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